Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

quinta-feira, 25 de julho de 2013

O Génio Céltico e o Mundo Invisível ~


Capítulo VI

A Lorraine e os Vosges. Joana d’Arc, alma céltica

   Por quê estas páginas sobre a Lorraine? – pergunta-se. Esta região, afastada de todos os grandes focos célticos, pode então figurar na sua sequência? Sim, certamente, porque a Lorraine sempre tem sido o baluarte de defesa do mundo céltico contra os germanos.

   Demais, deve notar-se que existe uma lacuna em quase todas as obras similares. Fala-se muito da Bretagne e passa-se em silêncio sobre as outras regiões célticas. Ora, para facilitar, na França, o despertar da alma céltica, reconduzi-la às suas tradições, mostrar a altivez de suas origens, é preciso lembrar a sua ascendência sobre outras províncias interessadas e desembaraçá-las, assim, dessa influência latina que, desde muitos séculos, dissimula a sua própria individualidade.

   A Lorraine foi, constantemente, o caminho de invasões dos povos vindos do norte atraídos pelos eflúvios das regiões quentes ou temperadas. Desde os primeiros tempos de nossa história, longa seria a lista das hordas estrangeiras que têm pisado o seu solo e devastado os seus campos. Toda a minha infância foi embalada pelo relato das depredações causadas pelos exércitos inimigos. À sua aproximação, os habitantes das aldeias, levando o que tinham de mais precioso, fugiam para os confins dos bosques onde erguiam as barracas, às pressas. Igualmente, enquanto que, no centro e no oeste, os sítios e as habitações estão disseminados aqui e ali, conforme as necessidades da cultura, é notável de ver, no leste, as populações agrupadas em grandes vilas; as casas isoladas, ali, são raras. De todos esses fluxos e refluxos de exércitos, desses cercos e choques violentos, a Lorraine sofreu mais do que qualquer outra província francesa. Isso motivou um patriotismo ardente que persiste através dos séculos.

   A cadeia dos Vosges se ergue como uma muralha, da qual o Reno parece ser o fosso. A planície da Alsace é misturada de elementos gauleses e germânicos, mas por toda a parte, as lembranças célticas dominam. O mesmo ocorre em alguns outros pontos da Lorraine.

   Como um posto avançado cobrindo a linha dos montes, o Odilienberg eleva bem alto, acima dessa planície, o seu campo entrincheirado, formado de blocos ciclópicos, enorme recinto que podia servir de refúgio e de defesa a uma tribo inteira com todos os seus recursos em grãos, rações e animais.

   Sobre duas elevações, ocupadas hoje em dia por duas capelas, se achavam os templos de Hésus e de Bellena. O Donon, como o Puy de Dôme, era uma montanha consagrada aos deuses, e sobre quase todos os cumes dos Vosges se encontram vestígios de altares druídicos.

   Eu andei, frequentemente, sobre essas cristas e esses planaltos encrespados de carvalhos, de faias e de negros abetos entre os rochedos de arenito vermelho e de ruínas de velhos burgos, pousados como ninhos de águia sobre os altos cumes.

   A qual época remonta o vasto sistema de defesa que, sob o nome de “muro pagão”, abarca as alturas de Sainte-Odile, a Bloss e o Menelstein? Evidentemente, à época das primeiras invasões germânicas, as quais ele tinha, por finalidade, deter ou retardar. Esses entrincheiramentos pertenciam, portanto, ao período céltico.

   Maurice Barrès escrevia sobre esse assunto:

   “Nessa montanha, desde o século IV ou III a.C., os celtas tinham construído o “muro pagão”. Encontram-se sobre esse cume os restos de um “oppidum” (fortaleza) gaulês e provavelmente um colégio sacerdotal druídico.” (I)

   Escreveu, por sua vez, Edouard Schuré:

   “Os “tumuli” (montes de pedras, espécie de túmulos) encontrados no recinto, os menires posados sobre os flancos, os dolmens e as pedras de sacrifício que se espalham pelas montanhas e vales ao redor, os nomes de certas localidades, tudo prova que a montanha Sainte-Odile foi, nos tempos célticos, a sede de um grande culto.” (II)

   Esse autor, portanto, considera esse prodigioso conjunto de ruínas como os restos de um dos maiores santuários da Gália. Ele coloca sobre o promontório de Landsberg o “Templo do Sol”, usado pelos druidas. Desse ponto o panorama é imenso, estendendo-se para trás sobre as vastas florestas e vales encaixados que cobrem as vertentes dos Vosges e em direcção oposta, sobre toda a planície da Alsace. De longe, a fita prateada do Reno se desenrola; finalmente, no horizonte, por cima das arestas sombrias da Floresta Negra, a vista se estende até aos cumes dos Alpes, deslumbrante, sob a sua coroa de geleiras.

   Pode notar-se, como fizemos a propósito da Bretagne, que a maior parte dos grandes santuários cristãos foram adaptados, poder-se-ia dizer, foram enxertados sobre cultos anteriores.

   Nos terrenos consagrados pelos druidas durante séculos foi construído, mais tarde, o Mosteiro de Sainte-Odile, padroeira da Alsace.

   Apesar da mudança de religião, desde dois mil anos, longas filas de peregrinos se encaminhavam para a “Montanha do Sol”, para ali procurar um socorro moral. Sob nomes e fórmulas variadas, a sua fé, as suas orações a ela os atraíam e nela acumulavam essas forças psíquicas das quais a ciência começa apenas a medir a potência e a extensão. Eles criavam, assim, um ambiente fluídico e magnético que permitia ao mundo invisível se reaproximar do mundo terrestre e agir sobre ele. Daí, essas manifestações e principalmente essas curas maravilhosas que se produziram nos lugares sagrados de todos os tempos, de todos os países e de todas as religiões.

   No seio desses sítios grandiosos, o pensamento se eleva com mais força, comunga com mais intensidade com o Além superior, porque Deus está por toda parte onde a natureza fala ao coração do homem.

   Quando um tremor passa sobre as massas de verde e faz ondular o cume das grandes árvores da floresta, quando a voz das torrentes e das cascatas se eleva do fundo dos vales, a alma iniciada compreende melhor a beleza eterna, a suprema harmonia das coisas, e vibra em uníssono com a vida universal. É o que eu senti não somente sobre as alturas de Sainte-Odile, mas também sobre a maior parte dos cumes dos Vosges e, notadamente, sobre o Hohneck, de onde a vista engloba toda a planície até ao Reno, até aos Alpes longínquos.

   Dia virá em que os homens, afastando-se das velhas formas religiosas, se unirão num pensamento comum de adoração e de amor. Como no tempo dos druidas, a natureza retornará ao templo augusto; será então a religião do espírito, consciente dele mesmo e de seu destino, que é o de evoluir de vidas em vidas, de mundos em mundos em direcção ao foco eterno de toda luz, de toda sabedoria, de toda verdade. E assim será fundada a unidade religiosa da Terra e do espaço, de duas humanidades, visível e invisível.
/…

(I) Maurice Barrés, Au service de l’Allemagne, cap. VI.
(II) Les Grandes Légendes de France. Ed. Perrin.


LÉON DENIS, O Génio Céltico e o Mundo Invisível, Primeira Parte OS PAÍSES CÉLTICOS, CAPÍTULO VI – A Lorraine e os Vosges. Joana d’Arc, alma céltica 1 de 3, 19º fragmento da obra.
(imagem: A Apoteose dos heróis franceses que morreram pelo seu país durante a guerra da Liberdade, pintura de Anne-Louis Girodet-Trioson)

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