Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

sábado, 5 de maio de 2012

Inquietações Primaveris~


|Os Vivos e os Mortos|

Desconhecendo a complexidade do processo da vida, o homem terreno sempre se apegou, principalmente nas civilizações ocidentais, ao conceito negativo da morte como frustração total de todas as possibilidades humanas. Não há nenhuma novidade na expressão sartreana que se propagou por toda a cultura moderna: “O homem é uma paixão inútil.” Foi sempre esse o conceito do homem na cultura ocidental, voltada exclusivamente para o imediatismo. Sartre não revela nenhuma perspicácia filosófica nesse simples endosso cultural de uma posição comum do homo faber ante o inevitável da morte.

Mesmo nas civilizações orientais, impregnadas de misticismo, os homens comuns nunca saíram desse plano inferior da consideração da morte como destruição pura e simples.

A teoria das almas viajoras, de Plotino, que substituiu no Neo-Platonismo a teoria da metempsicose egípcia, não chegou a popularizar-se.

As hipóstases espirituais que essas almas franquearam, depois da morte, pareciam fantásticas, oriundas apenas da teoria platónica dos Mundos das Ideias e do desejo instintivo de sobrevivência que domina o homem.

Mas as pesquisas científicas da natureza humana, particularmente no campo dos fenómenos paranormais, chegaram a provas incontestáveis da sobrevivência do homem após a morte.

Essa sobrevivência implica naturalmente a existência de planos espirituais (as hipóstases) em que a vida humana prossegue.

O desenvolvimento da Física em nossos dias levou os cientistas à descoberta da antimatéria, das dimensões múltiplas de um Universo que considerávamos apenas tridimensional, à conquista dos antiátomos e antipartículas atómicas que podem ser elaboradas em laboratórios, como têm sido elaborados.

A existência das hipóstases já não é mais uma suposição, mas uma verdade comprovada.

O corpo bioplásmico do homem, bem como o dos vegetais e dos animais, foi tecnologicamente comprovado.

Os mortos não podem mais ser considerados mortos.

O que morreu foi apenas o corpo carnal dessas criaturas, que Deus não criou como figuras de guinol para uma rápida passagem pela Terra.

Seria estranho e até mesmo irónico que, num Universo em que nada se perde, tudo se transforma, o homem fosse a única excepção perecível, sujeito a desaparecer com os seus despojos.

A maior conquista da evolução na Terra é o homem, criado, segundo o consenso geral, na tradição dos povos mais adiantados, feito à imagem e semelhança de Deus.

Que estranha decisão teria levado o Criador a negar a esse ser a imortalidade que conferiu a todas as coisas e a todos os seres, desde os mais inferiores e aparentemente inúteis?

Há uma Economia na Natureza que seria contrariada por essa medida de excepção.

Hoje, a verdade se define, cada vez mais comprovada e inegável, aos nossos olhos mortais:

O homem é imortal.

Ao morrer na Terra, transfere-se para os planos de matéria mais subtil e rarefeita, em que continua a viver com mais liberdade e maiores possibilidades de realizações, certamente inconcebíveis aos que ficam no plano terreno.

O espírito encarnado, que, lutando no fundo de um oceano de ar pesado, consegue fazer tantas coisas, por que deixaria de agir com mais interesse e visão elevada num plano em que tudo milita a seu favor?

Enganam-se os que pensam nos mortos como mortos.

Eles estão mais vivos do que nós, dispõem de visão mais penetrante que a nossa, são criaturas mais definidas do que nós, e podem ver-nos, visitar-nos e comunicar-se connosco com mais facilidade e naturalidade.

É preciso que não nos esqueçamos deste ponto importante: os homens são espíritos e os espíritos nada mais são do que homens libertos das injunções da matéria.

Nós carregamos um fardo, eles já o alijaram de suas costas.

Temos de pensar neles como criaturas vivas e actuantes, como realmente o são.

Eles não gostam das nossas tristezas, mas sentem-se felizes com a nossa alegria.

Não querem que pensemos neles de maneira triste porque isso os entristece.

