Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

O Génio Céltico e o Mundo Invisível ~


Capítulo VIII

Palingenesia: preexistências e vidas sucessivas. A lei das reencarnações
(V)

   A lei das reencarnações – esse retorno das almas sobre a Terra – suscita objecções às quais é necessário responder, medos que é preciso dissipar. Entre aqueles que interrogam, uns temem já não reencontrar, no além, os seres que eles amaram aqui na Terra. Pergunta-se se, em virtude dessa lei, nós seremos separados dos membros actuais das nossas famílias e obrigados a prosseguir isoladamente, a nossa lenta e penosa evolução. Outros estão apavorados pela perspectiva de retomar a tarefa terrestre, após uma vida laboriosa semeada de provas e de males. Apressemo-nos em tranquilizá-los.

   A reencarnação é rápida e, a estada do espírito no espaço é de curta duração somente no caso de crianças mortas com pouca idade. Tendo malogrado a sua tentativa para reaparecer no cenário terrestre, quase sempre por causas fisiológicas devidas à mãe, essa tentativa será renovada desde que condições favoráveis se apresentem no mesmo meio. Caso contrário, o espírito se reencarnará nas proximidades desse meio, isto é, entre parentes ou amigos, de maneira a permanecer em relação com aqueles que ele tinha escolhido, em virtude de uma atracção resultante de ligações anteriores, de forças afectivas que constituem uma certa afinidade fluídica.

  Os espíritos formam famílias numerosas cujos membros continuam através das suas múltiplas reencarnações. Enquanto que uns prosseguem sobre o plano material a sua educação e a sua evolução, outros ficam no Espaço para os proteger, na medida dos seus meios, sustentando-os, inspirando-os, esperando-os, a fim de os receber no término da vida terrestre. Mais tarde, esses aqui renascerão para a vida humana e, por sua vez, de protectores se tornarão protegidos. A duração da estada no Espaço é muito variável e, conforme o grau de evolução, pode durar muitos séculos ou somente algumas dezenas de anos, para os espíritos ambiciosos de progresso.

   Há sempre correlação entre a vida terrestre e a do Espaço. A família visível está sempre ligada à família invisível, mesmo sem o saber. Os afectos, os sentimentos provenientes dos laços estabelecidos no curso das vidas sucessivas, transmitem-se de um plano para o outro com maior intensidade quanto mais subtil for o estado vibratório dos seres que compõem essas famílias.

   A união perfeita que reina em certas famílias, explica-se pelas numerosas vidas comuns. Os seus membros foram reaproximados por uma atracção espiritual, uma adaptação do pensamento idêntico, de gostos e de aspirações da mesma ordem, e isso em graus diversos.

   É fácil reconhecer, numa família, aquele que nela se encarna excepcionalmente e pela primeira vez, seja para ali se aperfeiçoar intelectual e moralmente, em contacto com seres mais evoluídos, seja, ao contrário, para servir de exemplo, de modelo, de treinador de espíritos atrasados e, ao mesmo tempo, para ajudá-los a suportar as provas que o destino lhes reserva, o que torna essa missão uma tarefa meritória. Em certos casos o contraste é tão notável entre os caracteres, a maneira de pensar e de agir é tão surpreendente que as pessoas não iniciadas chegam a proferir este julgamento: “Aquele não é da família, poder-se-ia crer que ele foi trocado ao nascer!”

   Desde a vida no espaço, entre certos espíritos, são assumidos os compromissos de reencarnarem nos mesmos ambientes e aí prosseguir uma evolução comum. Outras almas evoluídas aceitam a função penosa de descer a lares materiais para neles dissipar, através das suas irradiações, os elementos grosseiros que dominam tais ambientes, e este acto de abnegação será para elas um outro motivo de progresso.

   Algumas pessoas interrogam-nos sobre a diferença de raças e as suas relações com a evolução. Os espíritos dizem, sobre esse assunto, que cada região do globo atrai do Espaço os fluidos em harmonia com os eflúvios que se desprendem do solo. Daí resulta que os espíritos que renascem nessas regiões terão gostos e aspirações diferentes. Por exemplo, os africanos receberão os fluidos próprios para desenvolver a sua vitalidade física, porque o seu espírito tem necessidade de se sentir num envoltório sólido.

   Entre os orientais, os japoneses, por exemplo, a evolução terrestre é mais completa, os corpos são pequenos, a sensibilidade desenvolvida, a percepção do além mais nítida. O misticismo está presente. O perispírito do japonês, de uma grande subtileza, vibrará mais fortemente do que o do senegalês.

