Capítulo VIII
Palingenesia: preexistências e vidas sucessivas. A lei das
reencarnações (III)
Ora, aquilo que tantas religiões ensinaram e ensinam ainda e,
que tantos pensadores, antigos e modernos, discerniram por meio da reflexão
profunda, o Espiritismo acaba de demonstrar pela experiência. Ele tem para si
não somente o testemunho universal do mundo dos espíritos, que se levanta de
todos os pontos do globo e sobre o qual falaremos mais adiante, mas ele já
reuniu um conjunto de factos comprovantes dos quais vamos citar alguns.
Notemos, inicialmente, que um
ser suficientemente evoluído, quando o estado normal da consciência
e o estado subconsciente estão em
equilíbrio, isto é, atingem uma estabilidade
perfeita, quando esse
ser se desliga
dos ambientes materiais, ele pode lembrar-se das vidas anteriores e perceber, por
intuições profundas, suscitadas pelos espíritos
desencanados,
a forma das suas
vidas passadas.
Daí as lembranças de certos homens célebres, o reconhecimento
dos lugares onde eles viveram. Por exemplo, o caso de
Lamartine na sua viagem
ao oriente, de
Mery pela Índia e à Flórida e de tantos outros casos análogos
que poderíamos lembrar.
Mencionemos os testemunhos publicados
(i) por certas revistas inglesas relativos às crianças hindus que,
durante o
período de crescimento, no decorrer do qual a
incorporação da alma
não é completa, conservam o uso da memória subconsciente e a
lembrança das suas
vidas passadas.
Casos análogos não são raros no ocidente, mas não se lhes dá
muita atenção, pois considera-se sempre, sem razão, as
narrações infantis como
imaginárias.
Às vezes, me pedem para dar as razões pelas quais
creio nas
minhas vidas
anteriores e as provas pessoais que possuo. Para isso basta me
recolher e, nas horas de calma e de silêncio, interrogar as camadas profundas
da minha memória, para aí encontrar alguns vestígios do meu passado. Se eu me
dedico a uma análise severa e rigorosa do meu carácter, dos meus
gostos, das
minhas
faculdades, reconstituo o encadeamento das causas e dos efeitos, por
meio dos quais se formou a minha personalidade, o “eu” consciente através dos
tempos.
O
detalhe dos acontecimentos me foi comunicado pelos meus
guias, porquanto a minha clarividência não atinge tão longe. É precisamente
esse
rigoroso exame interior que serve de
verificação e de
controlo, porque
nele eu encontro a confirmação e a
prova da exactidão das revelações feitas e
que compreendem os nomes, as datas, as identidades recolhidas nas minhas
pesquisas bibliográficas.
Com esse método de estudos, o que não se pode obter no
estado de vigília pode provocar-se pela
exteriorização completa do “eu” no
estado
hipnótico; é o que, frequentemente, pude realizar com a minha excelente
médium, Sra. Forget. Sob a
influência magnética do guia, ela reconstituía as
suas
personalidades anteriores com atitudes, linguagem e um conjunto de
detalhes que lhe teria sido impossível imaginar.
É preciso notar, entretanto, que os resultados obtidos, através
da sua
natureza íntima, não podem interessar e
convencer a não ser aos
experimentadores. Mas raros são os homens do nosso tempo que se dispõem a fazer
essas pesquisas. A sua vida é toda exterior e eles ignoram os recursos ocultos
na alma. Existe aí toda uma
psicologia misteriosa que é preciso explorar com
extrema prudência e que
reserva aos pesquisadores
avisados, grandes surpresas.
As experiências realizadas por
Albert de Rochas,
administrador da Escola Politécnica de Paris, e relatadas no seu livro
As Vidas Sucessivas, foram contestadas; entretanto,
não se teria razão de rejeitá-las no seu todo, porque, se em certos casos a
superstição foi evidente, noutros elas apresentavam um aspecto real de
sinceridade. Assim parece ser o caso de Joséphine, a moça de Voiron (Isère),
que, adormecida por de Rochas, se encontrava na sua personalidade anterior de
Claude Bourdon, habitante, outrora, de uma aldeia do Departamento de Ain, onde
Joséphine nunca estivera. Ali se
encontrou o atestado de nascimento de Claude
no registo da paróquia. Este facto foi
enriquecido de muitos detalhes curiosos
que constituem, no seu conjunto, bons elementos de autenticidade.