Encontram-se num mundo em que as vibrações mentais são facilmente perceptíveis e desejam que os ajudemos com pensamentos de confiança e alegria.

Não temos o direito de perturbá-los com as nossas inquietações terrenas, em geral nascidas do nosso egoísmo e do nosso apego.

Milhões de manifestações de entidades superiores, de espíritos conhecidos ou não, mas sempre identificados, ocorrem no mundo continuamente, provando a sobrevivência activa dos que passaram para o outro mundo e lá não nos esqueceram.

Desde a época das cavernas, das construções lacustres, passando pelas vinte e tantas grandes civilizações que se sucederam na História, os mortos se comunicam com os vivos e estes, não raro, procuram instruir-se com eles.

O intercâmbio é normal entre os dois mundos e uma vastíssima biblioteca foi produzida pelos sábios antigos e modernos que estudaram o problema e confirmaram a sobrevivência.

Mas, na proporção em que os métodos científicos se desenvolveram, na batalha das Ciências contra as superstições do passado multimilenar, a própria aceitação geral dessa verdade levantou maiores suspeitas no meio científico.

As raízes amargas das religiões da morte, que viveram sempre e vivem ainda hoje vampirizando o pavor da morte em todos os quadrantes do planeta, criaram novos empecilhos para o esclarecimento do problema.

Ainda hoje, depois das provas exaustivas, milhões de vezes confirmadas pelos mais respeitáveis investigadores, a nossa cultura pretensiosamente rejeita a fragrante realidade e pesquisada fenomenologia de todos os tempos, como se ela não passasse de suposições inverificáveis.

Qual a razão dessa atitude irracional em face de um problema tão grave, da maior importância para a Teoria do Conhecimento e particularmente para a adequação do pensamento à realidade, objectivo supremo da Filosofia?

Nossa cultura sofreu até agora de uma espécie de esquizofrenia catatónica, ignorando problemas essenciais e entregando-se à agitação das actividades pragmáticas.

Como diz o brocardo popular: “Gato escaldado tem medo de água fria.” A tremenda e criminosa oposição da Igreja ao desenvolvimento livre da Ciência, com o delírio pirovássico dos tempos inquisitoriais, com suas fogueiras assassinas, deixou suas marcas de sangue e fogo no pêlo, no couro e na carne viva do gato escaldado.

A cultura é um organismo conceptual vivo, nascido das experiências humanas e dotado do mesmo instinto de conservação dos organismos vivos.

Os pêlos do gato escaldado se eriçam à menor aproximação de questões metafísicas.

Remy Chauvin deu a esse fenómeno o nome apropriado de alergia ao futuro.

Essa alergia, como demonstra, tem suas origens históricas no período inquisitorial.

Só há um responsável por essa doença cultural: a Igreja, até hoje em actividade constante na luta contra o desenvolvimento cultural para asfixiar os movimentos que possam atentar contra a sua arcaica posição dogmática.

Por isso assistimos, ainda hoje, às vésperas da era cósmica, ao doloroso espectáculo de padres irados, particularmente nos países subdesenvolvidos, de cultura incipiente, desferindo os raios de sua indignação insolente contra as conquistas parapsicológicas, mas, ao mesmo tempo, com a sagacidade instintiva dos sacerdotes de todos os tempos e de todas as latitudes da Terra, tirando as vantagens possíveis dessa actividade histriónica na cobrança, a tanto por cabeça, dos cursos de parapsicologia dados ao povo com o tempero dos sofismas e mentiras habituais.

Devemos a isso o nosso atraso brasileiro de quarenta anos no campo das investigações e do estudo universitário do paranormal.

Em compensação, padres e frades entregam-se livremente à exploração de clínicas parapsicológicas, servidos por médicos iludidos ou bem integrados na luta contra o avanço da cultura em nossa terra.
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Herculano Pires, José – Educação para a Morte, 3 Os Vivos e os Mortos 1 de 2, 4º fragmento
(imagem: O caranguejo, pintura de William-Adolphe Bouguereau)

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