Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

domingo, 21 de abril de 2019

O Mundo Invisível e a Guerra ~

XVII

~~~ O Espiritismo e a renovação das vidas anteriores |

(Setembro de 1918)

De entre as experiências que diariamente vêm aumentando o número das provas e dos testemunhos com que se fortalece o Espiritismo, devem ser citadas as que visam a renovação da memória, isto é, a reconstituição no ser humano das lembranças anteriores ao nascimento. Mergulhado num sono hipnótico, o indivíduo se desprende do seu invólucro físico, se exterioriza e, nesse estado psíquico, sente que o círculo de sua memória normal se dilata. Todo o seu passado remoto se desenrola diante dele, em sucessivas fases, podendo reproduzir; reviver as suas cenas principais e mesmo os mais simples acontecimentos, à vontade do experimentador.

Há pouco chamei a atenção do coronel de Rochas para os factos dessa espécie, conseguidos por experimentadores espanhóis e apresentados ao Congresso Espírita e Espiritualista de 1900, realizado em Paris. O coronel, já conhecido pelos seus trabalhos sobre a exteriorização da sensibilidade e da motricidade, prosseguiu as suas pesquisas no sentido que eu lhe indicara e alcançou notáveis resultados. O conjunto desses factos está narrado em sua obra As Vidas Sucessivas.

Os factos obtidos em Aix-en-Provence, na presença do Dr. Bertrand, prefeito da cidade, e do Sr. Lacoste, engenheiro, cujos testemunhos posteriores recolhi no decorrer de uma série de conferências, possuem sérias garantias de autenticidade.

Nessas sessões, a pessoa adormecida era uma jovem de 18 anos, que falava a respeito das suas existências passadas, revivendo-lhe os acontecimentos com realismo e com uma vivacidade de impressões e de sensações que não podem ser fingidas, porque para tanto seriam necessários profundos conhecimentos de patologia, que a pessoa não podia possuir, segundo todas as testemunhas.

As experiências de Grenoble, com outra pessoa, de nome Josephine, permitiram a verificação das condições no tempo e nos lugares onde viveu uma das suas existências anteriores com o nome de Bourdon.

Em compensação, algumas narrativas do livro nos parecem muito menos certas, menos aceitáveis, devidas, em grande parte, à imaginação da sujet, elemento contra o qual devemos estar sempre prevenidos no trato com esses fenómenos. O coronel de Rochas nem sempre foi feliz na escolha dos seus médiuns.

As informações colhidas em Valence e em Hérault mostram que algumas delas não são dignas de confiança. Desse livro colhemos certas observações que achamos poder reproduzir aqui:

“As lembranças – diz o autor – concentram-se em factos mais ou menos distantes, à medida que a hipnose se aprofunda.

A sugestão tem menos domínio quando o sono é mais profundo e, ao despertar, o indivíduo não guarda nenhuma recordação do que disse ou do que fez em transe. Cada vez que o indivíduo passa por uma vida diferente, a sua fisionomia fica de acordo com a personalidade manifestada. Tratando-se de um homem, a palavra, o tom e as maneiras diferem sensivelmente do tom e dos gestos de uma mulher. O mesmo acontece quando passa pela fase infantil.”

Os experimentadores espanhóis, dos quais já falamos, haviam feito a mesma verificação, pois à medida que os seus pacientes remontavam às existências passadas, a expressão do seu olhar se tornava cada vez mais selvagem.

O coronel de Rochas narra as impressões pessoais que teve em Roma e em Tivoli, a respeito do que ele considera lembranças de vidas passadas, terminando a sua obra dizendo o seguinte:

“A teoria espírita baseia-se em fundamentos sólidos e, em qualquer caso, é a melhor das hipóteses de estudo que temos formulado.”

Devo confessar que participei em experiências dessa espécie por muito tempo, com a diferença de que, ao contrário de agir fluidicamente sobre os médiuns, deixava que os meus protectores invisíveis os adormecessem, limitando-me a estimulá-los com as minhas perguntas e observações. Com efeito, seria errado acreditar que a presença de um magnetizador seja imprescindível. Ao contrário, se a pureza das suas intenções não é completa, a sua intervenção pode ser prejudicial, pois introduz nas sessões um elemento de perturbação que compromete a veracidade dos resultados.

Quando estamos certos de uma protecção segura do Além, é melhor entregarmos a direcção das experiências às entidades invisíveis. Os meus guias deram-me tais provas do seu poder, do seu saber e de sua elevação que a minha confiança neles foi absoluta.

Deixo por relatar aqui os pormenores dos factos obtidos nessas condições, porque com eles se mistura um elemento pessoal e muito íntimo que me tira a liberdade de os divulgar.

As experiências do coronel de Rochas, assim como as da mesma natureza que acabamos de apresentar, devem ser consideradas como ensaios, tentativas de reconstituição de lembranças de vidas passadas, porque os resultados ainda são parciais e limitados. Mesmo que não se veja nelas senão experiências, deve reconhecer-se que nos dão indicações valiosas sobre os processos a serem empregados e nos demonstram que existe ali um vasto campo de investigações, um conjunto de elementos capazes de renovar toda a Psicologia, desfazendo o mistério vivo que trazemos em nós.