   Entre os ocidentais, em geral, a evolução não tem sido uniforme. Ela variou conforme os países. Os montanheses e os marítimos, sob formas mais rudes, guardaram um certo fundo de idealismo ou um espírito religioso. Aí estão dois tipos humanos cujas aspirações se relacionam mais directamente com o mundo superior, porque eles se comungam com a Natureza.

   Não é de espantar se um espírito, na sua curta evolução, experimente, às vezes, a necessidade de mudar de meio para adquirir qualidades ou conhecimentos que ainda lhe faltam. Mas esses mesmos seres, voltando ao espaço, ali logo encontram os elementos espirituais de que se haviam afastado por certo tempo e dos quais tinham guardado lembranças. Já, no sono, o ser encarnado se aproxima dos seus amigos do Espaço e revê, em alguns instantes, a sua vida passada, mas, ao despertar, essa impressão se apaga, porque ela poderia perturbar e diminuir o seu livre-arbítrio.

   Se ele se afasta, por um certo tempo, da sua família terrestre, não abandona nunca a sua família espiritual e, quando a família humana evolui e atinge um plano fluídico superior, a acção inversa se produzirá, e será ela que, por sua vez, atrairá no espaço o espírito menos avançado. A lei da evolução do ser através das suas vidas renascentes é admirável, mas a inteligência humana não pode entrever senão um seu pálido reflexo.

   Os ensinamentos contidos nestas páginas não são obra da imaginação. Eles emanam de mensagens espirituais obtidas por todos os processos mediúnicos e recolhidos em todos os países. Até aqui, não tínhamos, sobre as condições da vida do Além, a não ser hipóteses humanas, sejam filosóficas ou religiosas. Hoje, os que vivem essa vida a descrevem para nós e falam sobre as leis da reencarnação. Com efeito, o que são certas excepções assinaladas entre os anglo-saxões, e cujo número diminui cada dia na presença da enorme quantidade de documentos, de testemunhos concordantes recolhidos desde a América do sul até às Índias e ao Japão?

   Já não é como no passado, um pensador isolado, ou mesmo um grupo de pensadores, que vem mostrar à humanidade a rota que ele julga verdadeira; é um mundo invisível, inteiro, que se abala, e se esforça para tirar o pensamento humano das suas rotinas, dos seus erros, e lhe revela, como no tempo dos druidas, a lei divina da evolução. São os próprios parentes e amigos mortos que nos expõem a sua situação, boa ou má, e a consequência dos seus actos no decorrer de palestras ricas de provas de identidade.

   Possuo sete grandes volumes de comunicações, recebidas no grupo que por longo tempo dirigi, que respondem a todas as questões que a inquietude humana apresenta à sabedoria dos invisíveis.

   Os espíritos guias instruíam-nos por meio de médiuns diversos que, de uma maneira geral, não se conheciam entre si, e sobretudo através de mulheres pouco letradas, cheias de preconceitos católicos e pouco inclinadas à doutrina das encarnações. Acontece que, todos aqueles que consultaram esses arquivos ficaram surpreendidos com a beleza do estilo, bem como com a profundidade das ideias emitidas.

   Talvez essas mensagens sejam um dia publicadas. Então, ver-se-á que, nas minhas obras, não sou inspirado somente por mim, mas sobretudo por aqueles do outro lado da vida. Reconhecer-se-á, pela variedade das formas, uma grande unidade de princípios e uma perfeita analogia com os ensinamentos obtidos dos espíritos guias, através de todos os meios, e onde Allan Kardec se inspirou para delinear as grandes regras da sua doutrina.

   Após a guerra (1ª Guerra Mundial, 1914-1918), os nossos instrutores continuaram a manifestar-se através de médiuns diferentes. Por meio de entidades diversas, a personalidade de cada um deles se afirmou pelo seu próprio carácter, por uma originalidade talhada, numa palavra, de maneira a evitar todas as possibilidades de simulação. Pode seguir-se, anualmente, na Revue Spirite, a quintessência dos ensinos que nos foram dados sobre assuntos sempre substanciais e elevados.

   Depois, aquando do congresso (Espírita) de 1925, foi o grande iniciador (Allan Kardec) que nos veio certificar do seu concurso e esclarecer-nos com os seus conselhos. Hoje ainda é ele, Allan Kardec, que nos anima a publicar este estudo sobre a reencarnação.

   Até aqui não insistimos muito sobre o principal argumento que se evoca contra a doutrina das preexistências, isto é, o esquecimento das vidas anteriores. Esse argumento foi refutado, detalhadamente, em quase todas as obras que escrevemos. (*) Esse esquecimento, já vimos, não é tão genérico como se pretende, e se a maioria dos homens se dedicasse a um estudo atento da sua própria psicologia, eles encontrariam, facilmente, os vestígios das suas vidas passadas.

