as leis | universais ~
Repitamos: todas as obras científicas produzidas há
meio século nos demonstram a existência e a acção das leis naturais. Essas leis
estão ligadas por uma outra, superior, que as abrange inteiramente, regularizando-as
e elevando-as à unidade, à ordem e à harmonia. É por essas leis, sábias e
profundas, ordenadoras e organizadoras do Universo, que a Inteligência Suprema
se revela.
Certos sábios objectam, na verdade, que as leis universais
são cegas. Mas, de que forma leis cegas poderiam dirigir a marcha dos mundos
no Espaço, regular todos
os fenómenos, todas as manifestações da vida e, isso com precisão admirável? Se as
leis são cegas, diremos, evidentemente, devem agir ao acaso. Mas o acaso é a
falta de direcção é a ausência de toda inteligência actuante. É, pois, o acaso
inconciliável com a noção de ordem e de harmonia.
A ideia da Lei parece-nos, portanto, inseparável da ideia
da Inteligência, porque é obra de um pensamento. Somente ele pode
dispor e ordenar todas as coisas no Universo. E o pensamento não pode
produzir-se sem a existência de um ser que seja o seu gerador.
Não há lei possível fora e sem o concurso da inteligência e
da vontade que a
dirige. De outra forma, a lei seria cega, como opinam os materialistas; iria ao
acaso, à mercê da corrente. Seria exactamente qual um homem que quisesse seguir
certa estrada sem o auxilio da vista: cairia em qualquer fosso, depois de dar
alguns passos. Assim é-nos permitido afirmar que uma lei cega não seria mais uma lei.
Acabámos de ver que as pesquisas da Ciência demonstram a
existência das leis universais. Todos os dias essa ciência se adianta, não raro
a contragosto, é verdade; mas, enfim, avança, pouco a pouco, para a grande
unidade que entrevemos no fundo das coisas.
Não há, sem exceptuar mesmo os próprios positivistas e
os materialistas,
quem não seja arrastado por esse movimento de ideias. Se encaminham, sem disso
se aperceberem, para a percepção grandiosa que reúne todas as forças, todas as
leis do Universo. Com efeito, poder-se-ia provar que Auguste Comte, Littré, o Dr.
Robinet, toda a escola positivista, em suma, se entrega, a respeito desses
assuntos, às mais flagrantes contradições. Rejeitam a ideia do
absoluto, a de uma causa geradora e, proclamam e até provam que “a Matéria é a
manifestação sensível de um princípio universal”. Na opinião deles,
“todas as ciências se superpõem e acabam reunindo-se numa generalidade suprema
que põe o selo na sua unidade”. Segundo Burnouf, “a Ciência está prestes a
chegar a uma teoria, cuja fórmula geral confirmaria a unidade da substância, a
invariabilidade da vida e a sua união indissolúvel com o pensamento”.
Ora, que vem a ser essa trilogia da substância, da
vida, do pensamento, essa “generalidade suprema, essa lei universal, esse
princípio único”, que preside a todos os fenómenos da Natureza, a todas as
metamorfoses, a todos os actos da vida, a todas as inspirações do
Espírito? Que é, pois, um centro no qual se resume e se confunde
tudo – que é tudo que vive, tudo que pensa? Que é, senão o
absoluto, senão o próprio Deus?! É verdade que se obstinam a recusar a
inteligência e a consciência a esse absoluto, a essa causa suprema; mas ficará
sempre por explicar de que modo uma causa inteligente – cega,
inconsciente – pôde produzir todas as magnificências do Cosmos, todos
os esplendores da inteligência, da luz, da vida, sem saber que o fazia. Como –
sem consciência nem
vontade, sem reflexão nem julgamento – pôde
produzir seres que reflectem, querem, julgam, dotados de consciência e de
razão?!
Tudo vem de Deus e remonta a Ele. Um fluido mais subtil
que o éter emana do pensamento criador. Esse fluido muito quintessenciado para
ser apreendido pela nossa compreensão, em consequência de combinações
sucessivas, tornou-se o éter. Do éter saíram todas as formas graduadas da matéria e da vida. Chegadas ao ponto extremo da
descida, à substância e
à vida remontam ao
ciclo imenso das evoluções.
