CAPÍTULO IV
A Bretagne francesa.
Lembranças druídicas |
Quando, sob a inspiração de meu
guia, exploro as camadas profundas de minha memória para reconstituir o
encadeamento de minhas vidas passadas, se eu remonto às origens, aí reencontro,
não sem emoção, os vestígios de minhas três primeiras existências vividas na Terra,
no oeste da Gália independente.
Por lembrança, eu revejo essa
Natureza ainda virgem, semi-selvagem, toda impregnada de mistério e de poesia,
e que o homem, apesar de sua pretensão de embelezar, somente conseguiu mutilar
e despojar. Revejo esses grandes promontórios, batidos pelas tempestades, que
se erguem ante os horizontes infinitos do mar e do céu. Creio ainda ouvir essas
grandes vozes do oceano, ora lamentosas, ora ameaçantes, e o sussurro da onda
que vai morrer no fundo das enseadas solitárias, riscando sobre a praia sua
orla de espuma. A vaga embaladora não seria a imagem do pensamento humano,
sempre inquieto, sempre fremente e agitado?
Revejo a floresta profunda, toda
cheia de murmúrios de uma vida invisível; a floresta assombrada pelos espíritos
dos antepassados que encantam os santuários onde se realizam os sacrifícios e
os ritos sagrados. Essa floresta céltica era tão vasta que seriam precisos
meses inteiros para atravessá-la; tão espessa, tão cerrada, que no verão o
tempo era escuro em pleno meio-dia, sob suas abóbadas verdejantes, imponentes
como naves de catedral.
Todo celta guarda no coração o
amor ardente, imperecível, da floresta. Ela é para ele um símbolo de força e de
vida imortal. Após o fim do inverno, não renasce ela na primavera, assim como a
alma, após um tempo de repouso, volta à Terra para manifestar os poderes da
vida que estão nela?
Nesse ponto, como em muitos
outros, o ensino dos druidas se inspirou nos espetáculos da natureza. No estudo
de suas leis, eles acharam uma fonte abundante de lições sempre vivas e
expressivas, sempre ao alcance dos homens que ofereciam uma base sólida, uma
força incomparável para suas convicções. Daí nenhuma dúvida, nenhuma hesitação,
visto que eles pensavam que a natureza era uma emanação da vontade divina. É
por estar afastada dela e por ter desconhecido suas leis que, desde então, o
homem caiu no ceticismo e na negação. Mas então uma fé nova e pura brotava das
almas, como a fonte límpida jorra do solo sob a ramagem dos grandes bosques.
Espírito impetuoso e ardente, dela me impregnei a tal ponto que, apesar das
vicissitudes de numerosas existências, ainda lhe guardo uma profunda impressão.
Eu gostava de penetrar nos
círculos de pedra (cromlechs) onde se
evocavam os espíritos dos mortos. Escutava, com ansiedade, as lições dos
druidas, que nos entretinham com as narrações das lutas da alma no “Abred”,
para conquistar a ciência e a sabedoria, e sua plenitude de vida no “Gwynfyd”,
para posse da virtude, do génio e do amor. Sob a indicação do Mestre, eu me aplicava
em aprender e recitar os inúmeros versos que constituíam o ensino sagrado.
Por essas experiências repetidas,
consegui dar à minha memória a destreza e a duração que dela fizeram o precioso
instrumento de estudo e de trabalho que me seguiu em todas as minhas vidas
ulteriores.
No curso de minha vida atual eu
queria rever as paisagens imponentes que, nesses tempos longínquos, com a ajuda
de minhas primeiras existências terrestres, me tinham impressionado tão
fortemente.
Segui, detalhadamente, os cortes
da costa bretã e os restos dos grandes promontórios que as investidas da
tempestade reduziram, de século em século. Nessa luta gigantesca, o oceano leva
a melhor e o continente recua.
O homem impotente se resigna,
porém, como ele se vinga na floresta!
No lugar dos santuários
druídicos, ambientes augustos e sagrados, não se vê senão urzes informes sem
encanto e sem beleza. Eu queria percorrer Brocéliande, a floresta encantada
onde Merlin e Viviane abrigavam sua paixão e seus sonhos; encontrei somente uma
floresta devastada pelo machado, com as grandes superfícies desnudas,
semelhantes às manchas leprosas sobre um solo empobrecido. A fonte de Baranton,
de águas mágicas, é agora uma cloaca onde se agitam batráquios indefinidos.
Os próprios nomes foram mudados,
Brocéliande tornou-se a floresta de Paimpont, propriedade do bispo de Nantes,
que procedeu a derrubadas frequentes. E o mesmo ocorreu por toda a parte em que
se estendeu a floresta céltica. Onde estão essas abóbadas de verde que os raios
de sol atravessavam com muito custo para se lançarem sobre os musgos e as
samambaias?
Mas quando a Terra tiver perdido
o seu adorno e se tornar calva e nua, quando as águas pluviais rolarem em
torrentes devastadoras, para onde o homem voltará seus olhares para desfrutar
do espetáculo do Universo? Um de nossos eminentes políticos não declarou que as
luzes do céu foram extintas? Mas não, Viviani está morto e as estrelas brilham
ainda no seio das noites profundas. Elas nos falam do poder, da sabedoria, da
bondade do Criador! Elas serão sempre um símbolo de eterna esperança para a
humanidade!
/…
LÉON DENIS, O Génio
Céltico e o Mundo Invisível, Primeira Parte OS PAÍSES CÉLTICOS, CAPÍTULO IV A Bretagne francesa.
Lembranças druídicas 3 de 3, 15º fragmento.
(Imagem: A Apoteose dos heróis franceses que morreram por seu país durante a
guerra da Liberdade, pintura de Anne-Louis Girodet-Trioson)
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