Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

terça-feira, 9 de janeiro de 2018

o sentido da vida ~


Imortalidade Pessoal ~

No seu avanço para a frente, o Espiritismo condena a volta ao realismo medieval, as explicações empíricas dos modernos filósofos, da era científica, mostrando-lhes a incoerência da sua posição intelectual, e indica ao pensamento filosófico actual a única recta segura para a solução da incógnita humana. Essa recta é a da investigação dos fenómenos anímicos e espíritas, com o livre espírito científico, despojado de todos os obstáculos de preconceitos, que hoje embaraçam e perturbam os que tentam aventurar-se nesse terreno. Frederic MyersWilliam CrookesCharles Richet e todos aqueles que prosseguiram a obra desses pioneiros, até Oliver Lodge, e presentemente o trabalho obscuro mas sereno e fecundo, das sociedades de pesquisas psíquicas da Europa e da América, das instituições metapsíquicas e das mais recentes sociedades de parapsicologia, estabeleceram suficientemente as linhas dessa tarefa gigantesca de aclaramento do passado, do presente e do futuro do homem terreno.

De nada valem e nada significam, para todo aquele que for capaz de um pouco de raciocínio livre, as comuns alegações dos nossos cientistas e filósofos, com referência às dificuldades de trabalho. Essas alegações podem ser divididas em três grupos distintos, fora dos quais dificilmente poderíamos colocar uma só das desculpas apresentadas:

a) a natureza vaga e imprecisa dos fenómenos, que não se prestam a verificações concretas de laboratório, nem se subordinam às condições específicas que permitam a sua produção sistemática;

b) a dificuldade de aplicação dos métodos científicos ao elemento mediúnico, geralmente empolgado por concepções religiosas, e aos círculos místicos em que eles actuam;

c) a inexistência dos fenómenos, que decorrem de simples actos de prestidigitação, de ilusionismo e de esperteza, de acordo com as indicações das numerosas fraudes já descobertas e denunciadas.

A primeira dessas alegações não tem sentido algum, do ponto de vista científico, embora a encontremos quase sempre associada à segunda, na maioria das justificativas dos homens de ciência, pelo seu desinteresse com referência ao assunto. No livro de Eva Curie sobre a vida de sua ilustre mãe, madame Curie, encontramos a alegação de que o famoso casal descobridor do polonium e do radium se teria desinteressado das pesquisas psíquicas, em virtude unicamente daquelas razões.

É interessante notar que cientistas habituados a todas as subtilezas das mais avançadas teorias científicas, empenhados em pesquisas e soluções que vão dos problemas esquivos da física nuclear até às fórmulas matemáticas, mas nem por isso menos complexas, da teoria da relatividade, aleguem subtilezas e dificuldades para fugir ao terreno das pesquisas metapsíquicas e espíritas. Mais interessante ainda é verificar-se a insistência daqueles que podemos classificar, em geral, como negativistas, sejam homens de ciência, filósofos, intelectuais ou homens comuns, no afã de procurar, sempre e a todo custo, qualquer outra explicação para os fenómenos, que não a espírita. Há uma verdadeira fobia, da parte dessas pessoas, pelo Espiritismo.

Carlos Imbassahy, no final do seu valioso livro Ciência Metapsíquica, em que analisa a conferência de Richet, de despedida da Academia, pronunciada na Faculdade de Medicina de Paris, a 24 de Junho de 1925, traça um rápido estudo dos motivos dessa fobia.

Diz na sua última consideração, o sr. Imbassahy:

“Não iremos buscar no subconsciente os fenómenos espiríticos, mas, pelo contrário, a aversão que eles causam. Nela é que se encontrará a razão pela qual a hipótese dos espíritos é tão violentamente afastada. Os que a afastam, nem sempre têm consciência do motivo pelo qual o fazem.”

Parece-nos a mais justa tese proposta por Imbassahy. Os meandros do subconsciente, que tudo explicam para certas pessoas, e que nunca lhe pareceram mais difícil de devassar do que o “mistério” dos fenómenos objectivos do Espiritismo, encerra os motivos múltiplos, as causas alérgicas desse desinteresse “científico” pela hipótese espírita. Um trabalho mais aprofundado, nesse terreno, mostrará mais hoje, mais amanhã, qual a verdadeira posição dos homens que acham impossível tratar-se cientificamente matéria já tratada dessa mesma maneira por homens como Crawford, Hyslop, Osty, Geley, Myers, Aksakof e tantos outros nomes, que seria fastidioso enumerá-los.

