Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

quarta-feira, 12 de março de 2014

O Mundo Invisível e a Guerra ~


VIII

Acção dos Espíritos sobre os Actuais Aconteci-mentos

|Janeiro de 1917|

   A guerra vem representando o seu terrível drama há dois longos anos e a França padeceu cruelmente. Todo o peso dos seus erros – leviandade, imprudência, cepticismo e o desenfreado amor material – recaiu sobre ela.

   Apesar disso, a França não podia morrer, e no correr das hostilidades um valoroso espírito nos afirmava: “Os orgulhosos alemães, traidores e criminosos, não dominarão o mundo.”

   Ao lado de seus erros a França apresentou, muitas vezes, qualidades generosas e, na suprema luta, nunca se rebaixou aos odiosos recursos usados pelos alemães, que desprezaram todas as leis divinas e humanas.

   O procedimento da França, durante essa guerra terrível, causou espanto e admiração à Europa e ao mundo.

   Antes que esses factos ocorressem ninguém podia prever tal despertamento das heróicas virtudes de nossa raça; pelo contrário, tudo parecia demonstrar uma decadência do carácter nacional.

   A questão Dreyfus (i) deixara marcas persistentes e profundas; o pacifismo, o antimilitarismo e as teorias internacionalistas haviam trabalhado e minado os espíritos. Já não se acreditava na possibilidade de uma guerra e procurava-se diminuir, o mais possível, as obrigações e os créditos militares.

   A lei de três anos foi motivo de longas e difíceis discussões e, mal tendo sido votada, já desejavam atenuar os seus efeitos.

   Certos oficiais inferiores me afirmavam que, no lugar de combater, devolveriam o sabre e o revólver.

   Na minha presença, os oficiais de um regimento do sul se queixavam da falta de patriotismo dos seus soldados, tentando, por meio de conferências sobre a bandeira e os grandes exemplos da História, despertar a fibra patriótica, mas como resultado só conseguiam maliciosa indiferença.

   Numa canção muito divulgada, chegou-se ao ponto de dizer que as balas dos nossos soldados seriam para os seus generais.

   A Confederação do Trabalho e os sindicatos dos ferroviários respondiam com a ameaça de greve às ordens de mobilização. Nesse ínterim a guerra rebenta e se opera rapidamente nos ânimos uma completa mudança: a mobilização se faz com presteza, gravidade e precisão.

   Todos partem conscientes das grandes responsabilidades que irão desempenhar, resolutos até ao sacrifício e até à morte, abandonando, sem hesitação, o lar, a mulher e os filhos que, talvez, jamais tornarão a ver.

   Durante dois longos anos, com uma força de vontade incapaz de enfraquecer, o soldado francês sustentará o combate do mais valente exército que o mundo viu. Consciente do seu esforço e certo dos seus recursos, sabe que está servindo à mais nobre das causas; a da pátria e a da liberdade.

   A França apresentou-se ao mundo com o seu verdadeiro carácter. Todos a julgavam debilitada, enfraquecida e decadente. Alguns atreviam-se a afirmar que o seu papel histórico havia terminado, porém, no transcurso dessa gigantesca luta, ela não conheceu uma única hora de desalento nem de desesperança.

   As mais duras provações, as maiores dificuldades encontraram a França mais corajosa, mais resoluta em continuar a sua imensa tarefa até ao triunfo do direito e da justiça.

   Durante os combates diurnos e nocturnos, nos quais se frustravam os minuciosos cálculos e as infames maquinações da estratégia alemã, uma espécie de frenesi místico se apoderava do soldado francês.

   Sob a crepitação das metralhadoras, debaixo da tempestade de ferro e de fogo, nas labaredas e nas ondas de gás asfixiante, o nosso soldado se mostrou sempre valoroso, ardente, disposto a todos os grandes feitos, a todos os esforços sublimes!

   A França representa a força moral de nossa coligação nesse terrível drama, o maior que a humanidade já conheceu.

   Foi a vitória no Marne que conteve a avalanche alemã e por muito tempo a imobilizou, dando assim aos aliados o tempo indispensável para preencher as lacunas da sua organização, remediando a sua imprudência e, num esforço comum, reagir contra o mais terrível de todos os dispositivos militares.

   Foi a França que, diante do mundo aterrado pela brutalidade alemã, defendeu, com os seus aliados, contra um adversário covarde, criminoso e desleal, a causa da justiça, da verdade, da liberdade dos povos e o direito que todo o homem tem de viver e morrer livre. Pode afirmar-se que ela salvou a Europa do mais opressor dos despotismos e, assim, se impôs à estima e ao respeito da história, oferecendo o seu sangue e os seus recursos pelo progresso e salvação da humanidade.

   Mudança tão completa e transformação tão radical só se podem explicar pelo despertamento das fortes qualidades de nossa raça, pelas lembranças evocadas e pelos heróicos exemplos que as gerações pretéritas nos deixaram como herança? É certo que tudo isso existe, porém há algo mais ainda: queremos referir-nos à imensa ajuda trazida pelas legiões invisíveis.

   Graças às orientações dos nossos guias, desde o início da guerra pudemos acompanhar, em todas as suas etapas, a acção dos poderes ocultos que lutam connosco pela salvação da França e pelos direitos da eterna justiça.

   Acima de nossas linhas, na hora dos combates, paira o incontável exército dos mortos, todas as almas dos heróis, notáveis ou obscuros, que morreram defendendo a pátria.

   Num voo glorioso, como de grandes aves, eles se equilibram sobre os nossos defensores, alentando-os na luta ardente e derramando sobre eles, com energia, as forças psíquicas e os fluidos adquiridos pelos séculos.

   O exército invisível também tem comandantes ilustres, pois os nossos médiuns videntes reconhecem Vercingétorix, Joana d’Arc, Henrique IV, Napoleão, os grandes generais da Revolução e do Império.

   Essa visão impressiona profundamente os médiuns. Cada um dos nossos comandantes, durante as operações, é secundado por um espírito poderoso que o inspira e guia na acção.

   Às vezes, todos esses espíritos se congregam e deliberam, sendo as suas decisões transmitidas pela intuição aos generais comandantes que, quase sempre, as obedecem pensando que realizam os seus planos pessoais.

   Nos momentos trágicos, o soldado francês tinha consciência desse socorro do Invisível. Sentia que uma força superior o amparava e o ajudava na grandeza da sua missão, garantindo-lhe que a sorte do seu país estava nas suas mãos.

   Aos esforços dos soldados em acção somavam-se os dos colegas que morreram, porque não dormem debaixo da terra os espíritos daqueles que, no correr de 20 meses, tombaram pela metralha alemã; tornamos a encontrá-los nessa multidão invisível, cujas ondas imensas se entrechocam com o inimigo.

/…
(i) Alfred Dreyfus (1859-1935): militar francês condenado injustamente, por espionagem, a trabalhos forçados. O caso, que comovia toda a França, despertou o interesse do escritor Émile Zola que considerava Dreyfus inocente e fez uma grande campanha em sua defesa, o que lhe valeu ser processado. Dreyfus, 12 anos após a sua condenação, depois de ser indultado e ter a sua sentença anulada, voltou ao exército no cargo de comandante. (N.R.)




LÉON DENIS, O Mundo Invisível e a Guerra, VIII / Acção dos Espíritos sobre os Actuais Acontecimentos / Janeiro de 1917 (1 de 2) 22º fragmento da obra.
(imagem de ilustração: Tanque de guerra britânico capturado pelos Alemães, durante a Primeira Guerra Mundial)

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