Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

O Homem e a Sociedade

A INVESTIGAÇÃO ONTOLÓGICA NA PARAPSICOLOGIA

(3) O Existencialismo Perante a Parapsicologia

  O existencialismo, ou filosofia da existência, encarna, neste período da evolução, o estado espiritual com que vive o homem, frente ao seu próprio ser e existir. Para o existencialismo, o indivíduo existente só representa um momento do Ser, cuja meta final é a morte e o nada eternos. (*) Este estado de consciência, com efeito, não poderá ser refutado pelos antigos processos teológicos e metafísicos. Somente uma nova realidade espiritual do Ser, originada de uma autêntica experiência parapsicológica, poderá introduzir na filosofia existencial a ideia do Espírito. Não devemos esquecer o que H. H. Price escreveu: “Devemos ter a coragem de estabelecer novamente a questão da estrutura da personalidade humana e das suas relações com o Universo, criando um novo quadro conceitual, que possa ajustar-se aos factos novos. Na minha opinião, compete aos filósofos esta tarefa.” (**)

  Não nos esqueçamos de que o Espírito é ainda uma irrealidade para as correntes mais avançadas do pensamento. Entre elas, como sabemos, encontra-se o materialismo histórico e dialéctico, base ideológica da concepção marxista da sociedade. Lembremo-nos de que o Espírito foi factor de superstições e de promessas de além túmulo, com as quais se justificaram cruéis injustiças sociais. Além disso, a sua concepção nunca correspondeu, na formulação teológica, de forma satisfatória, à desnorteante angústia do homem. Por sua vez, a filosofia referiu-se sempre ao Espírito, mas sem dar provas de sua realidade objectiva. Obrigou-se a aceitá-lo dogmaticamente, por imposição de mentores religiosos, que nunca levaram em conta o sentir colectivo do mundo, base fundamental da civilização e de todo o progresso social.

  Esta concepção do Espírito foi a razão ideológica do existencialismo, cuja pujança filosófica nenhuma filosofia e nenhuma teologia conseguirão deter, enquanto não se demonstrar a existência real do Ser espiritual. Acreditamos que o existencialismo só deixará a sua posição niilista quando se provar que a mente sobrepuja as circunvoluções cerebrais, e quando essa mente se mostrar como uma consequência da real existência do Espírito, cuja objectivação só poderá obter-se pela investigação fenoménica da parapsicologia.

  O laboratório parapsicológico deverá representar, portanto, uma forma de concretização científica da filosofia espírita. Se é certo que dele não poderá sair uma definição dogmática sobre a realidade espiritual do homem, isso não impede que a escola espírita vá confirmando a sua ideologia doutrinária, por meio da parapsicologia. Seria faltar à verdade deixarmos de reconhecer que devemos o advento da investigação psíquica, da metapsíquica e da parapsicologia ao resultado dos esforços realizados pela escola espírita no campo experimental, quando ela, sozinha, enfrentava as insustentáveis hipóteses sobre demónios, larvas, cascões astrais e fraudes. Daí apresentar-se a filosofia espírita, com sobejas razões, perante a exaurida humanidade, como campeã da vida e do Espírito. Ela fará o homem sentir a realidade do seu Ser espiritual, por meio da ciência e da religião. Ela descerrará os véus do além e iluminará com os seus fachos a marcha solene da história.

  Com o seu génio mediúnico, a filosofia espírita fez realidade e presença no que todas as religiões têm intuído subjectivamente: a alma imortal. Conseguiu estabelecer um diálogo dramático entre o mundo visível e o invisível, que os teólogos consideram sempre como irrealizável. O método científico, aplicado à pesquisa espiritual, vai dando à filosofia espírita a razão que lhe pertence. Daí que a parapsicologia, ao demonstrar a realidade psíquica do homem, não poderá desfazer a concepção espírita do Ser, se é que realmente quer refrear o existencialismo ateu e o conceito materialista da vida.