No seu livro Raymond, sir Oliver Lodge, um dos nomes de maior evidência na física moderna, declara taxativamente:

“Estou convencido da sobrevivência da personalidade depois da morte, como o estou da minha existência na Terra. Poderão alegar que essa convicção não se baseia na experiência dos meus sentidos. Responderei que sim. Um cientista especializado em física não está sempre limitado pelas impressões sensoriais directas; lida com uma multidão de coisas e conceitos para os quais os seus sentidos são como inexistentes. A teoria dinâmica do calor, por exemplo, e a dos gases; as teorias da electricidade, do magnetismo, das afinidades químicas, da coesão e até o conceito do éter, nos levam a regiões onde a vista, o ouvido, o olfacto e o tacto são impotentes para qualquer testemunho directo. Em tais regiões tudo tem de ser interpretado em termos do insensível, do não-substancial, do imaginário. Não obstante, essas regiões de conhecimento tornam-se-nos tão claras e vivas como as coisas materiais. Fenómenos comuníssimos requerem interpretações baseadas nas ideias mais subtis – a própria solidez aparente da matéria pede explanação – e as entidades não materiais com que os físicos jogam, gradualmente revelam tanta realidade como tudo quanto eles conhecem sensorialmente. Como lord Kalvin costumava dizer, “nós, de facto, sabemos mais a respeito da electricidade do que da matéria.”

A essas afirmativas de Lodge, podemos juntar o testemunho científico e poderoso de Richet, com o seu Tratado de Metapsíquica, o de William Crookes, nos Factos Espíritas, e o de Imoda, nas suas Fotografias de Fantasmas, para mostrar que a existência dos espíritos e a sua comunicabilidade se revestem, muitas vezes, de carácter mais decisivamente material do que a de muitos dos próprios elementos comummente tratados pela ciência. E isto, para ficarmos apenas nesses, entre as centenas de testemunhos da mesma natureza e do mesmo valor.

Esses testemunhos revelam ainda a insustentabilidade das alegações de que os fenómenos espíritas não se prestam a verificações concretas de laboratório. Se os fantasmas foram apalpados por Crookes e Richet, fotografados por Imoda e por aqueles dois cientistas, e por muitos outros e continuam a ser fotografados, e se o próprio ectoplasma, extraído do médium, foi submetido à análise química, é evidente que tais alegações não passam de escusas sem fundamento.

Quanto às condições, também não procedem as desculpas. Um pouco mais de interesse e de persistência no terreno das pesquisas dariam aos interessados, por certo, as linhas seguras da produção do fenómeno. Basta dizer que, apesar desse desinteresse, já sabemos hoje que certas coisas são necessárias para a produção de certos fenómenos. Alegar que, apesar disso, muitas vezes os fenómenos não se realizam, é procurar outra desculpa. Se os fenómenos não se realizam, alguns dos elementos necessários devem estar em falta. O experimentador consciencioso e paciente, e por isso mesmo cientista, ao invés de se afastar do terreno por supor a existência de tal dificuldade, procuraria descobrir as razões da falha. Pois é evidente que até mesmo nas reacções químicas mais comuns não podemos desprezar os elementos indicados, e que a simples deterioração de um desses elementos poderia impedir a produção do fenómeno.

No tocante à alegação de que o misticismo do médium ou dos componentes do grupo a que ele pertence impede a aplicação dos métodos científicos, é também absolutamente desprovida de razão. Os factos já relatados, os trabalhos realizados por grandes cientistas, demonstram o contrário. E seria mais ou menos como afirmar que o espírito místico do povo impediria a aplicação de métodos científicos no estudo de casos religiosos, das manifestações de histeria, das chamadas auras milagrosas e dos fenómenos de estigmatização. A verdade é bem outra.