Pode acrescentar-se a este caso o de Mayo, moça de
Aix-en-Provence, que, transformando-se nas suas
personalidades de outros
tempos, revivia as cenas trágicas das suas vidas. Por exemplo, o estado de
gravidez e de asfixia por imersão foram constatados pelo Dr. Bertrand, prefeito
de Aix, convencido de que esses estados não podiam ser simulados por uma pessoa
de 18 anos. Deve ver-se neste caso, como alguns pensam, a revelação de uma
lei
fisiológica pouco conhecida, uma
correlação do físico e do mental que abre o
caminho a
investigações de uma nova ordem, a
descobertas biológicas de uma alta
importância? Seja como for, esses factos vêm
confirmar as nossas asserções a
propósito do
poder do pensamento sobre os fluidos e sobre a própria matéria
concreta.
Um fenómeno mais complexo ainda, pela variedade de formas
que envolve, é a
reencarnação, na mesma família, da pequena Alexandrine, filha
do Dr. Samona, de Palermo, que
voltou uma segunda vez após uma morte prematura.
Encontram-se nesse caso todas as particularidades morais e físicas muito
características da sua curta vida precedente. Alexandrine conta muitas
lembranças dessa existência, por exemplo uma excursão a Montreal, onde ela
encontrou sacerdotes gregos vestidos de vermelho, o que é pouco comum na
Sicília.
Este segundo nascimento,
anunciado antes pela manifestação
de espíritos, ainda que considerado pelos parentes como impossível, por causas
patológicas,
realizou-se no dia marcado. Esses factos apoiam-se sobre uma série
de atestados de testemunhas e de amigos que relataram todas as fases desse fenómeno.
Hoje (1927) Alexandrine tem 13 anos, escreveu
Gabriel Delanne na sua última obra
Documentos
para servir ao estudo da Reencarnação,
(ii)
e
pode acompanhar-se, através dessa moça, todo o desenvolvimento das
primícias
indicadas pelos espíritos.
Não podemos enumerar aqui todos os
casos de
reencarnação
anunciados de antemão, todos os fenómenos de lembranças de vidas anteriores,
com crianças e adultos, e os casos relativos à regressão hipnótica de
lembranças.
Mas, independentemente dos factos de ordem experimental, à
nossa volta, quantas
anomalias anunciados não são
explicadas pela noção das
anterioridades; em muitas fisionomias nós poderíamos ler a demonstração disso.
Essas mulheres de corpos
pesados, de gestos
masculinos, esses homens de
maneiras
efeminadas, que todos nós conhecemos, não são eles os espíritos que
mudaram de sexo ao se reencarnarem? No meio do povo, a despeito da lei da
hereditariedade, todas essas inteligências, esses
talentos, até esse génio, que
surgissem entre famílias, de
preferência materiais e grosseiras, não são eles a
manifestação de
trabalhos e aptidões anteriores? O mesmo problema se relaciona
a esses temperamentos delicados e apurados, vindos de pessoas rudes e não
evoluídas.
Pelo contrário, entre certos anarquistas, fomentadores de
greves, ávidos de subversão e de desordem, não se reconhecem os antigos
burgueses egoístas,
condenados a renascer entre aqueles que eles
exploravam
outrora e aos quais um vago instinto torna a sua nova situação insuportável? E
quantos outros
contrastes, extravagâncias inexplicáveis na aparência, se
esclarecem pela lei dos renascimentos. Pode reconhecer-se
César em
Napoleão,
Virgílio em
Lamartine,
Vercingétorix no general
Desaix. Certos espíritos ainda
acrescentam:
Pompeu em
Mussolini.
Há individualidades que reaparecem no decorrer dos séculos,
de tal modo que se pode reconhecê-las pela
originalidade dos caracteres que se
formam com a nitidez de uma efígie, como o perfil de uma medalha antiga.
Mas não insistamos, pois que estas comparações
poderiam ser
a fonte de muitos abusos. Devido a essa
hipertrofia do “eu”, que é uma doença
tão espalhada, muita gente seria tentada a ver em si a reencarnação de alguma
celebridade da antigamente.
A
cada renascimento, o véu da
carne recai sobre a memória
subconsciente, o
acúmulo de lembranças submerge nas profundezas do
ser. Só há excepção para certos casos de
crianças e de pessoas evoluídas que podem exteriorizar as suas faculdades
psíquicas, como nós vimos anteriormente. Mas, para a generalidade dos humanos,
o esquecimento das vidas anteriores é uma
regra e, talvez, um
benefício da
natureza, porque, nos mundos inferiores e atrasados, como naquele em que nós
habitamos, o panorama das vidas primárias está longe de ser reconfortante para
as almas, muito mescladas de angústias, de impressões dolorosas e humilhantes,
de pesares supérfluos, cuja
intensidade paralisaria sempre a nossa acção, enfraqueceria
a nossa
iniciativa, pois que nós aqui voltamos para resgatar e para evoluir. O
detalhe dos acontecimentos torna-se
inútil e o que importa é conhecer a grande
lei que religa todas as nossas existências e as torna solidárias umas com as
outras.
