Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

sábado, 24 de novembro de 2012

Victor Hugo e o invisível ~


Para uma filosofia poética

   Victor Hugo foi um dos poetas que esboçou a possibilidade de uma filosofia poética. No verso como na prosa, tratou sempre de temas transcendentais relacionados com o homem e o mundo. Sendo certo que no académico não se admite uma filosofia poética, seria bom recordar que Hegel, apesar de seu tecnicismo complicado, expunha conceitos metafísicos que se relacionavam intimamente com o poético.

   George Santayana, com seu livro Três poetas, filosóficos: Lucrécio, Dante, Goethe, contribuiu para sustentar esta tese referente a uma filosofia poética. Mas é chegado o momento de considerar que se a filosofia há de cumprir um papel especial entre os homens, só o conseguirá mediante valores ontológicos e poéticos, pois o estilo obscuro e técnico de um Heidegger ou de um Sartre, por exemplo, em nada contribui para a compreensão das essências da filosofia. O existencialismo como que-fazer filosófico é, poder-se-ia dizer, como uma reação contra o tecnicismo filosófico onde apenas se vislumbra o "problema do Ser" pelas complicações filológicas incompreensíveis ainda para os homens entregues ao estudo e à cultura.

   O caso de Victor Hugo não foi considerado pela história da filosofia e o mesmo se poderia dizer da obra de Miguel de Unamuno, onde a poesia se une à filosofia.

   Sem dúvida, a filosofia deverá ser poética e religiosa ou não passará de uma acumulação de páginas técnicas que jamais chegarão a projetar luz na alma do pensador. Caso o filósofo se contente apenas com a linguagem técnica, o "conhece-te a ti mesmo" dos gregos antigos jamais se produzirá na alma dos homens.

   A filosofia esboçada pelo autor de As Contemplações estará assente sempre sobre a beleza, posto que o Ser é uma entidade sensível que só evolui por ela rumo ao bem e à verdade. Se não opta por voltar ao reino da sabedoria; se prefere objetivar-se no temporal como uma disciplina académica, o daimon da filosofia permanecerá mudo e o espírito humano será abatido pelas trevas do niilismo.

   Victor Hugo filosofou pela poesia porque desceu às profundidades do Ser, reconhecendo que não será sistematizando o presente que a sabedoria se tornará uma luz para os espíritos. Como já dissermos neste livro, Victor Hugo percebeu que a beleza determina a verdadeira filosofia; mas considerou também que o Ser não chegará à verdade através de uma única vida. Seu próprio génio não cabia dentro de uma vida única porque a alma procede de distâncias misteriosas para avançar rumo a horizontes desconhecidos. A filosofia poética de nosso poeta se baseou nessa conceção espiritual do homem e foi por isso que a beleza traduzida em amor lhe permitiu aceitar que as almas são, realmente, viajantes do infinito.

   Quando Victor Hugo disse: "Quem diz poesia diz filosofia e saber" deixou assente as possibilidades de um que-fazer filosófico expresso por uma linguagem poética. A poesia na obra do poeta é, sempre, afirmação, esperança, amor, passado e futuro. É o espírito poético que penetra nos domínios ontológicos da existência e que não se limita exclusivamente a literatura. O génio de Victor Hugo é caudaloso e transborda as dimensões do formal para penetrar no filosófico e religioso. Daí devemos considerá-lo um poeta-filósofo e um filósofo-poeta. Por isso, em seu génio se sintetizam todas as manifestações da vida humana. Nele encontramos o social, o religioso, o crítico, o político e o artístico em relação com o Ser.

   Quando a filosofia poética esboçada por Victor Hugo se manifestar nos criadores contemporâneos; quando a beleza e a filosofia demonstrarem que o homem não é "uma paixão inútil", como deseja Sartre, a missão do conhecimento se cumprirá mediante uma reivindicação moral e existencial de homens e de povos. Dar-se-á lugar a formas de vida social assentes sobre a dignidade humana, alimentadas pela verdade e beleza, porque o homem de Victor Hugo é um batalhador que luta por encontrar Deus e o sentido da vida.
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Humberto MariottiVictor Hugo Espírita, Para uma filosofia poética, 3º fragmento da obra.
(imagem: Young Girl with a Doll, pintura de Anne-Louis GIRODET-TRIOSON

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