Muitos médiuns não possuem esse espírito místico e religioso. O doutor Luiz Parigot de Sousa, médico paranaense, um dos maiores médiuns de efeitos físicos e de voz-directa já conhecidos no Brasil, tinha dúvidas a respeito da existência de Deus e manifestava má vontade pelas manifestações religiosas, segundo o testemunho dos jornalistas Odilon Negrão, Wandyck Freitas e outros, que com ele privaram. Não obstante, foi esse médium quem, através de suas poderosas faculdades, convenceu o doutor Osório César, anatomo-patologista do hospital de Juquery, em São Paulo, de que o seu trabalho, Misticismo e loucura, contra o Espiritismo, estava errado nas premissas e nas conclusões. Outro médium, ainda jovem, residente em São Paulo, José Correa das Neves, conhecido por Zezinho, possuidor de faculdades semelhantes, não tem podido ser suficientemente estudado em virtude da sua falta de firmeza e de orientação no terreno religioso. Fosse ele um dos místicos a que se referem os inimigos do Espiritismo, e talvez se submetesse mais facilmente, sem tanta relutância, a experiências sistemáticas. Há outros que, muito religiosos, nem por isso se esquivam a trabalhos científicos. É evidente também que nenhum verdadeiro cientista alegará como motivo de impossibilidade para a realização de estudos o facto de alguns médiuns se mostrarem arredios e esquivos. O papel da ciência é justamente o de superar todas as dificuldades opostas pela natureza às suas investigações.

A terceira série de alegações procede de poucos cientistas e de muitos clérigos. Dizer que os fenómenos não existem, que não passam de fraudes e mistificações, é simplesmente querer tapar o sol com peneira. Os fenómenos não somente existem – e são facilmente constatáveis por milhares de pessoas, em todo o mundo –, como constam de trabalhos científicos de fôlego, irrefutáveis com uma simples negativa.

Mas há ainda uma quarta ordem de alegações contra o Espiritismo. Essa, parte exclusivamente do clero, seja de protestantes ou de católicos, e atribui a existência dos fenómenos à intervenção do demónio. É tão pueril essa atitude, que não vemos necessidade alguma de refutá-la. Entretanto, como Kardec, podemos lembrar que também aos ensinamentos e aos milagres de Jesus, os clérigos da época respondiam com a mesma acusação. Veja-se, por exemplo, a admirável descrição evangélica da cura de um jovem cego junto ao tanque de Siloé (João, IX: 1-34) e o que disseram os sacerdotes judeus a respeito.

Devemos, entretanto, assinalar nesse terreno o facto auspicioso de que alguns sacerdotes já começam a compreender a inconveniência de tal acusação. Ainda agora nos chega de Inglaterra a notícia de que a Igreja Anglicana, a velha igreja oficial do império, acaba de publicar um relatório, elaborado por vários sacerdotes, que confirma a existência das comunicações espíritas, sem atribuí-las ao demónio. O conhecido pastor protestante, rev. Otoniel Motta, publicou recentemente um opúsculo intitulado Temas espirituais, em que descreve as suas incursões pelo mundo dos fenómenos espíritas, confirmando a existência da comunicação de espíritos, e não de simples artimanhas do Diabo. E o ex-padre católico, Huberto Rohden, figura que foi do mais alto destaque do clero brasileiro, hoje afastado da igreja e “refugiado” em Washington, onde lecciona numa grande Universidade, acaba de publicar algumas notas biográficas, nessa capital, na revista protestante Unitas, números de Julho e Agosto de 1950, relatando as suas pesquisas psíquicas, sob a orientação do padre jesuíta Aloísio Gatterrer, na Áustria, para chegar à mesma conclusão de que não se trata simplesmente de artimanhas do Diabo.

Assim, como vemos, a sobrevivência individual, a imortalidade pessoal, em contradição à tese reaccionária do panteísmo-realista, a que nos referimos no capítulo anterior, firma-se através de todas as evidências. É ela confirmada pelo cientista insuspeito e liberto de injunções dogmáticas ou de fobias subconscientes, reconhecida pelos clérigos de pensamento mais arejado, constatada por todos os que lidam com sessões práticas de Espiritismo, reafirmada gloriosamente nas obras de estudos metapsíquicos e espíritas. Só mesmo os cegos que não querem ver – e são, como se sabe, os piores cegos – teimam na expectativa, já agora sem razão, de um desmentido da ciência oficial a essa grande esperança da humanidade.

Entretanto, como dissemos acima, se querem os cientistas considerar inócua, suspeita, cientificamente inaceitável, toda a obra de investigação realizada até agora, só lhes resta um caminho honesto: o da realização de investigações sistemáticas, insistentes e profundas, nesse terreno. Que se armem as academias do espírito necessário a essa grande tarefa, mostrando, de uma vez por todas, que, se dizem não acreditar, também podem provar que não temem os fantasmas.

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José Herculano Pires, O Sentido da Vida, Imortalidade Pessoal, 9º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: Platão e Aristóteles, pormenor d'A escola de Atenas de Rafael Sanzio, 1509)

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