Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

quarta-feira, 30 de maio de 2012

O Mundo Invisível e a Guerra~


IV
O Mês de Joana d’Arc

|Maio de 1915|


   A Terra voltou a apresentar seus encantos após o longo sono do inverno.

   Abaixo de minhas janelas, no vasto jardim público, os tufos de flores brilhantes se misturam com as folhagens verdes.

   Na calma superfície das águas, cisnes deslizam majestosamente e nos altos ramos as aves canoras, em uma espécie de encantamento, fazem intermináveis concertos. Uma suave claridade envolve todas as coisas, mas, ao longe, na linha de combate, a fumaça da peleja cobre o solo e envolve o céu.

   Estamos em maio, mês de Joana d’Arc, assim denominado porque ele reúne as datas dos mais notáveis acontecimentos da sua vida: dias 7 e 8, libertação de Orléans; dia 24, sua prisão em Compiègne, e dia 30, seu martírio em Rouen.

   Nessa época do ano meu pensamento comovido sempre busca a Virgem Lorena como um modelo de força e beleza moral, porque nela se encontram, na aparência, as qualidades mais antagónicas: energia e sensibilidade, firmeza e delicadeza, idealismo e senso prático. Invoco-lhe o espírito e medito em seu sacrifício.

   Nos dolorosos momentos por que passa a França, essa invocação tem carácter geral e grandioso, num apelo supremo de uma nação ameaçada, espezinhada por sanguinário inimigo. É o grito de angústia de um povo que não quer morrer e que suplica o auxílio das forças celestes invisíveis.

   O culto de Joana d’Arc era exercido, antes da guerra, com numerosos fiéis, porém muitos consideravam os factos de sua vida como acontecimentos vagos, distantes, quase lendários, diminuídos pela distância do tempo.

   As tentativas do clero católico para monopolizar a Virgem Lorena levantaram contra ela um partido político completo.

   A ideia de se criar uma festa nacional para lhe comemorar a memória jazia há mais de dez anos no arquivo da Câmara e um enxame de críticos meticulosos e malévolos preocupou-se com os pormenores de sua história, para contestá-los, denegri-los ou, pelo menos, diminuir-lhe o brilho!

   Um Anatole France a apresentava aos nossos contemporâneos como uma mística quase idiota; Thalamas chegava mesmo a injuriá-la.

   Gabriel Hanotaux referia-se a ela mais dignamente, porém queria fazê-la passar por instrumento das ordens religiosas mendicantes, o que era pura fantasia.

   Assim pois, do messias de nosso país, admirado e glorificado pelo mundo inteiro, os franceses haviam chegado a fazer um tema de polémicas e discórdias.

   Hoje a transformação é completa: debaixo da tempestade de ferro e fogo que esmaga a França, na angústia que a sufoca, toda a nação dirige seus pensamentos para Joana e lhe pede socorro. Suplicam-lhe que salve, pela segunda vez, a pátria invadida.

   Atendendo a esses apelos, do seio do Espaço onde se encontrava, ela paira sobre nossas misérias e dores, para atenuá-las e consolá-las. Mais ainda: à frente de um exército invisível, actua na frente de batalha transmitindo aos nossos soldados a chama sagrada que a envolve, impelindo-os ao combate e à vitória!

   Há poderosos e bem-aventurados espíritos que a rodeiam, porém a todos ela domina com sua sublime energia. A filha de Deus tomou para si a nossa causa. Certa de tal auxílio na luta terrível que sustenta, a França não sucumbirá!

   Será que se sabe quanto sofrerão esses nobres espíritos em contacto com a Terra? Sua natureza delicada e purificada lhes torna penosa a permanência em nosso mundo inferior.

   Necessitam de um esforço permanente de vontade para se manterem em nossa atmosfera saturada de maus pensamentos e fluidos grosseiros, ainda agravada pelas vibrações das violentas paixões que a actual guerra desencadeia.

   Juntai a isso o espectáculo das mortandades, dos cadáveres, dos estertores dos moribundos, dos gritos dolorosos dos feridos e da visão das terríveis feridas produzidas pelos explosivos, por todas as máquinas mortais que os exércitos modernos carregam consigo.

   Quantas emoções pungentes para conter, para dominar! Na Idade Média, Joana presenciou, sem dúvida, cenas dessa espécie, porém em proporções menores! Não obstante, ela reagirá energicamente contra qualquer desfalecimento, porque tudo se torna secundário e desaparece diante do objectivo essencial que é mister alcançar: a libertação da pátria.

   A irradiação da força fluídica de Joana expande-se sobre todos, até sobre os ingleses, agora nossos companheiros de armas.

   Alguns de nossos soldados, dotados de faculdades psíquicas, a vêem passar em meio à fumaça dos combates, mas todos, intuitivamente, sentem sua presença e nela depositam sua suprema esperança. Daí resultam as qualidades heróicas demonstradas, que causam decepção aos alemães e assombro a todos quantos, sem razão aparente, acreditavam na inevitável decadência de nossa raça.
/…


LÉON DENIS, O Mundo Invisível e a Guerra, IV – O Mês de Joana d’Arc, 1 de 3 11º fragmento da obra.
(imagem: Tanque de guerra britânico capturado pelos Alemães, durante a Primeira Guerra Mundial)

Sem comentários: