Capítulo VII Síntese dos druidas. As Tríades; objecções e comentários
Das profundezas dos tempos, a síntese dos
druidas se apresenta como um dos mais altos pináculos que o pensamento
filosófico pode atingir. Ainda que ensinada de modo secreto, ela se traduzia
bem claramente nos propósitos e nos actos dos iniciados gauleses e, sobretudo,
nos cantos bárdicos, para provocar entre os autores gregos e latinos
sentimentos de admiração e respeito.
Com efeito, Aristóteles não escreveu no seu
livro Mágica que “a filosofia nasceu
com os celtas e que antes de ser conhecida na Grécia ela foi cultivada entre os
gauleses, por aqueles que se chamavam druidas e semnoteus”? Este último termo,
para os gregos, significava “adoradores de Deus”.
Diodoro de Sicília dizia que havia, entre os
gauleses, filósofos e teólogos “julgados dignos das maiores honras”. Étienne de
Bizâncio, Suídas e Sotion conferem igualmente aos druidas o título de
filósofos.
Diógenes de Laerte e Polyhistor sustentavam que
a filosofia tinha existido fora da Grécia antes de aparecer nas suas escolas, e
citavam como prova os druidas, que agiam como se fossem predecessores dos
filósofos propriamente ditos.
Lucano chega a afirmar que os druidas eram os
únicos que conheciam a verdadeira natureza dos deuses.
Ao tratar das analogias que existem entre a
filosofia dos druidas e a escola de Pitágoras, Jean Reynaud assim se exprime:
“Não somente a antiguidade não hesita em aproximar os druidas da escola de
Pitágoras, como também ela os incorpora completamente.” (i)
Jâmblico, na sua obra Vida de Pitágoras, nos ensina que o filósofo era instruído entre os
celtas. Polyhistor, que é uma das maiores autoridades históricas sobre os povos
antigos, informa no seu livro Símbolos
que Pitágoras tinha entrado em contacto com os druidas e com os brâmanes. São
Clemente, que nos transmitiu a opinião desse historiador, aceitava isso sem
dificuldades, tanto é que ele a julgava justificada pela semelhança das
doutrinas druídica e pitagórica. Valério Máximo declara que “os gauleses com as
suas bragas (calções) pensavam a mesma coisa que o filósofo Pitágoras com sua
manta”.
No primeiro lugar da lista dos autores latinos,
encontramos o próprio César, este grande inimigo de nossa raça. Apesar de sua
intenção evidente de se realçar aos olhos da posteridade, apesar do espírito de
difamação que o inspirava, não foi ele quem, nos seus Comentários da Guerra das Gálias, (ii) afirmou que os druidas ensinavam
muito das coisas do Universo e de suas leis, sobre as formas, as dimensões da
Terra e o movimento dos astros, sobre o destino das almas, os seus renascimentos
em outros corpos humanos?
Horácio, Florus e muitos outros escritores,
sabe-se, testemunharam a alta ciência e a filosofia dos druidas, a profundeza
dos seus ensinos. Lembramos também as opiniões dos escritores cristãos desses
tempos: Cirilo, Clemente de Alexandria, Orígenes e certos sacerdotes da igreja
que distinguem, com cuidado, os druidas das “multidões dos idólatras” e lhes
atribuem também a qualidade de filósofos. É por todos esses motivos que as Tríades, que são um resumo da síntese
dos druidas, nos aparecem como um monumento digno de toda a nossa atenção e não
como uma obra imaginária, como a consideram tantos críticos superficiais.