   Assim, como demonstra o Sr. Bergson, no seu belo livro A Evolução Criadora, este argumento não é concludente. A partir da vida actual, e sobretudo no estado sonambúlico, oposto ao estado normal, produzem-se eclipses de memória que tornam compreensível o desaparecimento das lembranças longínquas. Todos os espíritos sabem que esse esquecimento do nosso passado é temporário e acidental.

   Mesmo que o espírito seja pouco evoluído, a lembrança integral se reconstituirá no além, até mesmo no decorrer da presente existência, durante o sono.

   No estado de desprendimento (i), ele poderá retomar o encadeamento das causas e dos efeitos que formam a trama do seu destino. É somente no período da luta material que a lembrança se apaga, precisamente para nos deixar a plenitude do nosso livre-arbítrio, indispensável para ultrapassar as dificuldades, as provas terrestres, e delas recolher todos os frutos.

   Em suma, o esquecimento das vidas passadas deve ser considerado como um benefício para a maioria das almas humanas num ponto não muito elevado da sua evolução. A lembrança seria, frequentemente, inseparável de revelações humilhantes e de pesares dolorosos como queimaduras. Em vez de se hipnotizar para um passado mau, é para o futuro que convém fixar o objectivo dos nossos esforços e os impulsos das nossas faculdades.

   O provérbio não diz que ao colocar as mãos na charrua não se deve olhar para trás? Com efeito, para traçar bem direito o sulco, isto é, para afrontar e prosseguir no combate da vida com alguma vantagem, não é preciso ser obsecado pelo cortejo de más lembranças.

   É somente mais tarde, na vida do espaço, e sobretudo nos planos superiores da evolução, que a alma humana, libertando-se do jugo da carne e livre do pesado capuz da matéria que limita as suas percepções, pode abranger sem desfalecimento, sem vertigens, o vasto panorama de suas vidas planetárias. Então, ela adquiriu a maturidade necessária para discernir, por sua razão e por seu saber, o vínculo que as religa todas, os resultados recolhidos, e tirar os ensinamentos que eles comportam. É o que diz a Tríade 19:

19 – Há três necessidades antes de se chegar à plenitude da ciência: atravessar o “Abred”, atravessar o “Gwynfyd” e lembrar-se de toda a coisa até no “Annoufn”.

   Tal é o julgamento particular, o inventário da nossa alma evoluída, que no início das suas existências passa em revista a longa sequência das suas etapas através dos mundos. Com a sua sensibilidade aumentada, a sua experiência, a sua sabedoria, a sua razão engrandecida, ela julga do alto todas as coisas. E nas suas lembranças, conforme a sua natureza, ela encontra as causas da alegria ou do sofrimento. A sua consciência purificada perscruta os menores sinais da sua memória profunda. Tornada o árbitro infalível, ela pronuncia sem apelo, aprova ou condena, e às vezes, a título de reparação e sob a inspiração divina, ela decide e impõe os renascimentos nos mundos da matéria e da dor. É o que atesta a Tríade 18:

18 – Há três calamidades primitivas do “Abred”: a necessidade, o esquecimento e a morte.

   Terminado este capítulo, insistiremos ainda sobre a importância do movimento espiritualista actual, que, na realidade, é o despertar das tradições da nossa raça céltica. Para tornar plena, inteira e fecunda a sua vida, todo o homem deve compreender-lhe o seu sentido profundo e discernir-lhe o seu objectivo, porque, seja por reflexão, seja por uma espécie de instinto, a ideia que dela se faz é a que domina toda a sua vida, inspira os seus actos e os orienta na direcção de objectivos ou inferiores ou elevados.

   Resulta que desta noção essencial deveria participar toda a educação humana ministrada, mas nem a escola, nem a Igreja nos dão, sobre este assunto capital, informações claras e precisas. Daí, em grande parte, a perturbação moral e a confusão de ideias que reinam na nossa sociedade.

   Se nós conhecêssemos toda a regra soberana dos seres e das coisas, a lei e a consequência dos actos e a sua repercussão sobre o destino; se nós soubéssemos que se colhe sempre o que se semeou, as reformas sociais seriam mais fáceis e a face do mundo seria rapidamente transformada. Mas a maioria dos homens, absorvidos por tarefas, por preocupações materiais, privados dos lazeres necessários para cultivar a sua inteligência e o seu coração, percorrem a vida como se passassem por vã neblina. A morte não é para os seus olhos mais do que um espantalho, do qual eles afastam, com pavor, o pensamento importuno. É assim que, quando vêm os dias de provas, se o vento sopra com a tempestade, eles se encontram logo desamparados.

   É isso o que acontece na actualidade. Para tirar o homem das pesadas influências que o oprimem, seriam precisos eventos importantes, crises dolorosas que, mostrando-lhe o carácter precário, instável da vida na Terra, deviam abater o seu orgulho, obrigá-lo a afastar para longe as suas atenções e a fixar mais alto os seus objectivos. Seria lucrativo para a humanidade, se os tempos de prova, que a nossa civilização atravessa actualmente, esclarecessem as suas taras e os seus vícios e lhes ensinassem a curá-los.

   Não é uma coincidência notável que, ao mesmo tempo que as crenças religiosas se apagam cada vez mais, em que o materialismo espalha perante nós os seus efeitos destruidores, uma revelação do Alto se difunde pelo globo por milhares de vozes, oferecendo uma doutrina, um ensino racional e consolador para todos os interessados de boa-fé?

   O Espiritismo é o maior e mais solene movimento do pensamento que se produziu desde o aparecimento do Cristianismo. Não somente pelo conjunto dos seus fenómenos, ele nos traz a prova da sobrevivência, mas, sob o ponto de vista filosófico, as suas consequências são mais grandiosas. Com ele, o horizonte se aclara, o objectivo da vida torna-se preciso, a concepção do Universo e das suas leis aumentam, o pessimismo sombrio se esvaece para dar lugar à confiança, à fé em destinos melhores.

   O Espiritismo pode então revolucionar todos os domínios do pensamento e do conhecimento. Em lugar de ambientes estreitos onde se encontravam confinados, ele abre grandes portas para o desconhecido e para o inexplorado. Pelo estudo do ser no seu “eu” profundo, neste mundo fechado onde se acumulam tantas impressões e lembranças, o Espiritismo cria uma Psicologia nova, muito maior e mais variada do que a Psicologia clássica.

   Até aqui, nós somente conhecemos a parte mais grosseira, a mais superficial do nosso ser. O Espiritismo no-lo mostra como um reservatório de forças escondidas, de faculdades em estado germinativo, que cada um de nós é chamado a valorizar, a desenvolver através dos tempos. Pelos métodos hipnóticos ou magnéticos (itornar-se-á possível chegar até às origens do ser, reconstituindo o encadeamento das existências e das lembranças, a série de causas e efeitos que são como a trama de nossa própria história. Aprenderemos que o próprio ser cria a sua personalidade e a sua consciência no decorrer de uma evolução que o conduz, vida após vida, na direcção de planos melhores. E assim se afirma a nossa liberdade que se engrandece com a nossa elevação e fixa as causas determinantes do nosso destino, feliz ou infeliz, conforme os nossos merecimentos. Desde então, já não são esses debates estéreis a que assistimos há muito tempo e que provêm da insuficiência de pontos de vista e do campo muito limitado das nossas observações, nesta vida passageira e sobre este mundo miserável, parcela ínfima do Todo-poderoso.

   Por outras palavras, o ser nos aparece sob aspectos mais nobres e mais belos, levando consigo todo o segredo da sua grandeza futura e da sua potência radiante. Com a cultura dessa ciência, dia virá em que todo o homem poderá ler claramente, em si mesmo, a regra soberana da sua vida e do seu futuro. E daí decorrerão as grandes consequências sociais. A noção dos deveres e das responsabilidades se tornará mais precisa. Em lugar das dúvidas, de incertezas e do pessimismo actuais, a esperança se originará do conhecimento da nossa natureza imperecível e dos nossos destinos infinitos.

   Pode, então, dizer-se que a obra do Espiritismo é dupla: no plano terrestre ela tende a reunir e a fundir num sistema grandioso todas as formas, até ao momento discordantes e frequentemente contraditórias, do pensamento e da ciência. Num plano mais amplo, ele une o visível ao invisível, essas duas formas da vida que, na realidade, se penetram e se completam desde o princípio das coisas. Com esse objectivo ele demonstra que o nosso mundo e o Além não são separados, mas estão um no outro, constituindo assim um todo harmónico.

/…
(*) Depois da Morte, Cristianismo e Espiritismo e O Problema do Ser e do Destino.


LÉON DENIS, O Génio Céltico e o Mundo Invisível, Segunda Parte – Capítulo VIII Palingenesia (i): preexistências e vidas sucessivas. A lei das reencarnações (5 de 5) 28º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: A Apoteose dos heróis franceses que morreram pelo seu país durante a guerra da Liberdade, pintura de Anne-Louis Girodet-Trioson)

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