Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

sexta-feira, 19 de julho de 2013

O peregrino sobre o mar de névoa ~


Motivos de Dificuldades nas Curas (II)

Passar de um tipo de mentalidade a outro, no processo histórico, exige enorme e persistente esforço de uma civilização. Num momento agudo de transição como enfrentamos no nosso tempo, esse processo exige modificações violentas que provocam medo e inquietação. O homem actual perdeu a segurança do passado. As suas próprias certezas científicas foram substituídas por probabilidades. Ele se recusa inconscientemente a trocar os seus mitos religiosos por ideias racionais, mas ao mesmo tempo sente-se obrigado a trocá-los, por força do desenvolvimento cultural e tecnológico. O antropomorfismo, que o cevou por milénios nas ideias cómodas de um Deus semelhante a ele e o fez familiar a Deus, é para ele muito caro. Deixar esse Deus familiar pela ideia de uma Consciência Cósmica confunde-o. Como Kardec acentuou, esse processo se torna fácil graças à sucessão das gerações. Já podemos notar o enfraquecimento dos mitos actuais no decorrer dos anos. Toynbee mostrou que as civilizações se apoiam no alicerce das grandes religiões, confirmando a influência da lei de adoração no processo histórico. Não se referiu a essa lei de kardec, mas reconheceu a sua necessidade básica para a evolução mental e espiritual das comunidades humanas. Esse é hoje um tema pacífico. As grandes ideologias revolucionárias, por mais brutais que fossem, acabaram sempre por se estruturar nas formas de religiões, não podendo vingar sem essas metamorfoses significativas. O Positivismo de Comte desembocou, para espanto dos seus adeptos mais fiéis, na Religião da Humanidade; os ideólogos da Revolução Francesa entronizaram a Deusa Razão na Catedral de Notre Dame, o Marxismo converteu-se numa organização fanática de salvacionistas, com a adoração de Marx entre a foice e o martelo, a reverência aos ídolos sagrados da Revolução Bolchevista e a obediência servil às bulas papais do Kremlin ressuscitado das cinzas. Mas tudo isso foi precedido de longas e dolorosas metamorfoses conceptuais. A pretensão científica do materialismo Dialéctico foi asfixiada pela falência da matéria no desenvolvimento da Física Moderna. Todas essas tentativas de religiões artificiais esboroaram-se, abrindo passagem à lógica realista e irrefutável da concepção espírita, inteiramente livre de símbolos e mitos que favorecem o desenvolvimento de novos formalismos e de novos mitos. Monsenhor Pisoni, expert de Espiritismo no Vaticano, declarou recentemente à revista italiana Gente que teve a oportunidade de receber mensagens autênticas de dois amigos falecidos, e acrescentou que o Vaticano não condena as pesquisas espíritas. Já chegou à cúpula do mundo católico o abalo inevitável das velhas estruturas. Cabe-nos agora vigiar activamente, aprofundando os estudos doutrinários do Espiritismo, para que a metamorfose conceptual em curso não arraste os espíritas para a voragem das deturpações sincréticas. Só um esforço conjunto dos intelectuais espíritas poderá impedir a ameaça desse novo naufrágio da razão no misticismo formalista e mitológico dos criadores de mitos. A terapia espírita, natural e simples, seria então sufocada por um retorno de séculos à adoração espúria das fantasias.

Estamos num desses vórtices perigosos da história, em que os acidentes dessa espécie são comuns, por falta de conhecimento real das doutrinas renovadoras. Precisamos de aprofundar os estudos doutrinários, através do esforço de pensadores espíritas suficientemente integrados na cultura actual e empenhados no desenvolvimento da nova cultura da era cósmica.

Temos de dinamizar os nossos esforços na elaboração consciente e esclarecida da Cultura Espírita, única realmente dotada de capacidade para absorver os elementos válidos da cultura leiga. As culturas, como ensina Ernst Cassirer, nascem e se desenvolvem por esse processo de assimilação selectiva (não sincrética) da herança cultural anterior. Se os espíritas não compreenderem essa necessidade histórica e não se prepararem para enfrentá-las, serão os responsáveis pelo retrocesso ao misticismo obscurantista que já nos ameaça.