O Druidismo, como todas as grandes doutrinas,
tinha duas facetas, dois aspectos. Um, exterior, cheio de figuras, imagens e
símbolos, era a religião popular ao alcance das multidões. A outra, profunda e
oculta, era a doutrina reveladora das altas verdades e das leis superiores, reservada
àqueles cujo grau de evolução os tornava aptos a compreender e a apreciar a sua
beleza. Assim, essa doutrina se religa às outras grandes revelações, budista e
cristã, todas provenientes, na sua essência, de uma mesma fonte única e
grandiosa. (iii)
Nos países célticos, ela não era transcrita em
língua vulgar, porque isso a tornaria conhecida por todos; entretanto, os
druidas possuíam uma escrita simbólica vegetal, chamada escritura “ogham”, que
eles usavam, e cuja solução somente os iniciados possuíam. Há resquícios desse
facto na Irlanda e no País de Gales.
O ensino era, sobretudo, oral, transmitido de
boca em boca, sob a forma de estrofes, em versos inumeráveis, e foi mais tarde
popularizado pelos bardos que eram iniciados.
Na época em que as Tríades tomaram a forma de escrita, o Cristianismo tinha penetrado
na Gália. É possível, como supõem certos críticos, que a sua redacção tenha
sofrido a influência dele em alguns pontos. No seu conjunto, essa obra-prima
não esconde a sua originalidade potente, principalmente na tabela que oferece
do progresso vital, desde o fundo do abismo, “Annoufn”, até às alturas sublimes
do “Gwynfyd”.
O Cristianismo emudeceu sobre essa evolução dos
seres inferiores, especialmente no que se refere à vida rudimentar em todos os
graus abaixo do homem, e isso é uma lacuna enorme na explicação das leis da
vida. (iv)
Censura-se que as Tríades não tenham sido traduzidas e publicadas em francês, a não
ser durante o último século. Isto nada prova contra a sua antiguidade e
demonstra somente a indiferença dos franceses a respeito de nossas reais
origens, pois não é verdade que sejamos latinos. Nós compreendemos que se seja
apaixonado, entre nós, pela magnífica floração da literatura e da arte
greco-latina, que muito contribuiu para suavizar a aspereza dos celtas, sem os
alterar. Nós reconhecemos a parte, grande e legítima, que lhes pertence na
constituição de nossa língua, apesar de esta conter ainda muitos elementos
célticos. Mas essas não são razões para negar os nossos antepassados, que eram
melhores do que os gregos e os romanos e sabiam mais no que se refere ao que há
de mais essencial a conhecer, aqui em baixo: as altas leis espirituais e os
verdadeiros destinos do ser.
Enquanto se dá toda a importância merecida às
tradições gregas e latinas, pode-se pasmar da incúria universitária quanto aos
textos célticos. Nos cursos que seguimos no colégio de França e na Sorbonne, os
senhores d’Arbois de Jubainville e Gaidoz se queixavam amargamente da
necessidade de se acompanhar as suas explicações em livros alemães, reproduzindo
o original celta, por não haver obras francesas, enquanto que existem traduções
inglesas das Tríades e de cantos
bárdicos há mais de mil anos. (v) A penúria de documentos poderia bem ser uma
penúria de iniciativa e de boa vontade.
As Tríades,
por sua profunda originalidade, por seu contraste chocante com todas as formas
de Paganismo, trazem em si mesmas a sua garantia de autenticidade. Deplora-se
sempre, com razão, a destruição da biblioteca de Alexandria, queimada por ordem
do califa Omar, e a perda de tantos documentos preciosos relativos à antiguidade
oriental. Mas por que os críticos passam em silêncio um evento paralelo, qual
seja a destruição, por ordem de Cromwell, da biblioteca Céltica, fundada pelo
Conde de Pembroke, no castelo de Rhaglan (País de Gales) e tão rica em
manuscritos relacionados com a época bárdica?
Quanto às analogias constatadas entre a doutrina
dos druidas, a dos brâmanes e a pitagórica, a explicação que a elas se dá pelas
viagens de Pitágoras nas Gálias e na Índia, nos parece pouco verosímil naquelas
épocas distantes onde as deslocações apresentavam tantas dificuldades. É mais
simples, mais lógico, atribuir essas semelhanças às revelações idênticas que
provêm do mundo invisível.