Já o vimos, a ordem e a majestade do Universo não se revelam
somente no movimento dos astros, na marcha dos mundos; revelam-se também, de
modo imponente, na evolução e no desenvolvimento da vida na superfície desses
mundos. Hoje, pode estabelecer-se que a vida se desenvolve, se transforma e se apura segundo um plano preconcebido; se aperfeiçoa
à medida que percorre a sua órbita imensa. Começa a compreender-se que tudo
está regulado com vista a um fim, e esse fim é a progressão do ser, é o crescimento contínuo e a
realização de formas, sempre mais perfeitas, de beleza, de sabedoria, de
moralidade.
Pode observar-se em torno de nós essa lei majestosa do
progresso, através de todo o lento trabalho da Natureza; desde as formas inferiores, desde os
infinitamente pequenos,
os infusórios que
flutuam nas águas, elevando-se, de grau em grau, na escala das espécies, até ao homem. O instinto torna-se sensibilidade, inteligência, consciência, razão. Sabemos
também que essa ascensão não pára aí. Graças aos ensinamentos do Além,
aprendemos que prossegue, através dos mundos invisíveis, sob formas cada vez
mais subtis, e prossegue, de potência em potência, de glória em glória, até ao
Infinito, até Deus. E essa ascensão grandiosa da vida só se explica pela
existência de uma causa inteligente, de uma energia incessante, que penetra e
envolve toda a Natureza: é quem rege e estimula essa evolução colossal da vida
para o Bem, para o Belo, para o Perfeito!
O mesmo acontece no domínio moral. As nossas existências
sucedem-se e se desenrolam através dos séculos. Os acontecimentos acontecem sem que consigamos ver o laço
que os liga. Mas a justiça imanente paira sobre todas as coisas: fixa a nossa sorte,
segundo uma Lei, segundo um princípio infalível. Pensamento, palavras,
acções, tudo se encadeia, tudo está ligado por uma série de causas e efeitos
que formam a trama de nossos destinos. (*) Insistamos neste
ponto: é graças à revelação dos Espíritos que a Lei de
Justiça nos apareceu com esse carácter imponente, com as suas vastas
consequências e o encadeamento prodigioso das coisas que domina e rege.
Quando estudamos o problema da vida futura, quando
examinamos a situação do Espírito depois da morte – e é esse o objecto
capital das pesquisas psíquicas –, encontramo-nos em presença de um facto
considerável, pleno de consequências morais. Verifica-se um
estado de coisas que é regulado por uma lei de equilíbrio e de harmonia.
Logo que a Alma transpõe a morte, desde que desperta no
mundo dos Espíritos, o quadro de suas vidas passadas se desenrola, pouco a
pouco, à sua vista. Ela se vê como que num espelho que reflecte fielmente todos
os actos passados, para a acusar ou glorificar. Nada de distracção, nada de
fuga possível. O Espírito é obrigado a contemplar-se,
primeiramente, para se reconhecer ou
para sofrer e, mais
tarde, para se preparar.
Daí, para a maior parte, o remorso, a vergonha e a amargura!
Os ensinamentos de Além-Túmulo fazem-nos saber que nada se perde, nem o bem, nem o mal; que tudo se inscreve, se repara, se resgata, por meio de outras existências terrestres,
difíceis e dolorosas.
Aprendemos igualmente que nenhum esforço é perdido e que nenhum
sofrimento é inútil.
O dever não é palavra vã, e o Bem reina sem partilha acima de tudo. Cada
um constrói dia a dia, hora a hora, muitas vezes sem o saber, o seu próprio
futuro. A sorte que nos cabe na vida actual foi preparada pelas
nossas acções anteriores; da mesma forma edificamos no presente as condições da
existência futura. Daí, para o sábio a resignação ao que lhe é inevitável na
vida presente; daí também, o estimulante poderoso para agir, devotar-se, preparando para
si próprio um destino melhor.
