Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

sábado, 26 de maio de 2012

O Génio Céltico e o Mundo Invisível~


CAPÍTULO III

O País de Gales.
A Escócia.
A obra dos bardos

Era uma terra importante, austera e imponente, a do País de Gales, antes que a indústria moderna a tivesse coberto de chaminés de usinas, perfurado por inúmeras bocas de minas e obscurecido o seu céu com espessa fumaça. Hoje ainda podem ser notados os resíduos da acção das forças subterrâneas que esculpiram suas colinas, alteraram suas montanhas, como aquela de Snowdon, esse monte sagrado que domina toda a região, ultrapassa mil metros de altura e cuja origem vulcânica é evidente.

Em todo lugar, magmas de lavas e de pórfiro alternam-se com rochas e terrenos eruptivos, formando camadas em desordem que a Geologia designa pelo nome de “cambrianas”, que foi o nome primitivo da região.

No relevo de suas montanhas, Gales do Norte reúne a graça dos vales e a abundância das torrentes.

A Escócia também conheceu e conservou restos de manifestações dessa potência que ergueu cumes abruptos. Foi ela que levantou essas muralhas de granito, de basalto, de pórfiro, que margeiam o canal caledónio e se prolongam até à costa da Irlanda sob a forma de colunata imensa, conhecida sob o nome de “Calçada dos Gigantes”.

A Escócia tem, além disso, a poesia, a beleza triste e severa dos seus lagos, de seus pantanais e de seus planaltos solitários, semeados de urzes róseas e de musgos de todas as cores.

A parte norte é encrespada de picos, sempre envolvidos de neblina, mas tão imponentes quando se tingem de púrpura, no crepúsculo, ou de raios esbranquiçados da Lua.

Acrescentemos as penínsulas escarpadas que se prolongam ao longe no mar, os promontórios incessantemente batidos pelas ondas, e se terá uma ideia dessa natureza formidável onde se ramifica a cadeia mestra que serve de coluna vertebral à Grã-Bretanha.

Uma longa guirlanda de ilhas contém as chamadas “Terras Altas” da Escócia, e uma delas, Staffa, possui a célebre gruta de Fingall, semelhante a um templo, e onde cada dia a maré crescente executa sua cantiga queixosa. A raça dócil e forte que se adaptou a esses países parece ter bebido neles, na sua natureza grandiosa, as qualidades viris que a distinguem e, principalmente, toda essa vontade firme que, através dos tempos de provas, conserva, apesar de tudo, a esperança de uma renascença e de uma vida eterna.

A causa desse fenómeno nos é revelada pelo espírito Allan Kardec em uma das mensagens que publicamos adiante. Ele provém da corrente céltica que, desde os tempos primitivos, se estendeu no nordeste da Europa, impregnando profundamente o seu solo, e de onde seu magnetismo atingiu os habitantes e, pouco a pouco, as gerações que ali se sucederam.

É preciso notar, com efeito, que os ingleses e os saxões que vieram do leste possuem um carácter bem diferente, mais positivo e prático, menos inclinado para o ideal. Se, por excepção, encontram-se entre eles naturezas mais idealistas, é raro que elas não se liguem por laços anteriores a alguma origem céltica. Tais são, por exemplo, Conan Doyle, Bernard Shaw e tantos outros, que, por mais ingleses que sejam, pela cultura e pela língua, não provêm menos de um tronco irlandês.

Apesar das longas, das eternas perseguições, os anglo-saxões nunca conseguiram domar o sentimento nacional, o carácter étnico dos galeses e dos escoceses. Bem longe de os assimilar, eles foram, isto sim, assimilados pelos anglo-saxões, cada vez que entraram em contacto permanente. É assim que os operários ingleses, atraídos ao País de Gales pela indústria mineira, adoptaram rapidamente os hábitos e mesmo a língua desse país.

Graças à sua energia persistente, o Principado de Gales soube guardar a sua autonomia administrativa, assim como as grandes franquias para suas escolas, colégios e universidades, e até mesmo para sua igreja nacional. Ele conservou sua língua e sua literatura, de tal modo que a cidade de Cardiff e o condado de Glamorgan tornaram-se os focos mais intensos da propaganda céltica, onde se imprimem e se publicam todas as obras dos bardos antigos e modernos.

Dali partiu o primeiro sinal do movimento pancéltico que reúne, todos os anos, delegados vindos de todos os pontos do horizonte para confraternizar num mesmo espírito e num mesmo coração.

Se a força vital de um povo é sua alma, fé na justiça imanente e num Além compensador, pode-se dizer que os galeses estão de tal sorte impregnados por ela que sua convicção recai sobre todo seu estado moral e social. Com efeito, nota-se ali uma coisa bastante rara na França: é que os tribunais frequentemente não entram em função por não haver acusados nem culpados para julgar.

O alcoolismo, esse flagelo dos países célticos, ali também está em decréscimo. Encontram-se esses mesmos factos na Escócia, em grau menor.
/…


LÉON DENIS, O Génio Céltico e o Mundo Invisível, Primeira Parte OS PAÍSES CÉLTICOS, CAPÍTULO III – O País de Gales. A Escócia. A obra dos bardos 1 de 3, 10º fragmento.
(Imagem: A Apoteose dos heróis franceses que morreram por seu país durante a guerra da Liberdade, pintura de Anne-Louis Girodet-Trioson)

Sem comentários: