Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

segunda-feira, 26 de maio de 2014

O Génio Céltico e o Mundo Invisível ~


Capítulo VII Síntese dos druidas. As Tríades; objecções e comentários

  Das profundezas dos tempos, a síntese dos druidas se apresenta como um dos mais altos pináculos que o pensamento filosófico pode atingir. Ainda que ensinada de modo secreto, ela se traduzia bem claramente nos propósitos e nos actos dos iniciados gauleses e, sobretudo, nos cantos bárdicos, para provocar entre os autores gregos e latinos sentimentos de admiração e respeito.

  Com efeito, Aristóteles não escreveu no seu livro Mágica que “a filosofia nasceu com os celtas e que antes de ser conhecida na Grécia ela foi cultivada entre os gauleses, por aqueles que se chamavam druidas e semnoteus”? Este último termo, para os gregos, significava “adoradores de Deus”.

  Diodoro de Sicília dizia que havia, entre os gauleses, filósofos e teólogos “julgados dignos das maiores honras”. Étienne de Bizâncio, Suídas e Sotion conferem igualmente aos druidas o título de filósofos.

   Diógenes de Laerte e Polyhistor sustentavam que a filosofia tinha existido fora da Grécia antes de aparecer nas suas escolas, e citavam como prova os druidas, que agiam como se fossem predecessores dos filósofos propriamente ditos.

  Lucano chega a afirmar que os druidas eram os únicos que conheciam a verdadeira natureza dos deuses.

  Ao tratar das analogias que existem entre a filosofia dos druidas e a escola de Pitágoras, Jean Reynaud assim se exprime: “Não somente a antiguidade não hesita em aproximar os druidas da escola de Pitágoras, como também ela os incorpora completamente.” (i)

  Jâmblico, na sua obra Vida de Pitágoras, nos ensina que o filósofo era instruído entre os celtas. Polyhistor, que é uma das maiores autoridades históricas sobre os povos antigos, informa no seu livro Símbolos que Pitágoras tinha entrado em contacto com os druidas e com os brâmanes. São Clemente, que nos transmitiu a opinião desse historiador, aceitava isso sem dificuldades, tanto é que ele a julgava justificada pela semelhança das doutrinas druídica e pitagórica. Valério Máximo declara que “os gauleses com as suas bragas (calções) pensavam a mesma coisa que o filósofo Pitágoras com sua manta”.

   No primeiro lugar da lista dos autores latinos, encontramos o próprio César, este grande inimigo de nossa raça. Apesar de sua intenção evidente de se realçar aos olhos da posteridade, apesar do espírito de difamação que o inspirava, não foi ele quem, nos seus Comentários da Guerra das Gálias, (ii) afirmou que os druidas ensinavam muito das coisas do Universo e de suas leis, sobre as formas, as dimensões da Terra e o movimento dos astros, sobre o destino das almas, os seus renascimentos em outros corpos humanos?

  Horácio, Florus e muitos outros escritores, sabe-se, testemunharam a alta ciência e a filosofia dos druidas, a profundeza dos seus ensinos. Lembramos também as opiniões dos escritores cristãos desses tempos: Cirilo, Clemente de Alexandria, Orígenes e certos sacerdotes da igreja que distinguem, com cuidado, os druidas das “multidões dos idólatras” e lhes atribuem também a qualidade de filósofos. É por todos esses motivos que as Tríades, que são um resumo da síntese dos druidas, nos aparecem como um monumento digno de toda a nossa atenção e não como uma obra imaginária, como a consideram tantos críticos superficiais.

