Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

O Génio Céltico e o Mundo Invisível ~


Capítulo V

A Auvergne. Vercin-gétorix, Gergovie e Alésia
(II)

Numa obra recente chamada L’Initiation de Vercingétorix,* o Sr. André Lebey nos forneceu detalhes muito interessantes sobre a educação religiosa e política do jovem chefe arvernense. Inicialmente, ele nos apresenta muitas cenas vivas e coloridas nas quais os nobres chamados “colares de ouro”, responsáveis pela morte trágica de Celtil, se entregam a esse género de intriga que pôs a perder a Gália, zelando com um ódio ciumento pelo progresso do jovem varão e temendo represálias. Depois, é a viagem de Vercingétorix, que atravessou as vastas solidões silvestres que separam as tribos, visitando a floresta sagrada dos carnutos, onde ele participa da grande cerimónia anual, presidida pelo arquidruida e pela grande sacerdotisa da Ilha de Sein; e sua visita a Carnac, onde ele cumpre outros ritos. Ali, nas horas do crepúsculo, ele escuta os cantos do bardo, afirmando o Deus supremo:

“Eu creio em um Deus único, eterno, que não se conhece, que nunca se conhecerá, indubitavelmente. Eu creio naquele que é, naquele que será, visto que é o mesmo, naquele que se revela e existiu sempre, visto que é o mesmo ainda. O caminho que leva à sua incógnita começa no sacrifício voluntário.”

Sob a direcção de um druida, guia tutelar e familiar, ele vai obter nos santuários os conhecimentos dessa grande doutrina, a propósito da qual Dom Martin pode dizer que “ela não foi tomada emprestada de nenhum outro povo”. Sem dúvida, em seus relatos é preciso levar em conta a fantasia, mas os principais factos repousam numa base histórica. O que há de mais notável nessa obra são as páginas consagradas à conversa solene e secreta dos dois druidas sobre a praia bretã, em frente das ilhas sagradas. Um deles, Divitiac, é admirador e aliado dos romanos; o outro, Macarven, preceptor de Vercingétorix, somente tem em vista o futuro e a grandeza da Gália, o desenvolvimento de seu génio livre, independente de toda ingerência estrangeira.

Divitiac tinha voltado de uma viagem à cidade Eterna, deslumbrado pela glória política e pelo esplendor monumental de Roma. Ele sonha com uma aliança que julga necessária para completar o poderio da Gália e assegurar sua função no mundo.

Macarven lembra ao seu interlocutor a corrupção, o cepticismo dos romanos, sua rapacidade, sua sede de dominação e, sobretudo, a astúcia e os ardis com os quais eles estão acostumados. Confiante na religião e na prática que ama, ele deposita toda a sua esperança numa Gália independente. Disse ele a Divitiac:

“Minha fé é mais clarividente do que a tua. Para vencer completamente, seria melhor que ela extinguisse as armas manuais, em nome de sua superioridade! O triunfo passageiro da matéria sobre o espírito não pode anular a vida do espírito; ela a consagra ainda mais e a faz ressuscitar eternamente acima da vitória momentânea do inimigo. Ao contrário, aceitando, mesmo por astúcia, o conquistador que a domina, ela se humilha pouco a pouco, ela se entrega. A derrota nobre valeria mais pela sua resistência legítima do que a vitória brutal do número e da força, unicamente. Eu somente confio na estrada perpétua, obstinada da consciência. Porque ela é direita, superior, decisiva entre todos os outros meandros, ela segue mais adiante. Deixá-la, abdicá-la e se perder, talvez morrer, e da morte da qual não se levanta. Essa morte engole tudo, é tão pesada que arrasta a alma esmagada sob o peso de sua nulidade.” (P. 163)

Prosseguindo sua viagem, Vercingétorix vai consultar as druidisas da Ilha de Sein.

“Tu vieste – lhe dizem elas – nos interrogar sobre o enigma dos mundos. Nós e nossos sacerdotes te respondemos. Tu chegaste, como nós, ao conhecimento da migração das almas e das leis da vida universal. Agora uma outra tarefa te será imposta; é preciso, doravante, pensar em Roma. Se tudo que viste do império gaulês te tem feito amá-lo, se tu estás ligado à nossa religião, forte e doce, natural e divina, onde o mal inevitável da vida se esclarece e se resgata pelo sacrifício, depois atinge ao sublime verdadeiro pelo culto equilibrado do espírito; se tu te dás conta de que na cidade fria, sobre a qual vigia o Capitólio, apesar da doçura do clima e da beleza dos montes Apeninos, vencido, tu regressarás para morrer no ar salubre da Gergovie, a lição viva do Puy majestoso, a profundeza calmante de suas florestas, então prepara-te desde agora! Prepara-te para salvar teu país e sua religião, única no mundo, tua nação de águas claras, de corações disputadores, mas bons e quentes. Crê em mim, crê em minhas irmãs, crê em nossos sacerdotes; esta virtude particular ao nosso solo, onde a raça céltica atinge sua mais justa expansão, não existe em outra parte.”

Mais tarde, a grande druidisa conduz o chefe arverne sobre o promontório que domina o mar de terror, em frente da ilha sagrada. Nesse tumulto de vagas, que imprime às suas palavras uma espécie de solenidade fatídica, ela lhe lançou estes dizeres em tom imperioso:

“Eleito por todos, tu serás rei e tu nos pertences. Sob este gládio cintilante, acima do abismo, símbolo da vontade, além de todas as agitações humanas, jura dedicar todos os minutos da vida, tua vida, tua morte, tudo o que compõe teu corpo perecível, como também tudo o que prepara tua alma imortal ao cumprimento da libertação.

Tu estás, aqui, no fim do mundo. Se teu juramento é sincero, os deuses que velam em torno de nós e nas ilhas, nos confins do santuário de todos os santuários, te atenderão!”**

E no vento e na tempestade, sob o ruído das ondas barulhentas, sob o gládio ensanguentado, Vercingétorix jurou!
/…

* Editor Albin Michel, rua Huyghens, 22, Paris.
** Ver L’Initiation de Vercingétorix, André Lebey, pp. 191, 201, 205.



LÉON DENIS, O Génio Céltico e o Mundo Invisível, Primeira Parte OS PAÍSES CÉLTICOS, CAPÍTULO V – A Auvergne. Vercingétorix, Gergovie e Alésia 2 de 3, 17º fragmento da obra.
(imagem: A Apoteose dos heróis franceses que morreram por seu país durante a guerra da Liberdade, pintura de Anne-Louis Girodet-Trioson)

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