Essa concepção
palingenésica parece oferecer-nos o remédio
indispensável para o estado de espírito de muitos de nossos contemporâneos. Com
efeito, uma brisa de pessimismo sopra em certos momentos sobre o nosso país.
Chega até a duvidar-se do futuro da França, da possibilidade do seu
reerguimento, semeando assim o desânimo entre as almas. Esse pessimismo é o
fruto mórbido do cepticismo materialista que corrói, desde há um século, a
sociedade contemporânea. A nossa literatura tem, em parte, a responsabilidade.
Escreve-se muito na nossa época, mas, entre os autores, a
maioria não sente que é uma honra temível falar às massas ignorantes e
impressionáveis. Esses
escritores não parecem conhecer este vasto
mundo
invisível que nos envolve e que nos domina, nem essas imensas
reservas de
forças e de almas que, pela
reencarnação, vêm incessantemente
alimentar,
entreter e
renovar as correntes da vida humana. Eis por que este estudo da
reencarnação se impõe, pois sem ela não se pode resolver nenhum dos problemas
relativos à vida e à evolução dos
seres e das sociedades.
De acordo com os elementos que a
reencarnação nos fornece, o
nível moral se baixa ou se eleva. Quando ela traz sobre o nosso globo os
contingentes dos mundos
inferiores, a perturbação se acentua e a humanidade
parece recuar. Mas, também, pela reencarnação, nas horas de angústia,
indivíduos
poderosos podem surgir para dirigir em caminhos mais seguros os
passos hesitantes da caravana em marcha.
É isso que ocorre, neste momento, no nosso país. Os
espíritos evoluídos e outros de uma ordem elevada vêm aqui tomar lugar, por
meio de renascimentos, com a finalidade de regeneração. Esse movimento vai
continuar, dizem os nossos instrutores invisíveis, e em vinte anos poder-se-á
assistir a uma obra de reedificação dos povos ocidentais e, particularmente da
França.
Não se deve desesperar. Os prognósticos sombrios, os
julgamentos pessimistas, os temores e os alarmes são provenientes de uma
concepção insuficiente da existência à qual uma ciência rotineira
impõe os
limites reduzidos da nossa curta duração e do nosso pequeno globo, enquanto
que, na realidade, a vida possui recursos infinitos, visto que ela se desenrola
no seio dos espaços de onde ela inspira, estimula e fecunda a vida terrestre.
Se a nossa literatura, a nossa filosofia e a nossa política
continuam a se inspirar em regras de uma ciência limitada e envelhecida; se uma
compreensão geral da vida evolutiva e de suas leis não vem penetrar, impregnar,
transformar a alma humana, haverá menos esperança de se ver mudar a situação
moral e social do nosso país. É, sobretudo, a noção de uma
única vida que
alterou tudo, obscureceu tudo e tornou incompreensível a evolução do
ser e da justiça de Deus.
Se a vida terrestre fosse também restrita, os nossos estudos
e progressos estariam perdidos, para o indivíduo e para a humanidade, enquanto
que, pela reencarnação, tudo se perpetua e tudo se renova. Nós trabalhamos para
todos e, consequentemente, trabalhamos para nós mesmos. Assim, nada se perde,
os indivíduos e as gerações são solidários entre si, solidários através dos
séculos.
/…
(i) Ver estudo ordenado pelo Marajá de Bhartpur e confiado ao Dr. Rao Bahadur que o
realizou com uma perfeita consciência científica; a revista Kàlpaka publicou quatro casos
circunstanciados e detalhados de lembranças de vidas passadas em crianças. Ver Revue de Métapsychique de Paris, Julho e
Agosto, 1924.
(ii) Editado em português, pela FEB, sob o título A Reencarnação. (N.T.)
LÉON DENIS,
O Génio Céltico e o Mundo Invisível,
Segunda Parte –
Capítulo VIII
Palingenesia:
preexistências e vidas sucessivas. A lei das reencarnações
(3 de
5) 26º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: A Apoteose dos heróis
franceses que morreram pelo seu país durante a guerra da Liberdade, pintura
de Anne-Louis
Girodet-Trioson)