Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Deus na Natureza...


E o Sol,
fonte dessa luz e dessa vida,
espiou uma última vez lá da faixa marinha do horizonte,
como que satisfeito com aquela
homenagem que nem um ser
ousara recusar-lhe...
E assim, contente da jornada,
mergulhou orgulhoso no hemisfério
de outros povos.

Fez, então, grande silêncio
em toda a Natureza.
Nuvens de ouro e púrpura
evolaram-se às paragens reais
e ocultaram os últimos
timbres avermelhados.

A sombra descia do alto. As ondas adormeceram, porque o vento abrandara. Os pequeninos seres alados adormeceram também e Vésper, núncia da noite, começou a luciluzir no éter.

“Ó misterioso Incógnito! – exclamei – grande, imenso Ser, que somos nós, pois? Supremo autor da harmonia, quem és tu, se tão grandiosa é a tua obra? Pobres mitos humanos os que supõem conhecer-te – ó Deus! Átomos, nada mais que átomos, como somos ínfimos! E como tu és grande! Quem, pois, ousou nomear-te pela primeira vez?

“Que orgulhoso insensato pretendeu definir-te, ó Deus! – ó meu Deus, todo poder e ternura, imensidade sublime e inconcebível!

“E, como qualificar os que vos têm negado, que em vós não crêem, que vivem fora do vosso pensamento e jamais sentiram vossa presença – ó Pai da Natureza!

“Amo-te! amo-te! Causa suprema e desconhecida, Ser que palavra alguma pode traduzir, eu vos amo, divino Princípio! mas... sou tão pequenino, que não sei se me ouvireis, se me entendereis.”

Como estes pensamentos se precipitavam fora de mim, para fundirem-se na afirmação grandiosa de toda a Natureza, as nuvens se rasgaram no poente e a radiação áurea das regiões iluminadas inundou a montanha.

“Sim! tu me ouves, ó Criador! tu que dás a beleza e o perfume à florinha silvestre! A voz do oceano não abafa a minha voz e o meu pensamento a ti se eleva, ó Deus! com a prece colectiva.”

Do todo do Cabo, minha vista se estendia ao Sul como ao Ocidente, na planície como sobre o mar. Voltando-me, lobriguei as cidades humanas, meio adormecidas nas plagas. No Havre as ruas comerciais se iluminavam e além, na margem oposta, Trouville acendia o seu parque de diversões.

E enquanto a Natureza se mostrava reconhecida ao seu Autor com o saudar a missão de um dos seus astros fiéis; enquanto todos os seres lhe enviavam as suas preces e o rumor dos mares se misturava ao vento, em acção de graças ao fim de um belo dia; enquanto a obra criada, unânime e recolhida, se oferecera ao Criador, a criatura imortal e responsável – ser privilegiado da Criação, expoente do pensamento – o Homem, vivia à margem, indiferente a tantos esplendores, sem olhos de ver nem ouvidos de ouvir, parecendo ignorar essa harmonia universal, em cujo seio deveria encontrar a sua felicidade e a sua glória.

/...

CAMILLE FLAMMARION, Deus na Natureza, Tomo V - Deus (4 de 4) fragmento.

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