Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Victor Hugo e o invisível ~


A EXPERIÊNCIA ESPÍRITA DE VICTOR HUGO

   Victor Hugo possuía fé no plano divino do Universo, razão porque baseava o seu lirismo sobre essa profunda convicção. Confiava na lei do progresso e admitia que tudo evolui apesar das incertezas humanas. Quando o homem, orgulhosamente, se considera "o fim e a meta do universo", o poeta exclama: ''Acreditas que esta vida universal, que vai da rosa à árvore, da árvore ao animal, que se eleva insensivelmente da pedra a ti, detem-se ante o declive do abismo do homem? Não, prossegue invencível e admirável, penetra no invisível e no imponderável, desvanece-se para ti, plena do azul de um mundo deslumbrante, penetra entre seres que estão em volta do homem e outros que estão longe dele, os espíritos puros, anjos, formados de raios, como o homem está formado de instintos. Prossegue através de céus sempre elevados, sobe escalando as estrelas; dos demónios desencadeados, sobe até aos seres alados, ao espírito astro como o sol arcanjo; une, estreitando milhões de léguas, os grupos de constelações com as legiões azuis; povoa o alto, as bordas e o centro, e em todas as profundezas está em Deus".

   A visão cósmica que possuía sobre o homem faz-nos recordar este maravilhoso texto mediúnico: "Habitante do espaço, fénix que renasce da matéria, peregrino dos mundos nos quais deixa um ser que foi e é, conta suas horas por períodos de vida. Guerreiro incansável, veste-se de organismo para lutar e acrescentar aos seus domínios mais verdade e ao seu poder mais luz" |*

   A primeira sessão mediúnica de Victor Hugo foi publicada por Gustavo Simón (ver o seu livro "Les tables tournantes de Jersey", editorial Louis Conard, Paris), na qual se manifestou a sua filha Leopoldina, há pouco falecida em naufrágio, e lavrou a correspondente acta o célebre poeta e dramaturgo Augusto Vacquerie. Eis o relato:

   "Quando se falava das mesas girantes nós duvidávamos. Havíamos feito experiências com elas, mas sem êxito certo. Víamos, sobretudo, na atenção que em todas as partes se dedicava a estes fenómenos uma armadilha da polícia francesa para distrair o espírito público das vergonhas do governo. Assim estávamos quando Mme. de Girardin veio a Jersey para visitar Victor Hugo. Chegou na terça-feira, 6 de setembro de 1853.

   "Falou-nos das mesas. Não giravam, apenas: falavam também. Convencionava-se com elas que as batidas que dessem seriam as letras do alfabeto e que se escreveria a letra na qual se detivessem. Assim se obtinham letra por letra e palavra por palavra, frases e páginas inteiras. Vimos nisto um paradoxo do génio encantador de Mme. de Girardin.

   Tanto é que, na quarta-feira, enquanto tratava de falar à mesa com Victor Hugo, na sala de jantar, nós permanecíamos no salão. A mesa não falou. Mme. de Girardin disse que o fracasso se devia a que a mesa era quadrada e que se precisava de uma redonda. Não a tínhamos. Na quinta, ela mesma trouxe uma pequena mesa de três pés que havia comprado em Saint Hélier, num bazar de jogos. No dia seguinte, voltou a experimentar sem êxito. Eu, particularmente, acreditava tão pouco nas mesas que fui deitar-me enquanto eles se punham a experimentar. No sábado, Victor Hugo e Mme. de Girardin jantaram na casa de um senhor de Jersey, M. Gordfray. Mme. de Girardin voltou a experimentar, inutilmente. No domingo à noite eis o que aconteceu.

ACTA

"Presentes Madame de Girardin, Madame Victor Hugo, Victor Hugo, Carlos Hugo, Francisco Victor Hugo, general Le Fló, M. de Trevenueu, Augusto Vacquerie.

"Mme. de Girardin e Augusto Vacquerie põem-se à mesa, colocando a mesinha redonda em cima de uma mesa grande quadrada. Ao fim de alguns minutos a mesa estremece.

"Mme. de Girardin: Quem és? (A mesa levanta um pé e não o abaixa.)

"Mme. de Girardin: Existe algo que te preocupa? Se for assim, dá uma batida, se não, duas batidas. (A mesa dá uma batida.)

"Mme. de Girardin: O quê?

"- Losango.

"(De facto, estávamos sentados formando um losango, sentados em ambos os lados de um ângulo da mesa grande.)

"(A mesa se agita, vai e vem, recusa-se a falar. Eu me separo dela. O general Le Fló ocupa meu lugar. Na mesa, Carlos Hugo e o general Le Fló.)

"General Le Fló: Diga em que penso.

"Mme. de Girardin, ao mesmo tempo: Quem és?

"- Filha.