Quantos conhecendo isso não se encherão de medo, pensando no
que está reservado à sociedade actual, cujos pensamentos, tendências e actos
são muitas vezes inspirados pelo egoísmo ou por paixões más; à
sociedade actual, que acumula, assim, acima dela, sombrias nuvens fluídicas
que trazem a tempestade ao seu dorso?
Como não estremecermos em presença de tantos desfalecimentos morais,
diante de tantas corrupções ostensivas?
Como não estremecer, verificando que o sentimento do bem encontra tão pouco
lugar em certas consciências? Como não estremecer, enfim, ao constatar, no
fundo de tantas Almas, o amor desenfreado pelos gozos, a cupidez ou o
ódio?! E se sentimos isso, como hesitar na afirmativa, à face de todos,
para fazer conhecida de toda essa Lei de justiça que os
ensinamentos do Além nos mostram tão grande, tão importante; essa Lei que se executa por si mesma, sem tribunal e sem julgamento, mas à qual não
escapa, no entanto, nenhum de nossos actos; Lei que nos revela uma Inteligência directora
do mundo moral; Lei viva,
razão consciente do Universo, fonte de toda a vida, de todas as leis, de toda a
perfeição!
Eis o que é Deus. Quando essa ideia de
Deus tiver penetrado no
ensino e, daí, nos espíritos e nas consciências,
compreender-se-á que o espírito de justiça não é mais do
que o instrumento admirável
pelo qual a causa suprema
leva tudo à ordem e à harmonia e, sentir-se-á que essa ideia de
Deus é indispensável
às sociedades modernas, que se abatem e perecem moralmente, porque,
não compreendendo Deus,
não se podem regenerar. Então, todos os pensamentos e todas as consciências se
voltarão para esse foco moral,
para essa fonte de eterna justiça, que
é Deus, e ver-se-á transformar a face do mundo.
A justiça não é somente de origem social, como a revolução de
1789 procurou estabelecer. Ela vem de mais alto: é de origem divina. Se os
homens são iguais diante da lei humana é porque são iguais diante da Lei
eterna.
E assim é porque saímos todos da mesma fonte de inteligência e de
consciência; somos todos irmãos, solidários uns com os outros, unidos em
nossos destinos imortais – porque a solidariedade e a fraternidade dos
seres só são possíveis quando estes se sentem ligados a um mesmo centro comum.
Somos filhos de um mesmo Pai, porque a alma humana é emanação da Alma
Divina, uma centelha do
Pensamento Eterno.
Tudo nos fala de Deus, o visível e o invisível. A
inteligência o discerne; a razão e a inteligência o proclamam.
Mas o homem não é somente razão e consciência: é também amor. O que caracteriza o ser
humano, acima de tudo, é o sentimento,
é o coração. O sentimento é privilégio da Alma;
por ele a Alma se liga ao que é bom, belo e grande, a tudo que merece a sua
confiança e pode ser sustentáculo na dúvida, consolação na desgraça. Ora, todos
esses modos de sentir e de conceber nos revelam igualmente Deus, porque a
bondade, a beleza e a verdade só se encontram no ser humano em estado parcial, limitado, incompleto. A
bondade, a beleza e a verdade só podem existir sob a condição de encontrar o
seu princípio, plenitude e
origem em um ser que as possua no estado superior, no estado infinito.
A ideia de
Deus impõe-se por
todas as faculdades do nosso Espírito, ao mesmo tempo que nos fala aos olhos
por todos os esplendores do Universo. A Inteligência suprema revela-se a causa
eterna, na qual todos os seres vêm haurir a força, a luz e a vida. Aí está o
Espírito Divino, o Espírito Potente, que veneramos sob tantas denominações; mas,
sob todos esses nomes, é sempre o centro, a lei viva, a razão pela
qual os seres e os mundos se sentem viver, se conhecem, se renovam e se elevam.