De facto, Pitágoras tinha a sua médium,
Théoclea, que ele esposou na velhice. Os druidas possuíam os seus videntes, as suas
profetisas, e recebiam inspirações, como afirma Allan Kardec. (vi) De sua parte
os brâmanes conheciam todos os meios de se comunicarem com os Pitris
(espíritos).
Os dois mundos, visível e invisível, sempre se
corresponderam, e nessa época de fé ardente e de pensamento meditado, nos santuários
da natureza, a comunhão era mais fácil, mais intensa e mais profunda. É somente
na Idade Média que a Inquisição, o fanatismo católico, montando as fogueiras e
condenando ao fogo, sob pretexto de feitiçaria, os médiuns e os videntes, rompeu
o laço entre os dois mundos. Ele se reformou nos nossos dias, e nós sabemos,
por nós mesmos, que grandes ensinos podem vir das esferas superiores para a
humanidade.
Um dos caracteres distintivos do Druidismo se
encontra no seu conhecimento antecipado e aprofundado desse mundo invisível,
assim como das forças ocultas da natureza, dessas potências secretas pelas
quais se revela o dinamismo divino. Isto que nós sabemos actualmente, graças
aos espíritos, das grandes correntes de ondas que percorrem o Universo e que
são como artérias da vida universal, correntes de onde derivam as forças
fluídicas e magnéticas, os druidas o obtinham das mesmas fontes, reservando o
seu uso ao campo psíquico.
A nossa débil ciência começa a descobrir a sua
importância e as aplicações para fim industrial, sem prever as consequências
mórbidas e os efeitos destrutivos que elas podem acarretar nas mãos de uma
humanidade muito pouco evoluída.
Um conhecimento mais preciso do ser, de sua
natureza e de seu destino se correlacionava a essas concepções de ordem geral.
Conforme as Tríades, há três fases,
ou círculos, de vida: no “Annoufn”, ou círculo da necessidade, o ser começa sob
a forma mais simples; no “Abred” ele se desenvolve, vida após vida, no seio da
humanidade e adquire a consciência e o livre-arbítrio; finalmente, no “Gwynfyd”
ele desfruta da plenitude da existência e de todos os seus atributos; libertado
das formas materiais e da morte, ele evolui para a perfeição superior e atinge
o círculo da felicidade.
12 – Três círculos de vida:
o círculo de “Ceugant”, onde não há nenhum outro a não ser
Deus, nem vivo nem morto, e ninguém, a não ser Deus, que possa atravessá-lo;
o círculo de “Abred” (das transmigrações), onde cada estado
germina da morte e o homem o atravessa no presente;
o círculo de “Gwynfyd”, onde cada estado germina da vida e o
homem a ele viajará no céu.
13 – Três estados dos vivos:
o estado da necessidade no “Annoufn” (abismo ou profundeza
escura);
o estado de liberdade na humanidade;
o estado de amor, ou o “Gwynfyd”, no céu.
14 – Três necessidades de toda a existência na vida:
o começo no “Annoufn”;
a travessia do “Abred”;
a plenitude no “Gwynfyd”.
E sem essas três necessidades ninguém pode existir, excepto
Deus.
Os nascimentos não são, então, um efeito do acaso, mas
formas da grande lei da evolução. A vida actual é para cada ser a resultante de
suas vidas anteriores e a preparação de suas vidas futuras; ele recolhe os
frutos bons ou maus do passado e, segundo os seus méritos ou os seus deméritos,
sobe ou desce na via da ascensão. O seu destino está sempre em harmonia com o
seu valor moral e o seu grau de progresso.
Renan, em seus artigos sobre a poesia céltica,
na Revue des Deux Mondes, ressalta a
distinção que se deve fazer entre as duas doutrinas, céltica e romana. Segundo
os druidas, o ser individual possui em si mesmo o seu princípio de
independência e de liberdade, o seu génio próprio, as suas forças evolutivas.
No Catolicismo é sobretudo pela graça, isto é, por um favor do Alto, que o ser
se aperfeiçoa e se eleva.
