Todos falam de Espiritismo, bem ou mal. Mas poucos o
conhecem. Geralmente o consideram como uma seita religiosa comum, carregada de
superstições. Muitos o vêem como uma tentativa de sistematização de crendices
populares, onde todos os absurdos podem ser encontrados. Há os que o aceitam
como nova Goécia, magia negra da Antiguidade disfarçada de Cristianismo
milagreiro. Grandes cientistas se deixaram envolver nos seus problemas e se
desmoralizaram. Outros entendem que podem encontrar nele a solução para todos
os seus problemas, conseguir filtros de amor e os 13 pontos da Lotaria
Desportiva. E na verdade os seus próprios adeptos não o conhecem. Quem se diz
espírita arrisca-se a ser procurado para fazer macumba, despachos contra
inimigos ou curas milagrosas de doenças incuráveis. Grandes instituições
espíritas, geralmente fundadas por pessoas sérias, tornam-se às vezes
verdadeiras fontes de confusão a respeito do sentido e da natureza da doutrina.
O Espiritismo,
nascido ontem, nos meados do século passado, é hoje o Grande Desconhecido dos
que o aprovam e o louvam e dos que o atacam e criticam.
Durante muito tempo ele foi encarado com pavor pelos religiosos, que viam nele
uma criação diabólica para a perdição das almas. Falar em fenómenos espíritas
era provocar votos de esconjuro. Ler um livro espírita era pecado mortal,
comprar passagem directa para o Caldeirão de Belzebu. Médicos ilustres chegaram
a classificar o Espiritismo como fábrica de loucos. Quando começaram a surgir
os hospitais espíritas para doenças mentais, alegaram que os espíritas
procuravam curar loucos que eles mesmos faziam para aliviar as suas
consciências pesadas. E quando viram que o Espiritismo realmente curava loucos
incuráveis, diziam que os demónios se entendiam entre si para lograr o povo.
Hoje a situação mudou. Existem sociedades de médicos
espíritas e as pesquisas de fenómenos mediúnicos invadiu as maiores
Universidades do Mundo. Não se pode negar que a coisa é séria, mas definir o
Espiritismo não é fácil. Porque ninguém o conhece, ninguém
acredita que se precisa estudá-lo, pensam quase todos que se aprende a
doutrina ouvindo espíritos. Os intelectuais espíritas são confundidos com
médiuns. Quem escreve sobre Espiritismo não escreve, faz psicografia.
Acham que para estudar a doutrina é preciso desenvolver a mediunidade e receber
maravilhosas lições de Espíritos Superiores.
Não obstante, o Espiritismo é uma doutrina moderna,
perfeitamente estruturada por um grande pensador, escritor e pedagogo francês,
homem de letras e ciências, famoso por sua cultura e seus trabalhos científicos
e que assinou as suas obras espíritas com o pseudónimo de Allan Kardec. Saber isso
já é saber alguma coisa a respeito, mas está muito longe de ser tudo Doutrina
complexa, que abrange todo o campo do Conhecimento, apresenta-se enquadrada na
sequência epistemológica de:
a) Ciência – como pesquisa dos chamados fenómenos
paranormais, dotada de métodos próprios, específicos e adequados ao objecto que
investiga, tendo dado origem a todas as ciências do paranormal, até à
Parapsicologia actual e ao seu ramo romeno, que se disfarça sob o nome pouco
conhecido de Psicotrónica, para não assustar os materialistas.
b) Filosofia – como interpretação da natureza dos
fenómenos e reformulação da concepção do mundo e de toda a realidade segundo as
novas descobertas científicas; aceita Oficialmente no plano filosófico, consta
do Dicionário Filosófico do Instituto de França; no Brasil, reconhecida pelo
Instituto Brasileiro de Filosofia, constando do volume Panorama da Filosofia em
São Pauto, edição conjunta do Instituto e da Universidade de São Paulo,
coordenação do Prof. Luiz Washington Vitta.
c) Religião – como consequência das conclusões filosóficas, baseadas nas provas da sobrevivência humana após a morte e nas ligações históricas e genésicas do Cristianismo com o Espiritismo; considerado como a Religião em Espírito e Verdade, anunciada por Jesus, segundo os Evangelhos; religião espiritual, sem aparatos formais, dogmas de fé ou instituição igrejeira, sem sacramentos.
