VIII
Acção dos Espíritos sobre os Actuais Aconteci-mentos
|Janeiro de 1917|
A guerra vem representando o seu terrível drama há dois
longos anos e a França padeceu cruelmente. Todo o peso dos seus erros –
leviandade, imprudência, cepticismo e o desenfreado amor material – recaiu
sobre ela.
Apesar disso, a França não podia morrer, e no correr das
hostilidades um valoroso espírito nos afirmava: “Os orgulhosos alemães,
traidores e criminosos, não dominarão o mundo.”
Ao lado de seus erros a França apresentou, muitas vezes,
qualidades generosas e, na suprema luta, nunca se rebaixou aos odiosos recursos
usados pelos alemães, que desprezaram todas as leis divinas e humanas.
O procedimento da França, durante essa guerra terrível,
causou espanto e admiração à Europa e ao mundo.
Antes que esses factos ocorressem ninguém podia prever tal
despertamento das heróicas virtudes de nossa raça; pelo contrário, tudo parecia
demonstrar uma decadência do carácter nacional.
A questão Dreyfus (i)
deixara marcas persistentes e profundas; o pacifismo, o antimilitarismo e as
teorias internacionalistas haviam trabalhado e minado os espíritos. Já não se
acreditava na possibilidade de uma guerra e procurava-se diminuir, o mais
possível, as obrigações e os créditos militares.
A lei de três anos foi motivo de longas e difíceis
discussões e, mal tendo sido votada, já desejavam atenuar os seus efeitos.
Certos oficiais inferiores me afirmavam que, no lugar de
combater, devolveriam o sabre e o revólver.
Na minha presença, os oficiais de um regimento do sul se
queixavam da falta de patriotismo dos seus soldados, tentando, por meio de
conferências sobre a bandeira e os grandes exemplos da História, despertar a
fibra patriótica, mas como resultado só conseguiam maliciosa indiferença.
Numa canção muito divulgada, chegou-se ao ponto de dizer que
as balas dos nossos soldados seriam para os seus generais.
A Confederação do Trabalho e os sindicatos dos ferroviários
respondiam com a ameaça de greve às ordens de mobilização. Nesse ínterim a
guerra rebenta e se opera rapidamente nos ânimos uma completa mudança: a
mobilização se faz com presteza, gravidade e precisão.
Todos partem conscientes das grandes responsabilidades que
irão desempenhar, resolutos até ao sacrifício e até à morte, abandonando, sem hesitação,
o lar, a mulher e os filhos que, talvez, jamais tornarão a ver.
Durante dois longos anos, com uma força de vontade incapaz
de enfraquecer, o soldado francês sustentará o combate do mais valente exército
que o mundo viu. Consciente do seu esforço e certo dos seus recursos, sabe que
está servindo à mais nobre das causas; a da pátria e a da liberdade.
A França apresentou-se ao mundo com o seu verdadeiro carácter.
Todos a julgavam debilitada, enfraquecida e decadente. Alguns atreviam-se a
afirmar que o seu papel histórico havia terminado, porém, no transcurso dessa
gigantesca luta, ela não conheceu uma única hora de desalento nem de
desesperança.
As mais duras provações, as maiores dificuldades encontraram
a França mais corajosa, mais resoluta em continuar a sua imensa tarefa até ao
triunfo do direito e da justiça.
Durante os combates diurnos e nocturnos, nos quais se frustravam os minuciosos cálculos e as infames maquinações da estratégia alemã,
uma espécie de frenesi místico se apoderava do soldado francês.
Sob a crepitação das metralhadoras, debaixo da tempestade de
ferro e de fogo, nas labaredas e nas ondas de gás asfixiante, o nosso soldado
se mostrou sempre valoroso, ardente, disposto a todos os grandes feitos, a
todos os esforços sublimes!
A França representa a força moral de nossa coligação nesse
terrível drama, o maior que a humanidade já conheceu.
Foi a vitória no Marne que conteve a avalanche alemã e por
muito tempo a imobilizou, dando assim aos aliados o tempo indispensável para
preencher as lacunas da sua organização, remediando a sua imprudência e, num
esforço comum, reagir contra o mais terrível de todos os dispositivos
militares.
Foi a França que, diante do mundo aterrado pela brutalidade
alemã, defendeu, com os seus aliados, contra um adversário covarde, criminoso e
desleal, a causa da justiça, da verdade, da liberdade dos povos e o direito que
todo o homem tem de viver e morrer livre. Pode afirmar-se que ela salvou a
Europa do mais opressor dos despotismos e, assim, se impôs à estima e ao
respeito da história, oferecendo o seu sangue e os seus recursos pelo progresso
e salvação da humanidade.
Mudança tão completa e transformação tão radical só se podem
explicar pelo despertamento das fortes qualidades de nossa raça, pelas
lembranças evocadas e pelos heróicos exemplos que as gerações pretéritas nos
deixaram como herança? É certo que tudo isso existe, porém há algo mais ainda:
queremos referir-nos à imensa ajuda trazida pelas legiões invisíveis.
Graças às orientações dos nossos guias, desde o início da
guerra pudemos acompanhar, em todas as suas etapas, a acção dos poderes ocultos
que lutam connosco pela salvação da França e pelos direitos da eterna justiça.
Acima de nossas linhas, na hora dos combates, paira o
incontável exército dos mortos, todas as almas dos heróis, notáveis ou
obscuros, que morreram defendendo a pátria.
Num voo glorioso, como de grandes aves, eles se equilibram
sobre os nossos defensores, alentando-os na luta ardente e derramando sobre
eles, com energia, as forças psíquicas e os fluidos adquiridos pelos séculos.
O exército invisível também tem comandantes ilustres, pois
os nossos médiuns videntes reconhecem Vercingétorix, Joana d’Arc, Henrique IV,
Napoleão, os grandes generais da Revolução e do Império.
Essa visão impressiona profundamente os médiuns. Cada um dos nossos comandantes, durante as operações, é secundado por um espírito poderoso
que o inspira e guia na acção.
Às vezes, todos esses espíritos se congregam e deliberam,
sendo as suas decisões transmitidas pela intuição aos generais comandantes que,
quase sempre, as obedecem pensando que realizam os seus planos pessoais.
Nos momentos trágicos, o soldado francês tinha consciência
desse socorro do Invisível. Sentia que uma força superior o amparava e o
ajudava na grandeza da sua missão, garantindo-lhe que a sorte do seu país
estava nas suas mãos.
Aos esforços dos soldados em acção somavam-se os dos colegas
que morreram, porque não dormem debaixo da terra os espíritos daqueles que, no
correr de 20 meses, tombaram pela metralha alemã; tornamos a encontrá-los nessa
multidão invisível, cujas ondas imensas se entrechocam com o inimigo.
/…
(i) Alfred Dreyfus (1859-1935): militar francês condenado
injustamente, por espionagem, a trabalhos forçados. O caso, que comovia toda a
França, despertou o interesse do escritor Émile Zola que considerava Dreyfus
inocente e fez uma grande campanha em sua defesa, o que lhe valeu ser
processado. Dreyfus, 12 anos após a sua condenação, depois de ser indultado e ter
a sua sentença anulada, voltou ao exército no cargo de comandante. (N.R.)
LÉON DENIS, O Mundo Invisível e a Guerra, VIII / Acção dos Espíritos sobre os Actuais Acontecimentos / Janeiro de 1917 (1 de 2) 22º fragmento
da obra.
(imagem de ilustração: Tanque de guerra britânico capturado pelos
Alemães, durante a Primeira Guerra
Mundial)
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