Introdução
Nesta nossa época de observação e experimen-tação, os
materialistas procuram apoiar-se em trabalhos científicos e pretendem deduzir
da ciência positiva o seu sistema.
Os espiritualistas, em geral, acreditam, ao invés, poderem
pairar acima da esfera experimental e chegar aos píncaros da razão pura.
Ao nosso ver, o espiritualismo para triunfar deve medir-se com o adversário
no mesmo terreno e com as mesmas armas. Ele não perderá nada do seu
caráter, condescendendo em baixar à arena, e nada terá a recear nesse confronto
com a ciência experimental.
As lutas empenhadas e os erros a combater estão longe de se
tornarem perigosos para a causa da verdade. Com o exigirem um exame mais
rigoroso das questões versadas, essas lutas nos ensejam a preparação de
uma vitória mais completa.
A Ciência não é materialista, nem pode servir ao erro. Como
e por que, pois, haveriam de temê-la o espiritualismo e a verdadeira religião?
Duas verdades não se podem opor a uma terceira.
Se Deus existe, sua existência não poderia ser suspeitada
nem combatida pela Ciência.
Para nós, temos a convicção íntima de que, muito pelo
contrário, no estabelecimento de conhecimentos exatos sobre a construção do
Universo, sobre a vida e o pensamento, propicia-se atualmente o único método
eficiente ao aclaramento do problema. Só assim poderemos saber se
devemos admitir a soberania da matéria universal ou se importa reconhecer uma
inteligência organizadora, um plano e um destino imanentes.
Tal, pelo menos, a forma por que o debate se nos apresenta e
impõe à mente, neste nosso trabalho.
Esperamos que esta tentativa de versar a existência de Deus
pelo método experimental aproveite ao progresso de nossa época, por estar de
acordo com as suas tendências características.
Ficaremos satisfeitos se a leitura deste livro deixar cair
uma fagulha luminosa nos espíritos indecisos. Mais ainda, se depois de haver
meditado fundo estes nossos estudos, alguma fronte se levantar consciente de
sua legítima dignidade.
Se, regra geral, os ideólogos franceses não têm aplicado o
método científico aos problemas da filosofia natural, em compensação alguns
sábios trataram o assunto do ponto de vista das relações gerais manifestadas no
mundo e que lhe constituem a unidade viva. Com prazer assinalamos, entre as
obras deste género, os diversos trabalhos do Sr. A. Langel, aqui mesmo
utilizados várias vezes.
Problemas da Natureza e problemas da vida não conduzem eles,
efetivamente, ao máximo problema? Examinar as forças ativas no organismo
universal não será o mesmo que examinar as diversas modalidades da
força essencial e original?
As investigações que focalizam o estudo da Natureza podem
aproveitar à Filosofia com maior segurança, às vezes, do que os tratados ou os
ditirambos especialmente consagrados à Metafísica. Os próprios escritos dos
senhores Moleschott e Buchner nos ofereceram elementos de refutação.
A circulação da vida, qual a expõe o primeiro, mostra na
vida uma força independente e transmissível, dirigindo os átomos, mediante
leis determinadas e conforme o tipo das espécies. O exame da Força e da Matéria
estabelece, por outro lado, a soberania da Força e a inércia da
Matéria.
Sendo a Força e a extensão os primeiros princípios do
conhecimento, e sendo a Filosofia a ciência dos princípios, poderia esta obra
ser considerada antes como um estudo filosófico, se não houvéssemos resolvido
limitar-nos a uma discussão puramente científica. Este, efetivamente, o seu fim
precípuo e que, por bem dizer, oferece mais atrativos, mau grado à aridez
aparente do trabalho.
Pensamos que o único meio eficaz de combater o negativismo
contemporâneo é voltar contra ele o materialismo científico e utilizar as suas
próprias armas para derrotá-lo.
Esse discrime compete antes à Ciência que à Filosofia.
A Ideologia, a Metafísica, a Teologia, mesmo a Psicologia,
dele se afastaram quanto possível.
Nós não razoamos com palavras, mas com factos.
/…
Camille Flammarion, Deus na Natureza –
Introdução 3 de 4, 3º fragmento.
(imagem: Jungle
Tales_1895, pintura de James Jebusa Shannon)
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