Tratamento de Vícios e Perversões (II)
Levados pelas excitações novidadeiras
do momento de transição que atravessamos, certas instituições mal dirigidas
pretendem modernizar as práticas
doutrinárias, suprimindo as sessões mediúnicas e substituindo-as por reuniões
de estudos doutrinários. Alegam que a doutrinação e esclarecimento dos
espíritos inferiores é função dos espíritos superiores, no plano espiritual.
Essa é uma boa maneira de fugir às responsabilidades doutrinárias e cortar as
ligações do homem com os espíritos, relegando-os ao silêncio misterioso dos
túmulos, onde, na verdade, não se encontram. Foi essa a maneira que os cristãos
fascinados pelo poder romano, na fase de romanização do Cristianismo,
encontraram para se livrarem das manifestações agressivas dos espíritos
rancorosos, contrários aos ensinos evangélicos, sem perceberem que se
desligavam assim do mundo espiritual. A supressão dos cultos pneumáticos –
sessões mediúnicas da era apostólica –, permitiu a romanização da Igreja,
frustrando-lhe os objectivos espirituais. O mundo espiritual é unitário e
orgânico, exactamente como o mundo material. Cortar a ligação humana com a
região inferior desse mundo é atentar contra o princípio doutrinário da
solidariedade dos mundos e constitui uma ingratidão para com os espíritos que
deram à própria doutrina. Mais do que isso, é uma insensatez, pois não dispomos
de meios para fazer essa cirurgia cósmica. A Igreja pagou caro a sua
insensatez, tendo de recorrer mais tarde à revelação grega, à Filosofia de
Platão (Santo Agostinho) e de Aristóteles (São Tomás de Aquino) para erigir com
decalques e empréstimos a sua própria Filosofia.
Por outro lado, a interpenetração dos mundos (espiritual e
material) faz parte do sistema, ou seja, da organização universal, que não
temos o direito de violar em favor do nosso comodismo, do nosso egoísmo e da
nossa cegueira espiritual. Essa pretensão criminosa lembra a teoria do Espiritismo sem espíritos, de
Morselli, famoso director da Clínica de Doenças Mentais de Génova, que,
obrigado a aceitar a realidade dos factos, escapou do aperto por essa via
estratégica. Querem os espíritas actuais seguir a esperteza do genovês ilustre,
sem os seus ilustrados argumentos?
A alegação de que os espíritos inferiores que nos perturbam
são doutrinados no Além, o que dispensa o nosso trabalho nas sessões
mediúnicas, é de estarrecer. Então essas criaturas que passaram anos assistindo
e dirigindo sessões mediúnicas, doutrinando espíritos, não se doutrinaram a si
mesmas? Não viram os espíritos necessitados a que se dirigiam, não ouviram as
suas ameaças e os seus lamentos, passaram pelas actividades doutrinárias como
cegos e surdos? Não aprenderam nos compêndios da doutrina que os espíritos
apegados à matéria necessitam de esclarecimento – como o sedento necessita da
água, como o escafandrista necessita do oxigénio da superfície para respirar no
fundo do mar? Não aprenderam, com as pesquisas de Geley, que nas sessões
mediúnicas se processa em fluxo contínuo a emissão de ectoplasma que permite
aos espíritos sofredores sentirem-se amparados na matéria, como se ainda
estivessem encarnados, para poderem compreender as explicações doutrinárias?
Não aprenderam que os espíritos superiores descem às sessões mediúnicas para
poderem comunicar-se com entidades sofredoras inadaptadas ainda aos planos
elevados? Querem negar a realidade dolorosa das obsessões e entregar totalmente
os obsidiados ao internamento das clínicas de Morselli? Não sabem que a relação
homem-espírito é uma condição permanente dos mundos inferiores como o nosso, em
que a maioria dos espíritos desencarnados permanece apegada à Terra e por isso
necessita do socorro das sessões mediúnicas? Annie Besant, a admirável autora
de A Sabedoria Antiga, discípula e
sucessora de Blavatsky na presidência da Sociedade Teosófica Mundial – apesar
da repulsa dos teósofos às práticas mediúnicas –, abriu uma excepção no aludido
livro, ensinando que, no caso de perturbações de espíritos numa casa, se alguém
tiver coragem de falar com a entidade e provar-lhe que já morreu, conseguirá
afastá-la. A grande teosofista reconhece a necessidade e a eficácia da
doutrinação espírita, e os próprios espíritas querem agora, tardiamente,
assumir a atitude teosófica que o próprio Sr. Sinet, teósofo do mais alto prestígio,
condenou em seu livro Incidentes da Vida
da Sra. Blavatsky. Sinet corrige esta (sua mestra) no tocante à teoria dos
cascões astrais e sustenta a legitimidade das manifestações mediúnicas. Tudo
isso é ignorância em excesso para representantes de Federações e outras
instituições espíritas que visitam grupos e centros, como fiscais de feira,
mandando suspender as sessões mediúnicas.
Nas perversões sexuais e sensoriais em geral, bem como nos
casos de toxicomania, a doutrinação dos espíritos vampirescos é indispensável
ao êxito da terapia. Porque nesses casos estão sempre envolvidos pelo menos o
vampiro espiritual e o vampirizado encarnado. Se não se obtiver o desligamento
dessas vítimas recíprocas, não se conseguirá a cura. Os que defendem a tese de
Morselli no meio espírita, essa tese já há muito superada entre os próprios
adversários gratuitos ou interesseiros da doutrina, passaram com armas e
bagagens para o adversário. Não querem apenas a amputação da doutrina, pois na
verdade querem a morte e a sepultura inglório do Espiritismo, como os
teólogos católicos e protestantes da Teologia Radical da Morte de Deus querem
enterrar o suposto cadáver de Deus na cova aberta pelo louco de Nietsche, que
acabou morrendo louco. Sirva o exemplo do filósofo infeliz para os filosofantes
imberbes e desprevenidos do nosso meio espírita. Não há nada mais desastroso
para uma doutrina do que abrigar entre seus adeptos criaturas que se deixam
levar por cantos de sereias. Precisamos, com urgência, recorrer à táctica de
Ulisses, mandando tapar com chumaços de algodão os ouvidos desses ingénuos
navegantes de mares perigosos.
/…
José Herculano Pires, Ciência Espírita e
suas implicações terapêuticas, Tratamento de Vícios e Perversões 2
de 2, 12º fragmento da obra.
(imagem: O peregrino sobre o mar de névoa, por Caspar David
Friedrich)
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