Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

O sentido moral

Se estudarmos todas as paixões e até todos os vícios, verificaremos que têm a sua origem no instinto de conservação. Este instinto está em toda a sua força nos animais e nos seres primitivos que se aproximam mais da animalidade; aí domina sozinho, porque neles não existe ainda como contrapeso o sentido moral; o ser ainda não nasceu para a vida intelectual. Pelo contrário, o instinto enfraquece à medida que a inteligência se desenvolve, porque esta domina a matéria.

O destino do Espírito é a vida espiritual; mas, nas primeiras fases da sua existência corporal, existem unicamente necessidades materiais a satisfazer e, com este fim, o exercício das paixões é uma necessidade para a conservação da espécie e dos indivíduos, materialmente falando. Mas saído deste período, tem outras necessidades, primeiro semimorais e semimateriais, depois exclusivamente morais. É então que o Espírito domina a matéria; se lhe sacode o jugo, avança na sua via providencial e aproxima-se do seu destino final. Se, pelo contrário, se deixa dominar por ela, fica para trás, assemelhando-se à besta. Nesta situação, o que outrora era um bem, porque era uma necessidade da natureza, torna-se um mal, não só por não ser uma necessidade, mas porque isso se torna prejudicial à espiritualização do ser. Assim como o que é qualidade na criança passa a ser defeito no adulto. O mal é deste modo relativo e a responsabilidade proporcional ao grau de evolução.

Todas as paixões têm portanto a sua utilidade providencial; sem isso, Deus teria feito qualquer coisa de inútil e prejudicial. É o abuso que constitui o mal e o homem abusa devido ao seu livre-arbítrio. Mais tarde, esclarecido pelo seu próprio interesse, escolhe livremente o bem e o mal.

O instinto e a inteligência

Que diferença existe entre o instinto e a inteligência? Onde acaba um e começa o outro? O instinto é uma inteligência rudimentar ou uma faculdade distinta, um atributo exclusivo da matéria?

O instinto é a força oculta que instiga os seres orgânicos a actos espontâneos e involuntários para a sua conservação. Nos actos instintivos não há nem reflexão, nem combinação, nem premeditação. É assim que a planta procura o ar, se volta para a luz, orienta as suas raízes para a água e para a Terra alimentadora; que a flor se abre e se fecha alternadamente consoante a necessidade; que as plantas trepadoras se enrolam à volta do suporte ou se agarram com as suas gavinhas. É por instinto que os animais são prevenidos quanto ao que lhes é útil ou prejudicial; que se dirigem consoante as estações para climas propícios; que constroem, sem ligações prévias, com mais ou menos arte, consoante as espécies, ninhos macios e abrigos para a sua progenitura, dispositivos para apanharem em armadilhas as presas com que se alimentam; que manobram com perícia as armas ofensivas ou defensivas com que estão dotados; que os sexos se aproximam; que a mãe mima os seus meninos e estes procuram o seio da mãe. No homem, o instinto domina exclusivamente no início da vida; é por instinto que a criança chora para exprimir as suas necessidades, que toma os alimentos, que tenta falar e andar. Mesmo no adulto, alguns actos são instintivos: são assim os movimentos espontâneos para evitar um risco, para se afastar de um perigo, para manter o equilíbrio; são também assim o fechar das pálpebras para suavizar o clarão da luz, a abertura maquinal da boca para respirar, etc.

A inteligência revela-se por actos voluntários, reflectidos, premeditados, combinados, segundo a oportunidade das circunstâncias. É incontestavelmente um atributo exclusivo da alma.

Qualquer acto maquinal é instintivo; o que revela reflexão, combinação, uma deliberação, é inteligente; um é livre, o outro não o é.

O instinto é um guia seguro que nunca engana; já a inteligência, pelo facto de ser livre, está por vezes sujeito ao erro.

Se o acto instintivo não tem o carácter do acto inteligente, revela pelo menos uma causa inteligente essencialmente previdente. Se admitirmos que o instinto tem a sua origem na matéria, teremos de admitir que a matéria é inteligente, mesmo mais seguramente inteligente e previdente do que a alma, dado que o instinto não se engana, enquanto a inteligência se engana.

Se consideramos o instinto como uma inteligência rudimentar, como é que, em certos casos, é superior à inteligência reflectida?

Que lhe permite fazer coisas que a inteligência não pode produzir?

Se é atributo de um princípio espiritual especial, que acontece a esse princípio? Dado que o instinto se apaga, esse princípio seria então anulado? Se os animais só são dotados de instinto, o seu futuro não tem portanto saída; os seus sofrimentos não têm qualquer compreensão. Não estaria conforme com a justiça nem com a bondade de Deus.

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ALLAN KARDEC, A GÉNESE, Os Milagres e as Profecias Segundo o Espiritismo Capítulo III, O BEM E O MAL, Fonte do bem e do mal 10, 11 e 12. Tradução portuguesa de Maria Manuel Tinoco, Editores Livros de Vida.

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