Os dons mediúnicos e poéticos ~
Nos arquivos ainda existentes do Círculo Intimo Lumen, que
nasceu há cerca de meio século em Buenos Aires e numa cidade
próxima, encontram-se alguns poemas mediúnicos de profundidade filosófica relacionados com a espiritualidade humana de
todos os tempos. São poemas-mensagem com a finalidade: alertar os vivos a respeito do que realmente significa esse enigma que se
chama morte. É uma poesia semelhante à clássica, mas na sua profundidade se
percebem como que rumores de um mundo onde os mortos se transfiguram e passam a
ser as verdades vivas do universo.
O homem frente a esse novo tipo de poema aparece como um
desterrado, um solitário ou um prisioneiro de um planeta rude e hostil. Mas
esta poesia, este poema-mensagem que saiu espontaneamente da escrita do
poeta-médium tem o propósito de tirar o homem dos farrapos de sua sabedoria
assente sobre a morte e o nada. O que nos quer oferecer este novo
lirismo poético que rapidamente se generaliza pelo mundo? Supomos que quer
despertar na carne e no nosso espírito dons mediúnicos e poéticos
para nos ajudar a estar aqui existencialmente vivos, já que o demónio da
derrota quer matar-nos no não-ser e na desesperança.
Estes dons espirituais serão salvadores para o espírito
humano. Se eles surgem para iludir as trevas do sepulcro, serão como asas que
permitirão às nossas existências elevar-se acima do túmulo e entrar em relação
com o que críamos mortos para sempre, mas que agora vêm como estrelas fixar-se,
risonhas e cintilantes, nos céus de cada alma reencarnada.
Se esses dons mediúnicos e poéticos
servem para salvar-nos do nada, se aparecem com a sagrada finalidade de
tornar-nos mais aptos a atravessar este chão sem Deus e sem Amor, sejam
bem-vindos. Não devemos ver neles deuses maus nem demónios traidores, nem tão
pouco larvas nem entes loucos. Vejamos neles um sinal do eterno, do realmente
espiritual que há no homem durante toda a sua vida e a forma que tem o que
existe à nossa volta.
Daqueles velhos arquivos escolhemos estes poemas intitulados Declaración
Ultracorporal, que dizem o seguinte:
Vengo de un azur divino,
vengo de un reino sin muerte.
La resurreicción me alza de la tumba
con estas alas celestes.
?Quién soy? ?Qué voz és la mía?
Soy un ala de la eternidad.
Vengo del corazón azul de la Poesía.
Sólo digo la verdad.
E o poeta transfigurado pela vida espiritual prossegue:
?Que estoy muerto? ?Que soy oscura tierra?
?Que la muerte es silencio y sombra?
No, terrestre viajero: el ataúd no encierra
este espíritu que te nombra.
Oid cómo vuelo por el azul espacio
entre resplandores de topado.
Noutro poema mediúnico se lê:
Sonora corneta del aire
traigo.
Despierta carne cansada
de tu sueiio largo.
Oid esta vez cómo los muertos
vienen como hermanos.
La muerte no acaba con ninguno,
no es licor amargo.
La muerte es un ser de luz,
es un dulce milagro.
Si crees que los muertos no cantan,
escucha mis cantos.
Yo era para la tierra un muerto,
ahora soy un pájaro.
Neste poema, uma visão optimista e triunfal nos sugere o
poeta invisível:
Miseria de huesos rotos,
de cenizas frías
eran los hombres invisibles
que al abismo caían.
Todo era aliento de sepulcro,
todo horrible podredumbre
con gusanos sorbiendo la carne,
con honduras sin luces.
Ahora somos resurrecciones,
somos rumores con mensajes:
los muertos de ayer somos campanas,
los muertos vestimos otros trajes.
Oh, amigo medita,
ya la muerte no es zona prohibida.
Um poema cujo conteúdo nos obriga a pensar em Esteban Echeverría,
surpreende-nos com estes conceitos:
Soy la brisa de ayer, la del Plata,
soy la voz dei progreso.
Mi manifesto es de resurrecciones,
soy el dogma de lo bello.
Busco un nuevo Mayo,
pregono otra revolución:
los tiranos caen siempre;
sólo se eleva lá Canción.
El Poeta es sonoro puente
para escuchar la voz de Dios.
!Arriba Argentina!, esta lira
suena de nuevo para vos.
El Dogma ahora es la luz
la Doctrina la revelación,
el Camino seguro la Cruz,
la Ley la evolución,
lo más bello una flor,
lo más potente el amor.
Pois bem, se estes poemas brotaram do subconsciente do médium, se não foi um
espírito que se expressou através dos dons mediúnicos e poéticos,
do mesmo modo possuem um valor literário subjectivo; de igual maneira nos
obrigam a meditar no que pode produzir o subconsciente humano; mas neles se
eleva um Eu, um ser, uma pessoa que se dirige à nossa condição de
espíritos encarnados para
iluminar-nos. São poemas personalizados, que querem falar-nos de coisas
transcendentais. Mostram-se com um Espírito vivo e comunicante, dando-nos a
impressão de já ter passado pela experiência da morte e que agora quer
referir-se mediunicamente a essa suprema experiência para ampliar os nossos
horizontes espirituais e mentais.
É pois um poema que pode provir das profundidades do
subconsciente do espírito tanto encarnado quanto
desencarnado e, notável coincidência, se apresenta como a repetição do que
aconteceu durante o desterro de Victor Hugo na ilha de
Jersey. Porque se o nosso desterro não possui características políticas,
possui por outro lado uma imagem existencial de desterro planetário, que só
pelo que mediunicamente sabemos,
podemos suportar. Não foi em vão que o poeta espírita espanhol Salvador
Sellés exclamou: "A nostalgia do céu me consome!"
E estes dons psíquicos que surgem do homem como faculdades
salvadoras nos falam do vento, de um vento que varre e limpa os nossos
sepulcros corporais:
Mi viento es soplo armonioso
que derriba sistemas de sombra;
mi viento es fuego que quema
las lágrimas de los que lloran.
Soy viento inmortal: escuchadme.
En las tumbas no caben mis alas.
Soy el viento que !lama y escribe
este canto que salva.
Soy viento que sopla barriendo
polvorientos esqueletos.
Soy el viento que vence a la muerte,
soy siempre el Viento.
León
Felipe, que no seu poema ''El Salto'' canta a reencarnação,
disse que o vento é um deus invisível, um ser vivo e
transparente que dá música de eternidade à poesia. Que este vento do Espírito e
dos Espíritos tão querido a Victor Hugo sopre
sobre as nossas angústias existenciais e ajude as nossas asas a elevar-nos na
imensidade sempre sonora, sempre viva, sempre azul. E que Deus nos fale cada
vez mais por estes dons poéticos e mediúnicos para
ressuscitar-nos continuamente desta morte espiritual de todos os momentos.
Síntese
É lamentável que nas esferas literárias não se leve
em conta esta quarta dimensão da literatura que nos descobre a mediunidade. Aceitaram-se
as orientações estéticas do surrealismo, mas como um
fenómeno ligado ao subconsciente caótico e de raízes fisiológicas. Sem
dúvida, o autêntico fenómeno surrealista é uma introdução ao mundo invisível,
ou seja, uma vinculação com o Ser que a morte não poderá destruir jamais. O
surrealismo é um movimento psíquico cujas bases espirituais se encontram no mediunismo. Isto nos obriga
a pensar que a beleza não está morta, mas que a sua reaparição se fará quando
for reconhecido na criação literária que no Ser encarnado do escritor podem
penetrar influências de entidades desencarnadas. Porque, à luz do Cristianismo
e do Espiritismo os
grandes génios da literatura mundial não são absorvidos pelo nada. Não caíram
para perder-se definitivamente nas cegas evoluções da matéria.
A Beleza, porém, não pode morrer. As chamadas a favor do
triunfo da arte sobre o quotidiano, lançadas por Ortega y Gasset,
respondem a esse anseio espiritual de imortalidade que se agita no espírito do
génio. As grandes obras poéticas e literárias são uma prova em prol do sentido
transcendental que possui o destino humano. A nova literatura será uma defesa
da alma contra as terríveis metas do materialismo. Se tudo é
morte e nada, que valor moral possui a obra literária de um Victor Hugo, Tolstói, Dostoyevski, Dante, Goethe? Por
que cantam tão admiravelmente Whitman, Neruda, Lugonen, Borges, Bécquer?
A Beleza não pode ter origem num homem destinado à morte e
ao nada. A beleza provém do espírito fecundo e imortal, desse infinito onde se
encontra instalado o verdadeiro homem. A poesia de agora em diante será escatológica e soteriológica. Relacionará
o Ser com o eterno e o salvará desse verdadeiro perigo existencial que é o
nada.
Se Miguel de Unamuno gritou
tanto como pensador e poeta, reclamando a imortalidade da alma, isso nos indica
que o génio não se resigna a extinguir-se na noite dos túmulos. Não foi em vão
que Unamuno formulou estas perguntas:"Por que quero saber de onde
venho, onde vou, de onde vem e onde vai o que nos rodeia, e o que significa
tudo isso? Por que não quero morrer de todo e quero saber se haverei de morrer
ou não definitivamente?
/…
Humberto Mariotti, Victor
Hugo Espírita, Os dons mediúnicos e poéticos, Síntese, 14º fragmento
da obra.
(imagem de contextualização: Criança com uma boneca,
pintura de Anne-Louis
GIRODET-TRIOSON)
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