CAPÍTULO III
O País de Gales.
A
Escócia.
A obra dos bardos
Era uma terra importante, austera e imponente, a do País de
Gales, antes que a indústria moderna a tivesse coberto de chaminés de usinas,
perfurado por inúmeras bocas de minas e obscurecido o seu céu com espessa
fumaça. Hoje ainda podem ser notados os resíduos da acção das forças
subterrâneas que esculpiram suas colinas, alteraram suas montanhas, como aquela
de Snowdon, esse monte sagrado que domina toda a região, ultrapassa mil metros
de altura e cuja origem vulcânica é evidente.
Em todo lugar, magmas de lavas e de pórfiro alternam-se com
rochas e terrenos eruptivos, formando camadas em desordem que a Geologia
designa pelo nome de “cambrianas”, que foi o nome primitivo da região.
No relevo de suas montanhas, Gales do Norte reúne a graça
dos vales e a abundância das torrentes.
A Escócia também conheceu e conservou restos de
manifestações dessa potência que ergueu cumes abruptos. Foi ela que levantou
essas muralhas de granito, de basalto, de pórfiro, que margeiam o canal caledónio
e se prolongam até à costa da Irlanda sob a forma de colunata imensa, conhecida
sob o nome de “Calçada dos Gigantes”.
A Escócia tem, além disso, a poesia, a beleza triste e
severa dos seus lagos, de seus pantanais e de seus planaltos solitários,
semeados de urzes róseas e de musgos de todas as cores.
A parte norte é encrespada de picos, sempre envolvidos de
neblina, mas tão imponentes quando se tingem de púrpura, no crepúsculo, ou de
raios esbranquiçados da Lua.
Acrescentemos as penínsulas escarpadas que se prolongam ao
longe no mar, os promontórios incessantemente batidos pelas ondas, e se terá
uma ideia dessa natureza formidável onde se ramifica a cadeia mestra que serve
de coluna vertebral à Grã-Bretanha.
Uma longa guirlanda de ilhas contém as chamadas “Terras Altas” da Escócia, e uma delas, Staffa, possui a célebre gruta de Fingall,
semelhante a um templo, e onde cada dia a maré crescente executa sua cantiga
queixosa. A raça dócil e forte que se adaptou a esses países parece ter bebido
neles, na sua natureza grandiosa, as qualidades viris que a distinguem e,
principalmente, toda essa vontade firme que, através dos tempos de provas,
conserva, apesar de tudo, a esperança de uma renascença e de uma vida eterna.
A causa desse fenómeno nos é revelada pelo espírito Allan
Kardec em uma das mensagens que publicamos adiante. Ele provém da corrente
céltica que, desde os tempos primitivos, se estendeu no nordeste da Europa, impregnando
profundamente o seu solo, e de onde seu magnetismo atingiu os habitantes e,
pouco a pouco, as gerações que ali se sucederam.
É preciso notar, com efeito, que os ingleses e os saxões que
vieram do leste possuem um carácter bem diferente, mais positivo e prático,
menos inclinado para o ideal. Se, por excepção, encontram-se entre eles
naturezas mais idealistas, é raro que elas não se liguem por laços anteriores a
alguma origem céltica. Tais são, por exemplo, Conan Doyle, Bernard Shaw e
tantos outros, que, por mais ingleses que sejam, pela cultura e pela língua,
não provêm menos de um tronco irlandês.
Apesar das longas, das eternas perseguições, os anglo-saxões
nunca conseguiram domar o sentimento nacional, o carácter étnico dos galeses e
dos escoceses. Bem longe de os assimilar, eles foram, isto sim, assimilados
pelos anglo-saxões, cada vez que entraram em contacto permanente. É assim que
os operários ingleses, atraídos ao País de Gales pela indústria mineira, adoptaram
rapidamente os hábitos e mesmo a língua desse país.
Graças à sua energia persistente, o Principado de Gales
soube guardar a sua autonomia administrativa, assim como as grandes franquias
para suas escolas, colégios e universidades, e até mesmo para sua igreja
nacional. Ele conservou sua língua e sua literatura, de tal modo que a cidade
de Cardiff e o condado de Glamorgan tornaram-se os focos mais intensos da
propaganda céltica, onde se imprimem e se publicam todas as obras dos bardos
antigos e modernos.
Dali partiu o primeiro sinal do movimento pancéltico que
reúne, todos os anos, delegados vindos de todos os pontos do horizonte para
confraternizar num mesmo espírito e num mesmo coração.
Se a força vital de um povo é sua alma, fé na justiça
imanente e num Além compensador, pode-se dizer que os galeses estão de tal
sorte impregnados por ela que sua convicção recai sobre todo seu estado moral e
social. Com efeito, nota-se ali uma coisa bastante rara na França: é que os
tribunais frequentemente não entram em função por não haver acusados nem culpados
para julgar.
O alcoolismo, esse flagelo dos países célticos, ali também
está em
decréscimo. Encontram-se esses mesmos factos na Escócia, em
grau menor.
/…
LÉON DENIS, O Génio Céltico
e o Mundo Invisível, Primeira Parte OS PAÍSES CÉLTICOS, CAPÍTULO III – O
País de Gales. A Escócia. A obra dos bardos 1 de 3, 10º fragmento.
(Imagem: A Apoteose
dos heróis franceses que morreram por seu país durante a guerra da Liberdade,
pintura de Anne-Louis Girodet-Trioson)
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