Kardec insistiu na necessidade de nos firmarmos na razão para não recairmos nos delírios da imaginação excitada pelo impulso de sublimação que levou os clérigos de todos os tempos a se julgarem privilegiados de Deus e agraciados pela sabedoria infusa do teologismo. A imaginação, como observara Descartes, leva-nos a romper os limites do possível. Nada mais apropriado para transformar e acelerar de repente os passos cautelosos na disparada quixotesca. Por isso, o campo do paranormal oferece mais dificuldades para a pesquisa científica do que o dos fenómenos físicos. Myers advertiu que a mente subliminar se destina à vida espiritual e não à material, que corresponde às exigências imediatistas do mundo sensorial. Kardec esquivou-se ao uso dos processos da vidência e do desprendimento mediúnico para a investigação do plano espiritual, preferindo obter informações dos espíritos, sempre que controláveis, para atingir a verdade sobre o outro mundo. Alegava que os que vivem naquele mundo estão mais aptos a nos fornecer dados sobre ele. O espírito encarnado está condicionado ao nosso plano, mas o desencarnado condiciona-se ao outro. Cabe à razão humana, através de pesquisas adequadas – hoje comuns nas ciências do extra-físico – verificar as possibilidades lógicas das informações e proceder às verificações necessárias à comprovação dos dados oferecidos pelos informantes.

Kardec considerou importante, como um dos meios de controle dessas informações do Além, o critério do consenso universal. Excluía assim os perigos da opinião individual. Qualquer revelação de um espírito teria de passar pelo teste inicial do consenso. Se outras comunicações semelhantes se verificassem por outros médiuns em outros locais, na mesma ocasião, esse consenso dava – desde que os médiuns não se conhecessem e residissem distantes uns dos outros – uma suposição de veracidade. Mas só as comprovações experimentais poderiam legitimá-las. As suas pesquisas eram árduas e minuciosas, mas os resultados foram tão positivos que nenhum dos princípios por ele estabelecidos foi abalado pela evolução científica dos nossos dias. Pelo contrário, permanecem como antecipações de solução para problemas com que lutam ainda os pesquisadores actuais. Por exemplo: a sua afirmação de que o corpo espiritual é semimaterial, aplica-se hoje ao corpo bioplásmico, que é formado de plasma físico, mistura de partículas atómicas, em que se inserem elementos extra-físicos. O próprio ectoplasma, que Ímoda, Richet e Fontenai, em pesquisas conjuntas, com a mediunidade de Linda Gazzera, na Itália, verificaram ser tridimensional, revela-se hoje, nas pesquisas russas da Universidade de Kirov, como energias do perispírito. Confirma-se assim a validade das pesquisas de Crawford em Belfast, tantas vezes ridicularizadas sem nenhuma contraprova experimental. As alavancas de Crawford, reveladas por ele como pseudópodos de massa leitosa ou jactos de energia radiante, que movimentavam objectos à distância, sem contacto, foram definidas em Kirov como emissões de energias plásmicas emitidas pelo médium para produzir efeitos materiais à distância. As pesquisas de Schrenk-Notzing, em Berlim, provaram que a massa ectoplasmática retorna ao corpo do médium, sendo reabsorvida como o são também as energias. As três dimensões do ectoplasma são: a visível, em forma leitosa, que produz formas de membros humanos e até mesmo materializações completas de espíritos de mortos; a visível, em forma de fluido esbranquiçado; e a invisível, que se pode perceber pelo tacto como uma espécie de teias de aranha finíssimas e levemente pegajosas. Zöllner, na Universidade de Leipzig, provou o poder explosivo do ectoplasma, mesmo invisível. Nos casos de cura, o ectoplasma tem funções ainda não suficientemente definidas, mas já evidenciadas em numerosas oportunidades. Fisiologistas famosos, como Geley e Richet, entenderam que pode actuar na recuperação de tecidos gastos ou acidentados.

As dificuldades de cura decorrem geralmente de implicações cármicas dos pacientes, de deficiências mediúnicas e de falta de conhecimento do problema pelos dirigentes de sessões. O apego emocional dos pacientes aos seus obsessores, por afinidades temperamentais, é um dos mais graves entraves do processo terapêutico. Os médicos espíritas podem controlar a cura e estimular os pacientes, bem como os médiuns doadores de energias ectoplásmicas. Por isso é sempre aconselhável a presença e participação de médicos conhecedores do problema em todos os tratamentos pela terapia espírita. Alegar que a participação médica torna suspeitos os resultados é simplesmente provar desconhecimento do assunto.
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José Herculano Pires, Ciência Espírita e suas implicações terapêuticas, Motivos de Dificuldades nas Curas 2 de 2, 14º fragmento da obra.
(imagem: O peregrino sobre o mar de névoa, por Caspar David Friedrich)

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