Essas experiências são delicadas e complicadas; exigem muita prudência, em virtude das inúmeras dificuldades com que nos deparamos. Pode ler-se na Revue Spirite, de Julho de 1918 (i), as instruções do espírito William Stead (*) sobre os processos aplicáveis a tal género de pesquisas. Não insistiremos mais nesse ponto, todavia voltaremos às enormes consequências que tais estudos terão quando adquiram desenvolvimento suficiente, não se podendo negar que existe ali o gérmen de uma verdadeira revolução no conhecimento do ser.

É um fenómeno que impressiona (nas experiências bem dirigidas) vermos o passado aparecer, pouco a pouco, dos cantos obscuros de nossa memória e, nos seus acontecimentos, acompanhar o rigoroso encadeamento das causas e dos efeitos que regem todos os nossos actos, que dominam o mundo moral tanto quanto o mundo físico e que representam a trama, a própria lei dos nossos destinos. Nela aparece evidente a lei de justiça e ninguém a pode contestar.

Essas experiências ainda têm outra consequência, não menos importante: ensinam que a personalidade humana é muito mais vasta e mais profunda do que se pensava. O homem possui não apenas elementos vitais pouco conhecidos, mas também faculdades latentes, desconhecidas, cuja manifestação, plena e total, o nosso organismo não permite, mas em certos casos se revelam: a telepatia (i), a premonição (i) e a visão à distância (i). O mesmo acontece com as camadas de nossa memória onde dorme o passado; no decorrer das experiências de que falamos este reaparece saindo da sombra.

A nossa própria história se desenvolve automaticamente e as recordações acordam aos montes, revelando energias ocultas. Podemos apoderar-nos delas, colocá-las em acção para uma boa direcção de nossa vida, para a transformação do nosso porvir e de nosso destino.

Ali, na imortal consciência individual, reside a sanção de todas as coisas. A consciência se recupera no Além, não limitada e abafada como no mundo terreno, mas na sua plenitude, tal qual se nos aparece no transe, com uma tamanha intensidade que o ser evolvido revive o seu passado nas suas alegrias e dores, com tal poder, que se torna para ele uma fonte de venturas ou de tormentos.

Eis aí o que todo o homem deve saber, e um dia saberá, esse conhecimento profundo do ser que o Espiritismo proporcionou. Ele foi o primeiro a orientar a atenção dos experimentadores para esse conhecimento, mostrando-lhe os lados misteriosos, inexplorados da nossa natureza, ensinando o homem a medir a extensão do seu poder, de toda a sua grandeza e de todo o seu porvir.

Não existe, portanto, exagero ao dizer que o Espiritismo, depois de 50 anos de vida, exerce e exercerá, cada vez mais, uma crescente influência, trazendo transformações consideráveis à Ciência, à Literatura e até às Igrejas, como o apresentaremos em próximo artigo.

A grande doutrina das vidas sucessivas da alma, divulgada na França por todos os espíritos nas suas mensagens e comunicações, constitui uma revelação, um ensinamento filosófico de grande importância.

Ela também se apoia em testemunhos quase universais, porque, com excepção do neocristianismo, todas as religiões e quase todas as filosofias, em princípio, a admitem.

Além disso, se beneficia com a possibilidade, que só ela possui, de resolver logicamente os antagonismos aparentes e os obscuros problemas da vida. É verdade que, no campo das provas e dos factos, essa doutrina, até aqui, não possuía senão as reminiscências de alguns homens especialmente dotados, recordações infantis e renascimentos ocorridos em condições anunciadas e bem marcadas.

Graças aos fenómenos de renovação da memória, abre-se, proveitosamente, um vasto campo de observações e nessas experiências se obterá a força e a certeza necessárias para enfrentar e desafiar todas as críticas e ataques.

À medida que as etapas se desenrolam, enquanto o sujet se encontra em transe, entendemos melhor o encadeamento dos destinos do ser. A lei do progresso, por exemplo, destaca-se com mais evidência no conjunto de nossas vidas individuais do que na história das nações que, muitas vezes, são levadas para abismos, pela cobiça desmedida dos seus soberanos e dos seus déspotas, como actualmente está a suceder.

Nos fenómenos tratados, é interessante verificar-se a personalidade humana sair, gradativamente, da vida selvagem e da barbárie e ir se esclarecendo, aos poucos, com a civilização.

livre-arbítrio do homem frequentemente se exerce ao contrário da lei do progresso, prejudicando-a; entretanto as suas consequências são mais sensíveis para o indivíduo do que para a colectividade, que se renova de tempos em tempos por elementos inferiores, provenientes de mundos mais atrasados do que a Terra.

Sucede o mesmo, como já afirmámos, com a ideia de justiça, encontrada, em inteira aplicação, na sucessão de novas vidas. As recordações comprovam que todas as nossas vidas são solidárias umas com as outras e unidas entre si pelo liame de causa e efeito.