  O Druidismo, como todas as grandes doutrinas, tinha duas facetas, dois aspectos. Um, exterior, cheio de figuras, imagens e símbolos, era a religião popular ao alcance das multidões. A outra, profunda e oculta, era a doutrina reveladora das altas verdades e das leis superiores, reservada àqueles cujo grau de evolução os tornava aptos a compreender e a apreciar a sua beleza. Assim, essa doutrina se religa às outras grandes revelações, budista e cristã, todas provenientes, na sua essência, de uma mesma fonte única e grandiosa. (iii)

   Nos países célticos, ela não era transcrita em língua vulgar, porque isso a tornaria conhecida por todos; entretanto, os druidas possuíam uma escrita simbólica vegetal, chamada escritura “ogham”, que eles usavam, e cuja solução somente os iniciados possuíam. Há resquícios desse facto na Irlanda e no País de Gales.

  O ensino era, sobretudo, oral, transmitido de boca em boca, sob a forma de estrofes, em versos inumeráveis, e foi mais tarde popularizado pelos bardos que eram iniciados.

  Na época em que as Tríades tomaram a forma de escrita, o Cristianismo tinha penetrado na Gália. É possível, como supõem certos críticos, que a sua redacção tenha sofrido a influência dele em alguns pontos. No seu conjunto, essa obra-prima não esconde a sua originalidade potente, principalmente na tabela que oferece do progresso vital, desde o fundo do abismo, “Annoufn”, até às alturas sublimes do “Gwynfyd”.

  O Cristianismo emudeceu sobre essa evolução dos seres inferiores, especialmente no que se refere à vida rudimentar em todos os graus abaixo do homem, e isso é uma lacuna enorme na explicação das leis da vida. (iv)

  Censura-se que as Tríades não tenham sido traduzidas e publicadas em francês, a não ser durante o último século. Isto nada prova contra a sua antiguidade e demonstra somente a indiferença dos franceses a respeito de nossas reais origens, pois não é verdade que sejamos latinos. Nós compreendemos que se seja apaixonado, entre nós, pela magnífica floração da literatura e da arte greco-latina, que muito contribuiu para suavizar a aspereza dos celtas, sem os alterar. Nós reconhecemos a parte, grande e legítima, que lhes pertence na constituição de nossa língua, apesar de esta conter ainda muitos elementos célticos. Mas essas não são razões para negar os nossos antepassados, que eram melhores do que os gregos e os romanos e sabiam mais no que se refere ao que há de mais essencial a conhecer, aqui em baixo: as altas leis espirituais e os verdadeiros destinos do ser.

   Enquanto se dá toda a importância merecida às tradições gregas e latinas, pode-se pasmar da incúria universitária quanto aos textos célticos. Nos cursos que seguimos no colégio de França e na Sorbonne, os senhores d’Arbois de Jubainville e Gaidoz se queixavam amargamente da necessidade de se acompanhar as suas explicações em livros alemães, reproduzindo o original celta, por não haver obras francesas, enquanto que existem traduções inglesas das Tríades e de cantos bárdicos há mais de mil anos. (v) A penúria de documentos poderia bem ser uma penúria de iniciativa e de boa vontade.

  As Tríades, por sua profunda originalidade, por seu contraste chocante com todas as formas de Paganismo, trazem em si mesmas a sua garantia de autenticidade. Deplora-se sempre, com razão, a destruição da biblioteca de Alexandria, queimada por ordem do califa Omar, e a perda de tantos documentos preciosos relativos à antiguidade oriental. Mas por que os críticos passam em silêncio um evento paralelo, qual seja a destruição, por ordem de Cromwell, da biblioteca Céltica, fundada pelo Conde de Pembroke, no castelo de Rhaglan (País de Gales) e tão rica em manuscritos relacionados com a época bárdica?

  Quanto às analogias constatadas entre a doutrina dos druidas, a dos brâmanes e a pitagórica, a explicação que a elas se dá pelas viagens de Pitágoras nas Gálias e na Índia, nos parece pouco verosímil naquelas épocas distantes onde as deslocações apresentavam tantas dificuldades. É mais simples, mais lógico, atribuir essas semelhanças às revelações idênticas que provêm do mundo invisível.