Mas essas doutrinas não são inconciliáveis,
porque o celta conhece o estreito vínculo que o une ao mundo invisível e aos
seres que o povoam. Daí, para ele, o culto dos espíritos dos antepassados e,
por extensão, o sentimento de uma solidariedade que o religa à imensa cadeia da
vida que se desenrola desde as profundezas do “Annoufn”, o abismo, até às
prestigiosas alturas do “Gwynfyd”.
A doutrina céltica se dirige sobretudo às almas
valentes que se esforçam para escalar os altos cumes, a todos aqueles que vêem
na vida uma luta constante contra os instintos inferiores, que consideram a
prova como uma purificação e evoluem em direcção à luz, em direcção à suprema
beleza.
O Cristianismo é o espírito benévolo que se
inclina sobre o sofrimento humano, é a Providência que consola, sustenta,
reabilita, é a mão tutelar que guia a ovelha desgarrada e a traz ao aprisco.
Essas duas doutrinas se completam entre si e se harmonizam para formar um móvel
de perfeição.
Tudo o que vem de Deus é perfeito, eis por que
as três grandes revelações – a oriental, a cristã e a céltica – são idênticas
na sua fonte, contudo elas se difundem, se diferenciam e às vezes se desnaturam
por obra dos homens. (vii)
O que impressiona entre os adeptos do Druidismo
é a sua fé profunda, a sua confiança absoluta num futuro sem limites. Acima
das contingências humanas, mais alto que o nosso livre-arbítrio, fonte ao mesmo
tempo de nossa miséria e de nossa grandeza; eles crêem, eles sabem que uma lei
de sabedoria e de harmonia reina no mundo e que, finalmente, o Bem triunfará
sobre o Mal. É isso o que exprimem as Tríades
43 e 44:
43 – Três coisas se reforçam dia a dia, visto que a
maior soma de esforços vai, sem cessar, em direcção delas: o amor, a ciência, a
plena justiça.
44 – Três coisas se enfraquecem cada dia, porque a
maior soma de esforços vai contra elas: o ódio, a deslealdade, a ignorância.
(viii)
Desta certeza decorriam, para os nossos antepassados, essa
firmeza nas provações, essa coragem nos combates, que os tornavam legendários e
os faziam marchar para o perigo e para a morte como se fossem a uma festa.
Essas qualidades viris de nossa raça estão bem
debilitadas actualmente, sob as forças deletérias e persistentes do materialismo.
Observou-se, porém, o seu reaparecimento nas horas memoráveis das guerras do
Marne e de Verdun. O novo espiritualismo vem reanimá-las nas nossas almas na
medida compatível com o nosso grau de civilização.
(i) Jean Reynaud, L’Esprit
de la Gaule, pp. 13 e 14.
(ii) Obra citada, tomo VI, capítulo XIV.
(iii) Ver mensagem do espírito Allan Kardec no fim desta obra.
(iv) Ver escala druídica e espírita na Revue Spirite, abril de 1858, tópico “O Espiritismo entre os
Druidas”. (N.T.)
(v) Ocorre o mesmo a respeito de outras matérias, por
exemplo, quanto ao americanismo ou à história da América antes de Cristóvão Colombo.
(vi) Um caso semelhante é o de Sócrates, que era médium e
recebia directamente a grande doutrina sem recorrer a viagens, como ele o declara
no fim da obra Gorgias, segundo
Platão.
(vii) Ver mensagem nº 1, no capítulo XIII.
(viii) Tradução de Llevelyn
Sion.
LÉON DENIS, O Génio Céltico e o Mundo Invisível,
Segunda Parte – O Druidismo Capítulo VII – Síntese dos druidas, As Tríades; objecções e comentários (1
de 2) 22º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: A Apoteose dos heróis
franceses que morreram pelo seu país durante a guerra da Liberdade, pintura
de Anne-Louis
Girodet-Trioson)
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