Deus | e o Universo
Um mal-entendido secular divide as escolas filosóficas quanto
a estas questões. O materialismo via no Universo somente a substância e a
força. Parecia ignorar os estados quintessenciados, as transformações infinitas
da matéria. O espiritualismo vê em Deus só o princípio espiritual e não
considera imaterial tudo o que não cai sob os nossos sentidos. Ambos se
enganam. O mal-entendido que os separa cessará quando os materialistas virem em
seu princípio e os espiritualistas em seu Deus a fonte dos três elementos:
substância, força, inteligência, cuja união constitui a vida universal.
Por isso, basta compreender duas coisas: se se admite que a
substância esteja fora de Deus, Deus não é infinito, e, pois que a consciência
existe no mundo atual, é preciso evidentemente que ela se encontre naquilo que
tem sido o Princípio do mundo.
Mas a Ciência, depois de se haver retardado durante meio século
nos desertos do materialismo e do positivismo, depois de ter reconhecido a
esterilidade deles, a ciência atual modificou a sua orientação. Em todos os
domínios: física, química, biologia, psicologia, ela se encaminha hoje, a passo
decidido, para essa grande unidade que se entrevê no fundo de tudo. Por toda
parte ela reconhece a unidade de forças, a unidade de leis. Atrás de toda
substância em movimento encontra-se a força, e a força não é senão a projeção
do pensamento, da vontade na substância. A eterna criação, a eterna renovação
dos seres e das coisas é tão-somente a projeção constante do pensamento divino
no Universo.
Pouco a pouco, o véu se levanta; o homem começa a entrever a
evolução grandiosa da vida na superfície dos mundos. Ele vê a correlação das
forças e a adaptação das formas e dos órgãos em todos os meios; sabe que a vida
se desenvolve, se transforma e se apura à medida que percorre sua espiral
imensa; compreende que tudo está regulado visando a um fim, que é o
aperfeiçoamento contínuo do ser e o crescimento nele da soma do bem e do belo.
Mesmo neste mundo, ele pode seguir essa lei majestosa do progresso, através de
todo o lento trabalho da Natureza, desde as formas ínfimas do ser, desde a
célula verde flutuando no seio das águas, até ao homem consciente no qual a
unidade da vida se afirma, e acima dele, de grau em grau, até o infinito. E
essa ascensão só se compreende, só se explica pela existência de um princípio
universal, de uma energia incessante, eterna, que penetra toda a Natureza; é
ela quem regula e estimula essa evolução colossal dos seres e dos mundos para o
melhor, para o bem.
Deus, tal qual o concebemos, não é, pois, o Deus do panteísmo
oriental, que se confunde com o Universo, nem o Deus antropomorfo, monarca do
céu, exterior ao mundo, de que nos falam as religiões do Ocidente. Deus é
manifestado pelo Universo – do qual é a representação sensível –, mas não
se confunde com este. De igual maneira que em nós a unidade consciente, a Alma,
o eu, persiste no meio das
modificações incessantes da matéria corporal, assim, no meio das transformações
do Universo e da incessante renovação de suas partes, subsiste o Ser que é a
Alma, a consciência, o eu que o anima
e lhe comunica o movimento e a vida.
E esse grande Ser, absoluto, eterno, que conhece as nossas necessidades,
ouve o nosso apelo, nossas preces, que é sensível às nossas dores, é qual o
imenso foco em que todos os seres, pela comunhão do pensamento e do sentimento,
vêm haurir forças, o socorro, as inspirações necessárias para guiá-los na senda
do destino, sustê-los em suas lutas, consolá-los em suas misérias, levantá-los
em seus desfalecimentos e em suas quedas.
/…
Léon Denis, O Grande Enigma, Primeira parte Deus
e o Universo, I O grande Enigma 3 de 5, 6º fragmento da obra.
(imagem: Salvador Dali, 1950)
(imagem: Salvador Dali, 1950)
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