  O existencialismo não poderá ser ultrapassado só por meio de factos, mas também mediante sólidas reflexões ontológicas acerca do homem. Não nos esqueçamos do que disse Jean-Paul Sartre: “As situações históricas variam: o homem pode nascer escravo numa sociedade vaga, ou senhor feudal, ou proletário. que não varia é a necessidade, para ele, de estar ali, no meio dos outros, e de ali, como eles, ser mortal.” Cabe à parapsicologia ensaiar, mediante o seu rico fenomenismo extrassensorial, um Humanismo do Espírito, com o fim de indicar ao Ser de onde provém, o que faz no mundo e para onde se dirige.

  Segundo a filosofia existencialista, a razão metafísica não é suficiente para negar o sentido niilista do homem e do mundo. O ser humano, não obstante a exigência teológica, destina-se à morte eterna. Demonstrar o contrário seria negar a primazia que o existencialismo confere à existência sobre a essência. Como, porém, se poderia realizar isso? Só mediante uma materialização da essência, que se poderá obter pela objectivação do Ser espiritual do indivíduo. E esta materialização da essência é tarefa da parapsicologia, que, uma vez cumprida, demonstrará cabalmente que o Espírito é uma realidade e pode objectivar-se.

  Será realmente assombroso constatar os efeitos espirituais que a parapsicologia produzirá no existencialismo. A existência material será superada pela espiritualidade da essência; ela transformará a sua imagem finita, para se mostrar resultante do Ser infinito. Porque, como o reconhecerá a filosofia do futuro, só o método parapsicológico poderá conceder à metafísica os reais elementos com que construir uma verdadeira teoria do homem.

  Estas reflexões nos levam a pensar que devemos juntar à Fenomenologia de Husserl uma “segunda fenomenologia”, já que esta abrange somente uma face do ser fenomenológico, o qual necessita de transcender para um existir extratemporal. Ao contrário, uma fenomenologia parapsicológica do Ser não se limita às estruturas físicas, mas as supera, por meio de um ser intencional. A fenomenologia existencial detém-se na parte morta do Ser. Não obstante a intuição essencial que experimenta, não consegue perceber a realidade do fenómeno, para dele se libertar. Daí se conclui que a parapsicologia, à luz da filosofia espírita, é uma espécie de maiêutica socrática, que dá origem a uma nova realidade psicológica.

  A objectividade de um verdadeiro facto parapsicológico terá a propriedade de convencer os matemáticos, cientistas, artistas, filósofos e religiosos. Consequentemente a parapsicologia será a objectivação daquilo que se julgava morto para sempre: o ideal e o espírito, os quais ressurgem graças à influência que os fenómenos psíquicos e metapsíquicos exercem sobre o pensamento humano e a marcha do conhecimento. Ela é capaz de produzir factos que podem interessar a toda a humanidade, já que esses factos representam uma superação geral do conhecimento e do habitual. Além disso, ela está a organizar métodos novos, para a investigação daquilo que sempre foi considerado como não experimental: a busca do Espírito.

  Se a realidade espiritual clássica se mostra impotente para se opor à negação de Deus e do Espírito, existe uma teologia experimental, da qual falou o grande biólogo espanhol Jaume Ferran, no seu prólogo ao Tratado de Metapsíquica, de Charles Richet, verdadeiro libelo contra o existencialismo ateu. Trata-se nada menos do que da metapsíquica objectiva, cujos fenómenos e materialização estão revolucionando o pensamento filosófico. Ela será de grande proveito para a existência humana e animal, agora que o existencialismo indica ao homem, como o seu único futuro, a morte e o nada. Embora seja certo que várias escolas espiritualistas se levantaram contra o existencialismo, e com elas – que paradoxo – a própria doutrina marxista, não obstante a sua concepção materialista, a verdade é que o niilismo espiritual se difunde de maneira alarmante, ao lado da filosofia do existencialismo.