  De facto, Pitágoras tinha a sua médium, Théoclea, que ele esposou na velhice. Os druidas possuíam os seus videntes, as suas profetisas, e recebiam inspirações, como afirma Allan Kardec. (vi) De sua parte os brâmanes conheciam todos os meios de se comunicarem com os Pitris (espíritos).

  Os dois mundos, visível e invisível, sempre se corresponderam, e nessa época de fé ardente e de pensamento meditado, nos santuários da natureza, a comunhão era mais fácil, mais intensa e mais profunda. É somente na Idade Média que a Inquisição, o fanatismo católico, montando as fogueiras e condenando ao fogo, sob pretexto de feitiçaria, os médiuns e os videntes, rompeu o laço entre os dois mundos. Ele se reformou nos nossos dias, e nós sabemos, por nós mesmos, que grandes ensinos podem vir das esferas superiores para a humanidade.

  Um dos caracteres distintivos do Druidismo se encontra no seu conhecimento antecipado e aprofundado desse mundo invisível, assim como das forças ocultas da natureza, dessas potências secretas pelas quais se revela o dinamismo divino. Isto que nós sabemos actualmente, graças aos espíritos, das grandes correntes de ondas que percorrem o Universo e que são como artérias da vida universal, correntes de onde derivam as forças fluídicas e magnéticas, os druidas o obtinham das mesmas fontes, reservando o seu uso ao campo psíquico.

  A nossa débil ciência começa a descobrir a sua importância e as aplicações para fim industrial, sem prever as consequências mórbidas e os efeitos destrutivos que elas podem acarretar nas mãos de uma humanidade muito pouco evoluída.

  Um conhecimento mais preciso do ser, de sua natureza e de seu destino se correlacionava a essas concepções de ordem geral. Conforme as Tríades, há três fases, ou círculos, de vida: no “Annoufn”, ou círculo da necessidade, o ser começa sob a forma mais simples; no “Abred” ele se desenvolve, vida após vida, no seio da humanidade e adquire a consciência e o livre-arbítrio; finalmente, no “Gwynfyd” ele desfruta da plenitude da existência e de todos os seus atributos; libertado das formas materiais e da morte, ele evolui para a perfeição superior e atinge o círculo da felicidade.

  As Tríades 12, 13 e 14 assim se exprimem:

  12 – Três círculos de vida:

  o círculo de “Ceugant”, onde não há nenhum outro a não ser Deus, nem vivo nem morto, e ninguém, a não ser Deus, que possa atravessá-lo;

  o círculo de “Abred” (das transmigrações), onde cada estado germina da morte e o homem o atravessa no presente;

  o círculo de “Gwynfyd”, onde cada estado germina da vida e o homem a ele viajará no céu.

  13 – Três estados dos vivos:

  o estado da necessidade no “Annoufn” (abismo ou profundeza escura);

  o estado de liberdade na humanidade;

  o estado de amor, ou o “Gwynfyd”, no céu.

  14 – Três necessidades de toda a existência na vida:

  o começo no “Annoufn”;

  a travessia do “Abred”;

  a plenitude no “Gwynfyd”.

  E sem essas três necessidades ninguém pode existir, excepto Deus.

  Os nascimentos não são, então, um efeito do acaso, mas formas da grande lei da evolução. A vida actual é para cada ser a resultante de suas vidas anteriores e a preparação de suas vidas futuras; ele recolhe os frutos bons ou maus do passado e, segundo os seus méritos ou os seus deméritos, sobe ou desce na via da ascensão. O seu destino está sempre em harmonia com o seu valor moral e o seu grau de progresso.

  Renan, em seus artigos sobre a poesia céltica, na Revue des Deux Mondes, ressalta a distinção que se deve fazer entre as duas doutrinas, céltica e romana. Segundo os druidas, o ser individual possui em si mesmo o seu princípio de independência e de liberdade, o seu génio próprio, as suas forças evolutivas. No Catolicismo é sobretudo pela graça, isto é, por um favor do Alto, que o ser se aperfeiçoa e se eleva.