Poderíamos comparar cada uma delas a uma corrente que carrega ora o lodo do fundo, ora as pepitas de ouro e as pedras preciosas que trazemos das nossas vidas passadas.

Qualquer acto importante, cedo ou tarde, tem inevitável influência nos nossos destinos. Um devasso sedutor renascerá no outro sexo, para sofrer, por sua vez, os danos que causou.

Um homem que detinha um segredo de Estado e o divulgando, traiu o seu país, retornará surdo e mudo noutra existência. Outros, ainda mais culpados, desde a infância serão feridos pela cegueira, porque cada falta grave determina uma privação de liberdade que se traduz pela colocação de nossas almas em corpos disformes, doentes e miseráveis.

Não se conclua daí que todos os doentes são criminosos do passado! Muitos bons espíritos, sabendo que as provações ajudam o nosso aperfeiçoamento, escolhem existências difíceis e dolorosas, para alcançar um grau a mais na hierarquia espiritual.

Compete, sabermos, sofrer para nos juntarmos às almas nobres que progrediram pela dor; sabermos sofrer para conseguir o direito de participar da existência delas, do seu trabalho e da sua missão. Além disso, a vida é um meio de educação e de progresso, sendo a provação um cadinho onde se aperfeiçoam as criaturas.

Diante de nós, não temos os notáveis exemplos dos mártires de todas as grandes causas, os exemplos de Jeanne d’Arc na prisão e o de Jesus no calvário, estendendo os braços sobre o mundo, do alto da cruz, perdoando e abençoando? Eles não eram culpados, porém espíritos heróicos que desejavam subir mais alto na vida celestial, dando-nos uma grande lição!

A reconstituição das reminiscências está concorde com as revelações dos espíritos, apresentando-nos no padecimento humano, em muitos casos, o resgate das faltas cometidas, a reparação do passado, através do meio por onde se realiza a soberana justiça.

Realizado o resgate, a criatura se prepara para novos progressos, porém a sua memória não desaparece integralmente e os nossos actos surgem e revivem, ao comando do espírito, com espantosa intensidade. Quanta emoção, quando, invocando o passado, desfila perante o tribunal da consciência o cortejo das desagradáveis recordações! Como fugir de tal obsessão, das tristezas e remorsos e dos sofridos arrependimentos?

No ocaso da vida, o homem passa em revista os actos que constituíram o seu curso. Quantos motivos para a amargura e sofrimento moral vai neles encontrar!

O que não representará para o espírito, na análise da sua longa série de existências passadas, a recordação de seus pormenores?

Pouquíssimas almas jovens no início, na sua fraqueza e na sua ignorância, conseguiram evitar as quedas, os desfalecimentos e até os crimes. Para tais males só existe um remédio: juntar tantas vidas úteis e proveitosas, tantas obras de dedicação e de sacrifício que, comparadas às faltas primitivas, estas passem a ter pouco valor.

As reminiscências mais distantes permanecem vivas para o espírito, da mesma forma que as impressões da infância para o velho. É que, na sua essência, o espírito escapa ao tempo; volvendo à vida do espaço, o tempo já não existe para ele; o passado e o futuro se misturam no eterno presente.

Tal constância das recordações tem valor moral: durante o seu progresso o espírito adquire faculdades e poderes dos quais se envaideceria, caso não se lembrasse do pouco que foi e do mal que praticou.

Tais lembranças são uma punição para o orgulho e, ao mesmo tempo, motivo de indulgência para com os erros e os desfalecimentos do próximo. Realmente, como poderíamos ser duros e inclementes com os outros, por causa de suas fraquezas, se nós mesmos as cometemos?

Geralmente as vidas culpadas, pelas reparações que acarretam, convertem-se, para o ser, noutros tantos estimulantes, noutras tantas provações, obrigando-o a se adiantar na senda do progresso, sendo que as vidas apáticas, incolores, vacilantes entre o bem e o mal, são de pouco proveito para ele.

Graças às vidas de lutas e provações, os caracteres se fortalecem, a experiência se consegue, as riquezas da alma se desenvolvem. O mal transforma-se, aos poucos, em força para o bem. Na imensa evolução humana tudo se transforma, se depura e se eleva. Tão logo chegados às celestes alturas, os elementos das nossas vidas sucessivas se fundem em uma unidade harmoniosa e divina.

/…
(*) William Thomas Stead (1849-1912), foi um editor de um jornal inglês, pioneiro do jornalismo investigativo (i) e pacifista. Stead estava a bordo do RMS Titanic (i) e morreu durante o naufrágio do transatlântico (i). Era considerado um dos mais famosos ingleses a bordo. Na década de 1890, Stead, se foi tornando cada vez mais interessado no espiritualismo (i). Fonte: Wikiwand, ver notícia completa (i). Nota desta publicação.


LÉON DENIS, O Mundo Invisível e a Guerra, XVII O Espiritismo e a Renovação das Vidas Anteriores, Setembro de 1918, 32º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Willim Stead, foi um editor de um jornal inglês, pioneiro do jornalismo investigativo, pacifista, interessado espiritualista pesquisador e editor, que ia a bordo do Titanic e morreu no naufrágio do transatlântico.

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