  Miguel de Unamuno não via, no fenómeno metapsíquico, nenhuma prova a favor da imortalidade. Não obstante, ao referir-se à realidade da vida de além-túmulo, chegou a escrever: E a esta mesma necessidade, verdadeira necessidade de formarmos uma ideia concreta do que pode ser essa outra vida, responde em grande parte a indestrutível vitalidade de doutrinas como as do espiritismo, da metempsicose, da transmigração das almas através dos astros, e outras análogas, doutrinas que, quantas vezes declaradas vencidas e mortas, renascem noutras formas mais ou menos novas. É grande loucura querer eliminá-las, em vez de buscar-lhes a substância permanente.” (***)

  Se a ciência psicológica se está beneficiando com as contribuições da investigação psíquica, da metapsíquica e da parapsicologia, isto se deve ao persistente trabalho do espiritismo científico, que, desde os seus primórdios, conseguiu atrair a atenção dos homens de ciência, interessando por sua vez a filosofia e a religião.

  O conhecimento psicológico do homem encontra-se numa fase a que poderíamos chamar de revolucionária. As teorias do paralelismo psicofisiológico vão sendo abandonadas, ao se considerar o Ser como um Eu ou uma Mente, conceito este negado pelo materialismo e pelo existencialismo ateu.

  A escola espírita, no campo do conhecimento, está a preparar um novo sentido espiritual, mas agora apoiado num neorrealismo decorrente da demonstração positiva da existência da alma. Assim, o próprio cristianismo, menosprezado pelos niilistas e por certos espiritualistas orientais, se reafirmará sobre bases verdadeiramente espirituais. A filosofia espírita promoveu uma nova interpretação da antropologia, que permitirá à própria teosofia apresentar-se perante o espírito dos tempos actuais com as suas grandes intuições místicas e cósmicas.

  O carácter positivo da ciência mediúnica e metapsíquica confirmará finalmente as hipóteses de muitas correntes idealistas. A intuição palingenésica da teosofia, por exemplo, encontrará no realismo do fenómeno parapsicológico e metapsíquico a mais completa confirmação, ao lado de muitas teorias da metafísica oriental e ocidental.

  Unamuno considerava as manifestações místicas e vivenciais da agonia terrena, antes de mais nada, como uma consequência da angústia religiosa. Era ele um tipo de existencialista cristão, semelhante a Soren Kierkegaard. Este achava que toda a sabedoria espiritual provinha da própria angústia do Ser. Não obstante, a metapsíquica objectiva é a única força positiva que poderá contraditar e paralisar os planos filosóficos do existencialismo. Estejamos certos de que só um fenómeno objectivo, como o ectoplásmico, se fosse tomado na devida conta, poderia mudar a mentalidade dos tempos modernos e de todas as épocas. Porque, se a objectividade do facto metafísico chegasse a comover a inteligência contemporânea, o existencialismo perderia todo o seu valor, do ponto de vista lógico e filosófico.

  Para o pensamento materialista, a filosofia idealista nada representa no mundo do conhecimento. Ela está incluída entre os sistemas que serviram de base aos dogmas, mediante os quais foi possível submeter os povos económica e socialmente. Entretanto, para a filosofia espírita, o idealismo é uma realidade inegável, dependente do mundo espiritual. Pelo processo chamado ESP, isto é, pela percepção extrassensorial, poderíamos captar essa realidade, através do inconsciente. Esse processo chamado ESP (****) nos permitiria apreender outro plano do Espírito, ainda distante, no qual o homem não penetrou, mas que ele pressente, parapsicologicamente, como uma realidade.

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(*) O autor refere-se, como adiante se verá, ao existencialismo de Sartre, dominante na actualidade. (Nota de J. H. Pires).
(**) Revista de Parapsicologia, n° 1 – Buenos Aires, 1955.
(***) Unamuno, Do Sentimento Trágico da Vida.
(****) ESP – termo empregado na parapsicologia no sentido de percepção extrassensorial. A sigla corresponde à expressão inglesa extra sensory perception.


Humberto Mariotti (i)O Homem e a Sociedade numa Nova Civilização, Do Materialismo Histórico a uma Dialéctica do Espírito, PRIMEIRA PARTE O NÚMENO ESPIRITUAL NOS FENÓMENOS SOCIAIS, Capítulo I A INVESTIGAÇÃO ONTOLÓGICA NA PARAPSICOLOGIA, (3) – O Existencialismo Perante a Parapsicologia. 2º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Alrededores de la ciudad paranóico-crítica: tarde al borde de la historia europea (detalhe) | 1936, Salvador Dali)

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