"(O general Le Fló não pensava em sua filha. Eu penso em meu sobrinho Ernesto e pergunto:)

"- Em que penso?

"- Morta.

"Mme. de Girardin, bastante emocionada: -Filha morta?

"Eu volto a dizer:

''- Em que penso?

"- Morta.

"(Todos pensam na filha que Victor Hugo perdera.)

"Mme. de Girardin: Quem és?

''- Ame Soror.

"(Mme. de Girardin havia perdido a irmã. A mesa disse soror em latim para dizer que era irmã de um homem?)

"General Le Fló: Carlos Hugo e eu, que estamos à mesa, perdemos uma irmã cada um. De quem és irmã?

"- Dúvida.

"General Le Fló: Teu país?

"- França.

"General Le Fló: Tua cidade?

"(Nenhuma resposta. Todos sentimos a presença da morte. Todo mundo chora.)

"Victor Hugo: És feliz?

"- Sim.

"Victor Hugo: Onde estás?

"- Luz.

"Victor Hugo: O que se deve fazer para ir a ti?

''- Amar.

"(A partir deste momento, em que todos estamos emocionados, a mesa, como se se visse compreendida, já não vacila mais. Responde imediatamente ao ser interrogada. Quando demoramos para fazer-lhe uma pergunta, agita-se para a direita e esquerda.)

"Mme. de Girardin: Quem te envia?

''- Bom Deus.

"Mme. de Girardin, muito emocionada: Fala tu mesma, tens algo a dizer?

"- Sofri rumo ao outro mundo.

"Eu não estava absolutamente convencido. Não é que acreditasse precisamente que Mme. de Girardin nos enganava e dava os golpes voluntariamente. Mas eu me dizia que a força do desejo e a tensão do espírito podiam dar à sua mão uma pressão involuntária.

"Fomos buscar outra mesa, sobre a qual colocamos a pequena. Mme. de Girardin e Carlos Hugo colocam-se de maneira que cortam a mesa-suporte em ângulo recto. A mesa se agita.

"General Le Fló: Diz-me em que penso.

"- Fidelidade.

"(O general Le Fló pensava em sua mulher. Eu estava algo menos convencido. Parecia-me tão engenhoso e espiritual responder 'fidelidade' a um marido que pensa em sua mulher, que atribuía a resposta à Mme. de Girardin.)

"Victor Hugo escreve uma palavra em papel e o coloca, fechado, em cima da mesa.

"Augusto Vacquerie: Podes dizer-me o nome escrito aí dentro?

"- Não.

"Victor Hugo: Por quê?

"- Papel.

"Todas as respostas começavam a nos estranhar um pouco. Para estar mais seguro que não era Mme. de Girardin quem actuava, solicito colocar-me à mesa com Carlos Hugo. Ponho-me com ele. A mesa se move. Penso em um nome e digo:

"- Qual é o nome em que penso?

"- Hugo.

"De facto, este era o nome. Neste momento comecei a crer. Fazia alguns instantes que Mme. De Girardin estava emocionada e pedia-nos que não perdêssemos tempo com perguntas pueris. Pressentia uma grande aparição, mas nós, que duvidávamos, permanecíamos a desafiar a mesa a que respondesse a palavras escritas ou pensadas.

"Mme. de Girardin: Engana-nos?

"- Sim.

"Mme. de Girardin: Por quê?

"- Absurdo.

"Mme. de Girardin: Pois bem, fala tu mesmo.

"Importuna.

"Mme. de Girardin: Quem te importuna?

"- Um só.

"Mme. de Girardin: Aponte-o.

"- Ruivo.

"De facto, o Sr. de Trévenueu, muito ruivo, era o mais incrédulo de nós.

"Mme. de Girardin: Deseja que saia?

"- Não.

"Victor Hugo: Vês o sofrimento dos que te amam?

"- Sim.

"Mme. de Girardin: Sofrerão muito tempo?

"- Não.

"Mme. de Girardin: Voltarão rápido à França?

"(Não responde.)

"Victor Hugo: Depende deles para que possam voltar?

"- Não.

"Victor Hugo: Mas, voltarás?

"- Sim.

"Victor Hugo: Breve?

"- Sim.

"(Encerrado a uma e meia da madrugada.) Nota: Tudo o que antecede foi escrito imediatamente após a sessão por Augusto Vacquerie. A partir deste dia decidimos escrever as respostas da mesa no momento em que se produziam. Todas as actas seguintes foram recolhidas durante o transcurso das próprias sessões.''
/…

|* Daniel Suárez Artazu: Marietta y Estrella. Páginas de duas existências



Humberto MariottiVictor Hugo Espírita, A Experiência Espírita de Victor Hugo, 6º fragmento da obra
(imagem: Criança com uma boneca, pintura de Anne-Louis GIRODET-TRIOSON)

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