Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

O Génio Céltico e o Mundo Invisível~


CAPÍTULO IV

A Bretagne francesa. Lembranças druídicas |

Quando, sob a inspiração de meu guia, exploro as camadas profundas de minha memória para reconstituir o encadeamento de minhas vidas passadas, se eu remonto às origens, aí reencontro, não sem emoção, os vestígios de minhas três primeiras existências vividas na Terra, no oeste da Gália independente.

Por lembrança, eu revejo essa Natureza ainda virgem, semi-selvagem, toda impregnada de mistério e de poesia, e que o homem, apesar de sua pretensão de embelezar, somente conseguiu mutilar e despojar. Revejo esses grandes promontórios, batidos pelas tempestades, que se erguem ante os horizontes infinitos do mar e do céu. Creio ainda ouvir essas grandes vozes do oceano, ora lamentosas, ora ameaçantes, e o sussurro da onda que vai morrer no fundo das enseadas solitárias, riscando sobre a praia sua orla de espuma. A vaga embaladora não seria a imagem do pensamento humano, sempre inquieto, sempre fremente e agitado?

Revejo a floresta profunda, toda cheia de murmúrios de uma vida invisível; a floresta assombrada pelos espíritos dos antepassados que encantam os santuários onde se realizam os sacrifícios e os ritos sagrados. Essa floresta céltica era tão vasta que seriam precisos meses inteiros para atravessá-la; tão espessa, tão cerrada, que no verão o tempo era escuro em pleno meio-dia, sob suas abóbadas verdejantes, imponentes como naves de catedral.

Todo celta guarda no coração o amor ardente, imperecível, da floresta. Ela é para ele um símbolo de força e de vida imortal. Após o fim do inverno, não renasce ela na primavera, assim como a alma, após um tempo de repouso, volta à Terra para manifestar os poderes da vida que estão nela?

Nesse ponto, como em muitos outros, o ensino dos druidas se inspirou nos espetáculos da natureza. No estudo de suas leis, eles acharam uma fonte abundante de lições sempre vivas e expressivas, sempre ao alcance dos homens que ofereciam uma base sólida, uma força incomparável para suas convicções. Daí nenhuma dúvida, nenhuma hesitação, visto que eles pensavam que a natureza era uma emanação da vontade divina. É por estar afastada dela e por ter desconhecido suas leis que, desde então, o homem caiu no ceticismo e na negação. Mas então uma fé nova e pura brotava das almas, como a fonte límpida jorra do solo sob a ramagem dos grandes bosques. Espírito impetuoso e ardente, dela me impregnei a tal ponto que, apesar das vicissitudes de numerosas existências, ainda lhe guardo uma profunda impressão.

Eu gostava de penetrar nos círculos de pedra (cromlechs) onde se evocavam os espíritos dos mortos. Escutava, com ansiedade, as lições dos druidas, que nos entretinham com as narrações das lutas da alma no “Abred”, para conquistar a ciência e a sabedoria, e sua plenitude de vida no “Gwynfyd”, para posse da virtude, do génio e do amor. Sob a indicação do Mestre, eu me aplicava em aprender e recitar os inúmeros versos que constituíam o ensino sagrado.

Por essas experiências repetidas, consegui dar à minha memória a destreza e a duração que dela fizeram o precioso instrumento de estudo e de trabalho que me seguiu em todas as minhas vidas ulteriores.

No curso de minha vida atual eu queria rever as paisagens imponentes que, nesses tempos longínquos, com a ajuda de minhas primeiras existências terrestres, me tinham impressionado tão fortemente.

Segui, detalhadamente, os cortes da costa bretã e os restos dos grandes promontórios que as investidas da tempestade reduziram, de século em século. Nessa luta gigantesca, o oceano leva a melhor e o continente recua.

O homem impotente se resigna, porém, como ele se vinga na floresta!

No lugar dos santuários druídicos, ambientes augustos e sagrados, não se vê senão urzes informes sem encanto e sem beleza. Eu queria percorrer Brocéliande, a floresta encantada onde Merlin e Viviane abrigavam sua paixão e seus sonhos; encontrei somente uma floresta devastada pelo machado, com as grandes superfícies desnudas, semelhantes às manchas leprosas sobre um solo empobrecido. A fonte de Baranton, de águas mágicas, é agora uma cloaca onde se agitam batráquios indefinidos.

Os próprios nomes foram mudados, Brocéliande tornou-se a floresta de Paimpont, propriedade do bispo de Nantes, que procedeu a derrubadas frequentes. E o mesmo ocorreu por toda a parte em que se estendeu a floresta céltica. Onde estão essas abóbadas de verde que os raios de sol atravessavam com muito custo para se lançarem sobre os musgos e as samambaias?

Mas quando a Terra tiver perdido o seu adorno e se tornar calva e nua, quando as águas pluviais rolarem em torrentes devastadoras, para onde o homem voltará seus olhares para desfrutar do espetáculo do Universo? Um de nossos eminentes políticos não declarou que as luzes do céu foram extintas? Mas não, Viviani está morto e as estrelas brilham ainda no seio das noites profundas. Elas nos falam do poder, da sabedoria, da bondade do Criador! Elas serão sempre um símbolo de eterna esperança para a humanidade!
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LÉON DENIS, O Génio Céltico e o Mundo Invisível, Primeira Parte OS PAÍSES CÉLTICOS, CAPÍTULO IV A Bretagne francesa. Lembranças druídicas 3 de 3, 15º fragmento.
(Imagem: A Apoteose dos heróis franceses que morreram por seu país durante a guerra da Liberdade, pintura de Anne-Louis Girodet-Trioson)

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