c) Religião – como consequência das conclusões filosóficas, baseadas nas provas da sobrevivência humana após a morte e nas ligações históricas e genésicas do Cristianismo com o Espiritismo; considerado como a Religião em Espírito e Verdade, anunciada por Jesus, segundo os Evangelhos; religião espiritual, sem aparatos formais, dogmas de fé ou instituição igrejeira, sem sacramentos.
d) Essa sequência – obedece as leis da Gnosiologia, pelas quais o
conhecimento começa nas experiências do homem com o mundo e se desenvolve nas
ilações do pensamento, na cogitação filosófica e determina o comportamento
humano dentro do quadro da realidade conhecida; como no Espiritismo essa
realidade supera os limites da vida física, a moral se projecta no plano das
relações do homem com a Divindade, adquirindo sentido religioso.
Colocado assim o problema, a complexidade do Espiritismo se
torna facilmente compreensível. Tudo no Universo se processa mediante a
acção e o controle de leis naturais, que correspondem à imanência de Deus no
Mundo através de suas leis. Toda a realidade verificável é natural, de
maneira que os espíritos e as suas manifestações não são sobrenaturais, mas
factos naturais explicáveis, resultantes de leis que a pesquisa científica
esclarece. O Sobrenatural só se refere a Deus, cuja natureza não é acessível ao
homem neste estágio de sua evolução, mas o será possivelmente, quando o homem
atingir os graus superiores de sua evolução. Todas as possibilidades
estão abertas e franqueadas ao homem em todo o Universo, desde que ele avance
no desenvolvimento de suas potencialidades espirituais, segundo as leis da
transcendência.
Este volume procura dar uma visão geral do Espiritismo em
forma de exposição livre, sem um esquematismo didáctico, mostrando as
conotações da Doutrina com as posições culturais da actualidade. Não se
trata da suposta actualização tentada por autores que desconhecem as dimensões
do Espiritismo e não podem relacioná-la com os avanços científicos,
tecnológicos, filosóficos e religiosos da actualidade. A actualização,
no caso, é do método expositivo, que revela a plena actualidade da Doutrina e
desenvolve alguns temas kardecianos em forma de exposição mais minuciosa, para
melhor compreensão dos leitores. A actualização da linguagem e da
terminologia doutrinárias nas obras de Kardec é uma pretensão descabida. Cada
doutrina, científica ou filosófica, tem a sua própria terminologia, que só se
transforma diante de novos factos ocorridos na pesquisa. Por outro lado, essas
actualizações, como sabem os especialistas, geralmente se transformam em
atentados à doutrina, pela falta de conhecimento dos que pretendem fazê-las.
Uma doutrina actualiza-se na proporção em que evolui, com acréscimos reais de
conhecimentos no desenvolvimento de seus princípios. Não existe, no mundo
actual nenhum centro de pesquisas e estudos espíritas que tenha avançado
legalmente além de Kardec, através da descoberta de novas leis da realidade
espírita. O Espiritismo avança, pelos seus princípios e os seus
conceitos, muito além da realidade actual. E mesmo que não avançasse,
ninguém teria o direito de interferir na obra de Kardec, como na obra de
qualquer outro cientista. É livre o direito de contestar através de outras
obras, mas não há direito nenhum que permita a um pintamonos desfigurar
as obras clássicas da cultura mundial.
Os capítulos deste livro correspondem a exposições
doutrinárias feitas pelo autor em várias ocasiões, em palestras feitas com
debates, até mesmo em numerosas Faculdades de Teologia católicas e
protestantes, bem como em debates de televisão. Por isso, são capítulos
escritos em linguagem livre, dando ao leitor a possibilidade de discutir os
problemas consigo mesmo, tentando refutar as teses expostas. Esperamos que
os meios espíritas, particularmente aproveitem estes capítulos para uma
incursão mais corajosa nas possibilidades de conhecimento que o Espiritismo nos
oferece em todos os campos das actividades humanas e em face dos múltiplos
problemas que nos desafiam nesta hora de transição da cultura humana.
São anos de estudos, experiências, investigações e intuições
espirituais que se acumulam nestas páginas, ao correr das teclas, mas sob
rigoroso controlo da razão. Que no Espiritismo tudo deve ser rigorosamente
submetido a apreciações e críticas racionais.
/…
José Herculano Pires, Curso Dinâmico de Espiritismo, O Grande Desconhecido 1º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: Somos as aves de fogo
por sobre os campos celestes, pintura em acrílico de Costa Brites)
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