  Mas essas doutrinas não são inconciliáveis, porque o celta conhece o estreito vínculo que o une ao mundo invisível e aos seres que o povoam. Daí, para ele, o culto dos espíritos dos antepassados e, por extensão, o sentimento de uma solidariedade que o religa à imensa cadeia da vida que se desenrola desde as profundezas do “Annoufn”, o abismo, até às prestigiosas alturas do “Gwynfyd”.

  A doutrina céltica se dirige sobretudo às almas valentes que se esforçam para escalar os altos cumes, a todos aqueles que vêem na vida uma luta constante contra os instintos inferiores, que consideram a prova como uma purificação e evoluem em direcção à luz, em direcção à suprema beleza.

  O Cristianismo é o espírito benévolo que se inclina sobre o sofrimento humano, é a Providência que consola, sustenta, reabilita, é a mão tutelar que guia a ovelha desgarrada e a traz ao aprisco. Essas duas doutrinas se completam entre si e se harmonizam para formar um móvel de perfeição.

  Tudo o que vem de Deus é perfeito, eis por que as três grandes revelações – a oriental, a cristã e a céltica – são idênticas na sua fonte, contudo elas se difundem, se diferenciam e às vezes se desnaturam por obra dos homens. (vii)

  O que impressiona entre os adeptos do Druidismo é a sua fé profunda, a sua confiança absoluta num futuro sem limites. Acima das contingências humanas, mais alto que o nosso livre-arbítrio, fonte ao mesmo tempo de nossa miséria e de nossa grandeza; eles crêem, eles sabem que uma lei de sabedoria e de harmonia reina no mundo e que, finalmente, o Bem triunfará sobre o Mal. É isso o que exprimem as Tríades 43 e 44:

  43 – Três coisas se reforçam dia a dia, visto que a maior soma de esforços vai, sem cessar, em direcção delas: o amor, a ciência, a plena justiça.

  44 – Três coisas se enfraquecem cada dia, porque a maior soma de esforços vai contra elas: o ódio, a deslealdade, a ignorância. (viii)

  Desta certeza decorriam, para os nossos antepassados, essa firmeza nas provações, essa coragem nos combates, que os tornavam legendários e os faziam marchar para o perigo e para a morte como se fossem a uma festa.

  Essas qualidades viris de nossa raça estão bem debilitadas actualmente, sob as forças deletérias e persistentes do materialismo. Observou-se, porém, o seu reaparecimento nas horas memoráveis das guerras do Marne e de Verdun. O novo espiritualismo vem reanimá-las nas nossas almas na medida compatível com o nosso grau de civilização.

 /...

(i) Jean Reynaud, L’Esprit de la Gaule, pp. 13 e 14.
(ii) Obra citada, tomo VI, capítulo XIV.
(iii) Ver mensagem do espírito Allan Kardec no fim desta obra.
(iv) Ver escala druídica e espírita na Revue Spirite, abril de 1858, tópico “O Espiritismo entre os Druidas”. (N.T.)
(v) Ocorre o mesmo a respeito de outras matérias, por exemplo, quanto ao americanismo ou à história da América antes de Cristóvão Colombo.
(vi) Um caso semelhante é o de Sócrates, que era médium e recebia directamente a grande doutrina sem recorrer a viagens, como ele o declara no fim da obra Gorgias, segundo Platão.
(vii) Ver mensagem nº 1, no capítulo XIII.
(viii) Tradução de Llevelyn Sion.




LÉON DENIS, O Génio Céltico e o Mundo Invisível, Segunda Parte – O Druidismo Capítulo VII – Síntese dos druidas, As Tríades; objecções e comentários (1 de 2) 22º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: A Apoteose dos heróis franceses que morreram pelo seu país durante a guerra da Liberdade, pintura de Anne-Louis Girodet-Trioson)

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