Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

sábado, 22 de setembro de 2012

| o grande enigma ~

Deus | e o Universo

Algumas objeções são, no entanto, de prever. Pode-se dizer, por exemplo: as teorias sobre a matéria, sobre a força, sobre a inteligência, tais as que formulavam outrora as escolas científicas e filosóficas, tiveram o seu tempo. Novas conceções as substituem. A física atual nos demonstra que a matéria se dissocia pela análise, se resolve em centros de forças, e que a força se reabsorve no éter universal.

Sim, certamente, os sistemas envelhecem e passam; as fórmulas gastam-se; mas a ideia eterna reaparece sob formas cada vez mais novas e mais ricas. Materialismo e espiritualismo são aspetos transitórios do conhecimento. Nem a Matéria, nem o Espírito são o que deles pensavam as escolas de outrora, e talvez a matéria, o pensamento e a vida estejam ligados por laços estreitos, que começamos a entrever.

Certos factos, no entanto, subsistem e outros problemas se impõem. A matéria e a força se reabsorvem no éter; mas, que é o éter? É, diz-nos, a matéria-prima, o substrato definitivo de todos os movimentos. O próprio éter é atravessado por movimentos inumeráveis: radiações luminosas e caloríficas, correntes de eletricidade e de magnetismo. Ora, é perfeitamente necessário que esses movimentos sejam regulados de certa maneira.

A força gera o movimento, mas a força não é a lei. Cega e sem guia, ela não poderia produzir a ordem e a harmonia no Universo. Estas são, no entanto, manifestas. No cimo da escala das forças aparece a energia mental, a vontade que constrói as fórmulas e fixa as leis.

A inércia, dir-nos-ão, ainda é relativa, visto que a matéria é energia concentrada. Na realidade, todas as partes constitutivas de um corpo se movem. Entretanto, a energia armazenada nesses corpos só pode entrar em potência de ação quando a matéria componente é dissociada. Não é o caso dos planetas, cujos elementos representam a matéria em seu último grau de concreção. Seus movimentos não se podem explicar por uma força interna, mas somente pela intervenção de uma energia exterior.

– “A inércia – diz G. Le Bon  – é a resistência de causa desconhecida, que os corpos opõem ao movimento ou mudança de movimento. Ela é suscetível de medida que se define pelo termo massa. A massa é, pois, a medida da inércia da matéria, seu coeficiente de resistência ao movimento.”

Desde Pitágoras até Claude Bernard, todos os pensadores afirmam que a matéria é desprovida de espontaneidade. Toda tentativa de emprestar à substancia inerte uma espontaneidade – capaz de organizar e de explicar a força – tem sido em vão.

É preciso, pois, aceitar a necessidade de um primeiro motor transcendente para explicar o sistema do mundo. A mecânica celeste não se explica por si mesma, e a existência de um motor inicial se impõe. A nebulosa primitiva, mãe do Sol e dos planetas, era animada de um movimento giratório. Mas quem lhe imprimira esse movimento? Respondemos sem hesitar: Deus.

É somente a ciência contemporânea que nos revela Deus, o Ser Universal? O homem interroga a história da Terra; evoca a memória das multidões mortas, das gerações que repousam sob a poeira dos séculos; interroga a fé crédula dos simples e a fé raciocinada dos sábios; e, por toda parte, acima das opiniões contraditórias e das polémicas das escolas, acima das rivalidades de casta, de interesses e de paixões, ele vê os transportes, as aspirações do pensamento humano para a Causa que vela, augusta e silenciosa, sob o véu misterioso das coisas.

Em todos os tempos e em todos os meios a queixa humana sobe para esse Espírito divino, para essa Alma do mundo que se honra sob nomes diversos, mas que, sob tantas denominações –  Providência, grande Arquiteto, Ser supremo, Pai celeste –, é sempre o Centro, a Lei, a Razão universal, em que o mundo se conhece, se possui, encontra sua consciência e seu eu.

E é assim que, acima desse incessante fluxo e refluxo de elementos passageiros e mutáveis, acima dessa variedade, dessa diversidade infinita dos seres e das coisas que constituem o domínio da Natureza e da Vida, o pensamento encontra no Universo esse princípio fixo, imutável, essa Unidade consciente em que se unem a essência e a substância, fonte primeira de todas as consciências e de todas as formas, visto que consciência e forma, essência e substância, não podem existir uma sem a outra. Elas se unem para constituir essa Unidade viva, esse Ser absoluto e necessário, fonte de todos os seres, ao qual chamamos Deus.

A linguagem humana é, entretanto, impotente para exprimir a ideia do Ser infinito. Desde que nos servimos de nomes e de termos, limitamos o que é sem limites. Todas as definições são insuficientes e, de certo modo, induzem o erro. Entretanto, o pensamento para se exprimir precisa de termo. O menos afastado da realidade é aquele pelo qual os padres do Egito designavam Deus: Eu sou, isto é, eu sou o Ser por excelência, absoluto, eterno, e do qual emanam todos os seres.
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Léon Denis, O Grande Enigma, Primeira parte Deus e o Universo, I O grande Enigma 2 de 5, 5º fragmento da obra.
(imagem: Salvador Dali, 1950)

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