Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

sábado, 5 de abril de 2014

O Espiritismo na Arte ~


Parte V

Participação do mundo espiritual na obra humana.
Espiritismo, novo e vigoroso impulso ao pensamento.

|Maio de 1922|

Num tópico anterior, vimos que a preponderância da literatura francesa se sustentou por muito tempo. Ela possuía tudo o que seduz e cativa. No entanto, uma evolução se impõe, e chega um momento, na história do pensamento, em que a palavra e o gesto já não são suficientes para traduzir as emoções da alma. E é nessa altura que o senso musical desperta e entra em acção na própria literatura, que deve ser como um reflexo da harmonia superior. A manifestação dessa tendência marca um grau a mais na ascensão do espírito em direcção aos níveis mais elevados, assim como acontece no espaço onde a palavra deixa de ser empregada.

Essa evolução do pensamento e das suas manifestações, sob suas inúmeras formas, arte, ciências, letras, será dirigida por uma participação cada vez mais íntima e profunda do mundo espiritual na obra humana.

A revelação espírita proporciona-nos inesgotáveis temas de inspiração e de sensação. Ela nos inicia nas condições de uma vida mais subtil, vida que é a finalidade essencial de toda a ascensão e da qual os detalhes introduzem, nos programas de estudo e pesquisa, uma variedade de elementos que estendem ao infinito os limites das nossas concepções, dos nossos conhecimentos. Daí resulta, forçosamente, uma fecundação, uma renovação completa de ideal que se desfaria e se alteraria sob o domínio das teorias materialistas ou dogmáticas, domínio que vai ter fim, apesar dos esforços desesperados dos seus partidários.

Assim, o Espiritismo dá ao pensamento um novo e vigoroso impulso. Ele traça, na história dos seres e dos mundos, um círculo imenso, que permite todos os sonhos, todos os voos da imaginação; ele abre novas saídas para tudo o que faz o poder, a grandeza, a beleza do Universo.

Até aqui, a forma literária pôde parecer suficiente para exaltar os sentimentos nacionais e tudo o que se relaciona à epopeia das raças humanas e à vida planetária em geral. Ela pôde mesmo parecer excelente e produzir obras-primas que ficarão como monumentos imperecíveis do pensamento e do sentimento. Porém, por mais excelente que ela seja, a literatura torna-se pobre quando se trata de reproduzir as formas superiores da actividade humana.

À medida que os seus horizontes se alargam e que a humanidade se comunica com a vida universal, formas mais perfeitas de expressão e de sensação se tornam necessárias, para responder ao estado vibratório, às radiações crescentes da alma. Uma intuição segura, o instinto do belo, levam o ser espiritual a substituir, na expressão do seu pensamento e no entusiasmo de sua alma, a harmonia pura pela palavra e pela letra. Porém, as revelações do invisível o estimulam a empregar, por sua vez, os procedimentos em uso na vida do espaço.


As qualidades de um belo estilo |

O verdadeiro mérito literário, as qualidades de um belo estilo, consistem em provocar o pensamento, as reflexões do leitor, em lhe criar uma atmosfera mental que contribua para desenvolver, para enriquecer as suas faculdades, as suas forças morais.

Sem dúvida, fazer pensar é nobre, mas o que é mais nobre e mais meritório é elevar a alma em direcção às alturas onde todas essas faculdades se desenvolvem na luz e no amor. É ajudá-la a atingir o grau de evolução que lhe permitirá sentir, não pelos seus órgãos materiais, mas nos seus sentidos íntimos e profundos, as alegrias, as satisfações da vida superior; sentir essa vibração suprema que enche o Universo, segundo o ilustre Esteta, e que provoca a comunhão definitiva com o pensamento divino, o êxtase na beleza compreendida e realizada.


Teatro, meio de educação intelectual e moral; sua decadência |

As obras verdadeiramente belas e importantes tornaram-se raras entre os modernos, seja nas letras ou mesmo no teatro. Este poderia ser um poderoso meio de educação intelectual e moral, pela elevação dos pensamentos, dos sentimentos, pelos nobres exemplos postos diante do público.

Porém, em lugar da sua missão grandiosa e benfazeja, o teatro tornou-se muito frequentemente um método para favorecer as paixões doentias, excitar os sentidos. Em todos esses casos, ele se torna a obra de cépticos gozadores, ignorantes ou descuidados do verdadeiro objectivo da vida; é a espuma brilhante e insalubre, o fruto mórbido de uma civilização deformada pela sedução do prazer e das riquezas.

Quantas vezes, atraído pelo título de uma nova peça, por um brilhante cartaz, fui aos maiores teatros parisienses, na esperança de ali encontrar um alimento substancial no decorrer de uma noite bem empregada. Pobre de mim! as minhas decepções não se contam mais. Em lugar da substância fecunda que eu esperava, eram cenas banais ou equívocas que se desenrolavam diante dos meus olhos. Muita engenhosidade ali se empregava, sem dúvida. As palavras espirituais brotavam em feixes cintilantes ou flutuavam, como bolhas de sabão irisadas, sob as luzes da ribalta (i), mas que o menor sopro arrasta sem deixar nenhum traço na lembrança nem na consciência do espectador, porquanto, o pensamento elevado, o exemplo encorajador, o ensinamento consolador sempre se encontravam ausentes. Além disso, a impressão que dali emanava era a de um vazio ou de impotência, quando não era ainda pior.

É preciso devolver ao teatro a sua dignidade, reconstituir o ideal da cena desonrado por autores inaptos e corrompidos.

Com o espectáculo mudando costumes e meios sociais, que constituem a trama da comédia, é preciso saber escolher o que pode elevar as inteligências e os corações. No entanto, como nos nossos autores contemporâneos o que domina é sempre o tema do amor culpado, do amor doentio, assim se aguçam os apetites carnais, se alimentam as paixões, precipita-se a decadência do teatro e trabalha-se para a corrupção geral.

Parece que a nossa época tem um gosto particular pelos tóxicos. Na ordem material, esse gosto traduz-se pelo uso imoderado do álcool e do tabaco, até mesmo do ópio, do éter e de outras drogas maléficas, de tudo o que provoca as desordens físicas, arruína a saúde, faz a raça definhar. Na classe intelectual, esse gosto manifesta-se por uma espécie de predilecção por uma literatura e espectáculos pervertidos. Aqui o mal é ainda mais grave, porque é a consciência, o senso moral, a dignidade do homem que são atingidos. E daí resulta uma expansão dos apetites sensuais, uma orientação defeituosa da vida e das faculdades.

Eis por que convém procurar todos os meios de elevar as almas, os pensamentos, em direcção a essas regiões em que as emanações do alto varrem todas as impurezas.

Desses cumes radiosos, contempla-se e penetra-se melhor a essência das coisas e de lá se desce com a soma de energia necessária para prosseguir nas lutas deste mundo e afastar de si as tentações perigosas, os prazeres aviltantes.

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LÉON DENIS, O Espiritismo na Arte, Parte V Participação do mundo espiritual na obra humana / Espiritismo, novo e vigoroso impulso ao pensamento  As qualidades de um belo estilo / Teatro, meio de educação intelectual e moral; sua decadência (1 de 4) 20º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: Mona Lisa 1503-1507 – Louvre, pintura de Leonardo da Vinci)

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