Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

quinta-feira, 27 de março de 2014

Da sombra do dogma à luz da razão ~


Natureza da Revelação Espírita (VI)

   Se Cristo não conseguiu desenvolver os seus ensinamentos de forma completa, foi porque faltavam aos homens conhecimentos que estes não podiam adquirir antes de tempo e sem os quais não o podiam compreender; havia coisas que teriam parecido um contra-senso na fase de conhecimentos de então. Completar os seus ensinamentos deve-se portanto entender no sentido de explicar e de desenvolver, muito mais que no de lhes acrescentar verdades novas, pois neles tudo se encontra em germe; simplesmente, faltava a chave para captar o sentido das palavras.

   Mas quem se atreve a interpretar as escrituras sagradas? Quem tem esse direito? Quem possui a sabedoria, a não ser os teólogos?

   Quem se atreve? Primeiro a ciência, que não pede licença a ninguém para dar a conhecer as leis da natureza e salta a pés juntos para cima dos erros e dos preconceitos. Quem tem esse direito? Neste século de emancipação intelectual e de liberdade de consciência, o direito de exame pertence a toda a gente e as Escrituras já não são a arca sagrada na qual ninguém ousava tocar nem com um dedo, por correr o risco de ficar fulminado. Quanto à sabedoria especial necessária, sem contestar a dos teólogos e, por muito esclarecidos que fossem os da Idade Média, em particular os padres da igreja, não o eram no entanto o suficiente para não condenarem como heresia o movimento da Terra e a crença nos antípodas; e, sem ir tão longe, os dos nossos dias não lançaram um anátema sobre os períodos de formação da Terra?

   Os homens só conseguiram explicar as Escrituras com a ajuda do que sabiam, das noções falsas ou incompletas que tinham sobre as leis da natureza mais tarde reveladas pela ciência; eis porque razão os próprios teólogos puderam, de muito boa-fé, equivocar-se quanto ao sentido de certas palavras e de certos factos dos Evangelhos. Querendo a qualquer custo encontrar neles a confirmação de uma ideia preconcebida, giravam sempre no mesmo círculo, sem abandonarem o seu ponto de vista, de tal maneira que só viam ali o que queriam ver. Por muito sábios que fossem, não podiam perceber as causas dependentes de leis que não conheciam.

   Mas quem será juiz das interpretações diversas e por vezes contraditórias feitas fora da teologia? O futuro, a lógica e o bom senso. Os homens, cada vez mais esclarecidos à medida que novos factos e novas leis se vão revelando, saberão separar as teorias utópicas da realidade; ora, a ciência dá a conhecer certas leis; o Espiritismo dá a conhecer outrasumas e outras são indispensáveis à inteligência dos textos sagrados de todas as religiões, desde Confúcio e Buda até ao cristianismo. Quanto à teologia, não poderia judiciosamente alegar que as contradições da ciência constituem excepções, quando nem sempre está de acordo consigo mesma.

   O ESPIRITISMO, tomando como ponto de partida as próprias palavras de Cristo, assim como Cristo foi buscar bases a Moisés, é consequência directa da doutrina.

   À ideia vaga da vida futura, acrescenta a revelação da existência do mundo invisível que nos rodeia e povoa o espaço e, com isso, dá precisão à crença; dá-lhe um corpo, uma consistência, uma realidade no pensamento.

   Define os elos que unem a alma e o corpo e levanta o véu que escondia aos homens os mistérios do nascimento e da morte.

   Pelo Espiritismo o homem sabe de onde vem, para onde vai, por que está na Terra e por que nela sofre temporariamente, vendo em tudo a justiça de Deus.

   Sabe que a alma evolui constantemente através de uma série de existências sucessivas, até ter atingido o grau de perfeição que a pode aproximar de Deus.

   Sabe que todas as almas, tendo um mesmo ponto de partida, são criadas iguais, com uma mesma aptidão para evoluir por virtude do seu livre-arbítrio; que todas são da mesma essência e que entre elas só há a diferença da evolução conseguida; que todas têm o mesmo destino e atingirão o mesmo fim, mais ou menos prontamente consoante o seu trabalho e a sua boa-vontade.

   Sabe que não existem criaturas deserdadas, nem umas que sejam mais favorecidas do que outras; que Deus não criou privilegiados, estando dispensados do trabalho imposto a outros para poderem evoluir; que não existem seres perpetuamente votados ao mal e ao sofrimento; que os designados com o nome de demónios são Espíritos ainda atrasados e imperfeitos, que praticam o mal na qualidade de Espíritos como o faziam na situação de homens, mas que evoluirão e melhorarão; que os anjos ou Espíritos puros não são entes à parte na criação, mas Espíritos que atingiram o seu objectivo depois de terem seguido as etapas do progresso; que assim não existem criações múltiplas, nem diferentes categorias entre seres inteligentes, mas que toda a Criação resulta da grande unidade que rege o Universo e que todos os seres gravitam na direcção de um objectivo comum que é a perfeição, sem que uns sejam favorecidos à custa dos outros, sendo todos filhos das suas obras.

/…


ALLAN KARDEC, A GÉNESE – Os Milagres e as Profecias Segundo o Espiritismo, Capítulo I NATUREZA DA REVELAÇÃO ESPÍRITA números de 28 a 30, 8º fragmento da obra. Tradução portuguesa de Maria Manuel Tinoco, Editores Livros de Vida.
(imagem de ilustração: Diógenes e os pássaros de pedra, pintura em acrílico de Costa Brites)

Sem comentários: