Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

O Génio Céltico e o Mundo Invisível~


   Durante a longa noite
da Idade Média, o ideal céltico aparentemente foi esquecido, mas ele subsistiu e adormeceu na consciência popular.

Os druidas e os bardos, expulsos da terra das Gálias, foram para a ilha da Bretanha.

Na França, os nobres e os senhores foram divididos em partidos rivais e se desgastaram em lutas internas. O povo pobre das cidades e dos campos foi entregue a uma pesada tarefa, absorvidos pelas preocupações materiais, sofrendo fome e miséria.

   O Cristianismo, tendo penetrado na Gália, suavizou até certo ponto esses males. Ele representou benefício e progresso; a religião de Jesus se adaptou bem à fraqueza humana. Se a lei do amor e do sacrifício, que ela trazia, tivesse achado sua aplicação, podia ser suficiente para a salvação das almas e para a redenção da humanidade.

   Com a finalidade de aperfeiçoamento moral, a religião cristã reprimia a vontade, a paixão, o desejo, tudo o que constitui o “eu”, o centro da personalidade. A doutrina céltica, pelo contrário, aplicava-se em dar ao ser todo o seu poder de irradiação, inspirando-se nessa lei de evolução que não tem limite, na qual a ascensão da alma é infinita. A alma cristã aspira ao repouso, à bem-aventurança no seio de Deus, mas a alma céltica se interessa em desenvolver seus poderes íntimos a fim de participar, numa medida crescente, de círculos em círculos, da vida e da obra universal.

   A alma cristã é mais amante, a alma céltica é mais viril. Uma procura ganhar o céu pela prática das virtudes, pela abnegação e pela renúncia; a outra quer conquistar o “Gwynfyd”, colocando em acção as forças que adormecem nela. Mas ambas têm sede do infinito, da eternidade, do absoluto. A alma céltica acrescenta o sentido do invisível, a certeza do além e o culto fervoroso da Natureza.

   Essas duas almas, porém, muitas vezes coexistem, ou melhor, se superpõem nos mesmos seres. É o caso para muitos de nossos compatriotas; entre eles essas duas almas ainda se ignoram, mas se fundirão um dia.

   Será preciso lembrar que a doutrina de Cristo perdeu, em vários pontos, o seu sentido primitivo? A França se achou ante um ensino teológico que tinha restringido todas as coisas, reduzindo as proporções da vida a uma única existência terrestre, muito desigual, conforme os indivíduos, para os fixar em seguida em uma imobilidade eterna. As perspectivas do inferno tornaram a morte mais temível. Elas fizeram de Deus um juiz cruel que, tendo criado um homem imperfeito, o punia por essa imperfeição sem reparação possível. E daí o progresso do ateísmo, do materialismo, que com o tempo fizeram da França uma nação em maioria céltica, desprovida de força moral, dessa fé robusta e esclarecida que torna o dever fácil, a prova suportável, e atribui à vida um fim prático de evolução e de aperfeiçoamento.

   O jugo feudal e teocrático durante longo tempo pesou sobre a França; depois, chegou a hora em que ela retomou sua liberdade de pensar e de crer. Então, desejou-se passar pelo crivo toda a obra dos séculos e, sem verificar o que era bom e belo, sob pretexto da crítica e da análise, foi realizado um trabalho ferrenho de desagregação. Em um dado momento, nada mais se via no domínio do pensamento, a não ser escombros; do que havia feito a grandeza do passado nada ficou de pé, e somente sobrou a poeira das idéias.

   Escritores de mérito e pensadores conscienciosos muito se aplicaram, em suas obras, para fazer ressaltar o valor e o prestígio do Druidismo, mas o fruto de seus trabalhos não penetrou nas camadas profundas da nação. Até tivemos o assombro de ver universitários, membros distintos do ensino, alinharem-se com os teólogos para denegrir, desfigurar as crenças dos nossos antepassados. O trabalho secular de destruição foi tão completo, a noite foi tão profunda sobre suas concepções, que raros se tornaram aqueles que dele ainda experimentavam a potência e a beleza.

   Ficar desprovida de noções precisas sobre a vida e sobre a morte, em conformidade com as leis da Natureza e as intuições profundas da consciência, seria uma grande causa de fraqueza e, portanto, uma infelicidade para a França. Durante séculos ela esqueceu suas tradições nacionais, perdeu de vista o génio de sua raça, como também as revelações dadas aos seus antepassados para dirigir sua escalada para um fim elevado.

   Essa revelação afirmava que o princípio da vida no homem é indestrutível, que as forças, as energias que se agitam em nós não podem ser condenadas à inação, que a personalidade humana é chamada a se desenvolver, através do tempo e do espaço, para adquirir as qualidades, as potências novas que lhe permitirão desempenhar um papel sempre mais importante no Universo.

   Eis que esta revelação se repete, renova-se. Como nos tempos célticos, o mundo invisível intervém. Há cerca de um século, a voz dos espíritos é ouvida em todos os lugares da Terra. Ela demonstra que, de um modo geral, nossos pais não se enganaram. Suas crenças estão confirmadas pelos ensinos de além-túmulo em tudo que se relaciona com a vida futura, a evolução, a justiça divina, em outras palavras, pelo conjunto das regras e das leis que regem a vida universal.

   Graças a essa luz, o infinito está aberto para nós até as suas profundezas íntimas. Em vez de um paraíso beato e de um inferno ridículo, entrevimos o imenso séquito dos mundos, que são as estações que a alma percorre na sua longa peregrinação, na sua ascensão para Deus, construindo e possuindo em si mesma sua felicidade e sua grandeza pelos méritos adquiridos.

   Em lugar da fantasia ou do arbítrio, em toda parte desponta a ordem, a sabedoria e a harmonia.

   Para as gerações que se erguem e procuram um ideal suscetível de substituir as pesadas teorias escolásticas, afirmamos: examinai conosco essas duas fontes, que formam uma só, confundindo-se na sua identidade; examinai as fontes puras onde nossos ancestrais temperaram seus pensamentos e sua alma. Ali obtereis a força moral, as qualidades viris e o ideal elevado, sem os quais a França seria entregue a uma decadência irremediável, à ruína e à morte!
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LÉON DENIS, O Génio Céltico e o Mundo Invisível, Primeira Parte OS PAÍSES CÉLTICOS, CAPÍTULO I – Origem dos celtas. Guerra dos gauleses. Decadência e queda. Longa noite; o despertar. O movimento pancéltico. 3º fragmento.
(imagem: The Apotheosis of the French Heroes who Died for their Country During the War for Freedom_1802, pintura de Anne-Luis GIRODET-TRIOSON)

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