Deus fala-nos por todas as vozes do Infinito. E
fala não em uma Bíblia escrita há séculos, mas em uma bíblia que se escreve
todos os dias, com esses
característicos majestosos que se chamam oceanos, montanhas e astros do céu;
por todas as harmonias, doces e graves, que sobem do imo da Terra ou descem dos
espaços etéreos. Fala ainda no santuário do ser, nas horas de silêncio e de
meditação. Quando os ruídos discordantes da vida material se calam,
então a voz interior, a
grande voz desperta e se faz ouvir. Essa voz sai das profundezas da consciência
e fala-nos dos deveres, do progresso, da ascensão da criatura. Há em
nós uma espécie de retiro
íntimo, uma fonte profunda de onde podem jorrar ondas de vida, de amor, de
virtude, de luz. Ali se manifesta esse reflexo, esse gérmen divino, escondido
em toda a Alma humana.
Por isso a Alma humana constitui-se o mais belo testemunho que se
eleva em favor da existência de Deus; é uma irradiação da Alma
Divina. Contém, em estado de embrião, todas as potências e, o seu
papel, o seu destino consiste em valorizá-las no decurso de inúmeras
existências, em suas transmigrações através dos tempos e dos mundos.
O ser humano, dotado de razão, é responsável, é
susceptível de conhecer-se e tem o dever de se governar. Como disse João
Evangelista: “A razão humana é essa verdadeira luz que esclarece todo o homem
que vem ao mundo.” (João, 1:9). A razão humana, dissemos, é uma centelha da
Razão Divina.
É subindo à
sua origem, é comunicando com a Razão Absoluta, Eterna, que a Alma humana descobre a Verdade e compreende a Ordem e a Lei universais. Assim, direi a
todos: Homens, filhos da luz, ó meus irmãos! Lembremo-nos da nossa
origem; lembremo-nos do fim, durante a viagem da vida! Desprendamo-nos das
coisas que passam! Liguemo-nos às que permanecem!
Não há dois princípios no mundo: o Bem e o Mal. O
Mal é o efeito de contraste, qual a noite o é do dia. Não tem existência
própria. O Mal é o estado de inferioridade e de
ignorância do ser a caminho da evolução. Os primeiros degraus da
escada imensa representam o que se chama o mal; mas, à medida que o ser
se eleva, realiza o bem em si e em torno de si; o mal vai-se atenuando e, depois desvanece. O mal é a ausência do bem. Afigura-se dominar ainda
no nosso planeta, é porque este é um dos primeiros anéis da cadeia, morada
de Almas elementares que se estreiam na rude senda do conhecimento, ou, então,
de Almas culpadas, a caminho de reparação. Nos mundos mais adiantados,
o Bem expande-se e, de degrau em degrau, acaba reinando sem partilha.
O Bem é
indefinível por si mesmo. Defini-lo seria minorá-lo. É preciso considerá-lo,
não na sua natureza, mas nas suas manifestações.
Acima das essências, das formas e das ideias, paira o princípio do Belo
e do Bem, o último termo
que sou capaz de atingir pelo
pensamento, sem o abranger, todavia. Reside na nossa pequenez a impossibilidade
de apreender a existência última das coisas; mas, a sensibilidade, a inteligência e
o conhecimento são
outros tantos pontos de apoio, que permitem à Alma desprender-se do seu estado
de inferioridade e de incerteza, e convencer-se de que tudo no Universo, as
forças e os seres, tudo é regido pelo Bem e pelo Belo. A ordem e a
majestade do mundo, ordem física e a ordem moral, a justiça, a liberdade, a moralidade,
tudo repousa sobre leis eternas; não há leis eternas sem um Princípio superior,
sem uma Razão primeira, causa de toda a Lei. Também o ser humano, tanto
quanto a sociedade, não pode engrandecer-se e progredir sem a ideia de Deus, isto é,
sem justiça,
sem liberdade,
sem respeito por si
mesmo, sem amor; porque
Deus, representando a perfeição, é a última palavra, a suprema garantia de tudo
quanto constitui a beleza, a grandeza da vida, de tudo que faz a potência e a
harmonia do Universo!
/…
(*) Vide Léon Denis, O Problema
do Ser, do Destino e da Dor.
Léon Denis, O Grande Enigma, Primeira parte /
Deus e o Universo, VI As leis universais, 17º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: As majestosas e
violentas palavras dos poemas, pintura em acrílico de Costa Brites)
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