Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

segunda-feira, 6 de junho de 2016

O Génio Céltico e o Mundo Invisível ~


Capítulo VIII

Palingenesia: preexistências e vidas sucessivas. A lei das reencarnações (IV)

   Todas as grandes correntes do pensamento antigo, filosófico e religioso, relativos aos altos destinos da alma, após vicissitudes seculares, se renovam, se sintetizam e se fundem no espiritualismo moderno sob a forma de lei de evolução pelas vidas renascentes.

   Todas as grandes religiões do oriente, inclusive o Cristianismo esotérico, a filosofia de Platão e os princípios da escola de Alexandria, nele se encontram para ali reunir a tradição sagrada do ocidente, incluindo as dos nossos antepassados, os celtas.

   Uma grande obra se realiza acima das nossas cabeças, cuja importância não podemos calcular, mas cujos efeitos se vão repercutir no decorrer dos séculos. Essa obra de síntese que representa a fé elevada a, fé superior da humanidade em marcha, que não se podia realizar no seio das religiões actuais, mas somente fora delas e através da ciência.

   O Catolicismo perdeu de vista a sua missão salvadora e regeneradora. Por interpretações ilusórias, ele desnaturou a doutrina pura do Cristo, sobretudo no que se refere ao futuro do homem e da justiça de Deus. É, entretanto, entre os seus adeptos que se difunde mais facilmente a noção de pluralidade das existências. Já se verificou que o purgatório, bem mal definido pela Igreja, poderia muito bem se conciliar com o resgate das faltas do passado por meio das vidas de provas.

   O Protestantismo, por seu lado, suprimindo a noção de purgatório, tinha fechado toda a saída para o princípio das vidas renascentes.

   Não é uma coisa dolorosa, pavorosa mesmo, sob certos pontos de vista, a constatação de que, após tantos séculos de civilização, a incerteza ainda pese sobre o problema do destino humano?

   A luz que brilhou, desde os primeiros tempos de nossa história, tinha-se esvaecido. Parecia que o homem, afastando-se da natureza e das suas origens, ia penetrar na noite. É somente hoje, graças ao trabalho de alguns pensadores ardentes, que os primeiros lampejos de uma nova aurora vêm roçar a alma céltica adormecida.

   Para todos aqueles que consideraram a variedade e a desigualdade das condições humanas, quer do ponto de vista das diferenças de raças, de culturas, de civilização, quer no que se refere à duração da existência, o enigma da vida ficava indecifrável, mas eis que, pela sucessão das existências da alma, tudo se encadeia e se harmoniza numa lógica rigorosa.

   O terrível problema da dor também aí encontra a sua solução e, se explica melhor, que certas pessoas conheçam o sofrimento desde o berço e o suportem até ao túmulo.

   Todas essas vidas obscuras, atormentadas, dolorosas, são cadinhos onde a alma se desfaz de suas impurezas, onde o fel se consome, onde as paixões do mal, por uma alquimia divina, se transformam pouco a pouco em paixões do bem.

   Sem dúvida, o progresso nem sempre é sensível e, a alma frequentemente se revolta perante o sofrimento, mas quando o tempo da provação tenha passado, constata-se que ela não foi estéril e que a alma beneficiou com isso.

   E, do mesmo modo, o problema do mal, que, no seu conjunto, é um dos aspectos da mesma questão. Esse problema, que provocou tantas discussões estéreis, foi facilmente resolvido pelos druidas: Deus dá ao homem uma parte de liberdade proporcional ao seu grau de evolução e, a liberdade humana gerou o mal. A primeira Tríade enuncia entre as três unidades primitivas “o ponto de liberdade onde se equilibram todas as oposições”.

   Deus não teria podido suprimir o mal sem suprimir a liberdade, o que teria falseado inteiramente a lei de evolução e, com ela o princípio vital, a própria razão do Universo. O livre-arbítrio somente assegura o livre jogo da iniciativa, da vontade de onde decorrem os méritos necessários para adquirir os bens espirituais, alvo supremo da evolução. O ser humano deve adquirir, por seus esforços, no correr dos tempos, a sabedoria, a ciência, o talento e, por eles, a felicidade, a ventura, isto é, tudo que leva à grandeza e à beleza da vida, pois não se aprecia realmente, não se gosta senão do que se adquire por si mesmo.

   Se o mal parece dominar sobre a Terra, é que ela ainda forma um grau inferior na escala dos mundos, por serem a maioria dos seus habitantes espíritos jovens, ainda ignorantes, inclinados às paixões. Mas, à medida que se evolui na grande escala cósmica, o mal diminui pouco a pouco, depois se dissipa e, o bem realiza-se em virtude da lei geral de evolução.

   Nós vamos expor essa lei, as suas regras e a sua finalidade por meio das Tríades, sob sua forma concisa, na parte que se refere ao “Abred”, o círculo das transmigrações e, ao “Gwynfyd”, o círculo das vidas celestes. As Tríades de 1 a 14, reproduzidas no capítulo VII e, as que se seguem, de 15 a 45, formam o complemento. (i)

   As Tríades que faltam figuram dos pontos essenciais desta obra, onde elas encontram a sua aplicação.

“Abred”:

15 – Três espécies de necessidades no “Abred”: a menor de toda a vida e, daí o começo; a substância de cada coisa e, daí o crescimento, que não pode operar-se em outro estado; a formação de cada coisa da morte e, daí a debilidade da vida.

16 – Três coisas que não se podem executar a não ser pela justiça de Deus: todo o sofrer em “Abred”, porque sem isso não se pode adquirir uma ciência completa de alguma coisa; obter uma parte do amor de Deus; ser bem-sucedido, pelo poder de Deus, no cumprimento do que é mais justo e misericordioso.

17 – Três causas principais da necessidade de “Abred”: recolher a substância de toda a coisa; recolher o conhecimento de toda a coisa; recolher a força moral para triunfar de toda a adversidade e do princípio de destruição e para se privar do mal. E sem elas, no trajecto de cada estado de vida, não há nem vida, nem forma que possa alcançar a plenitude.

20 – Três necessidades de “Abred”: o desregramento, pois não pode ser de outro modo; a libertação pela morte, ante o mal e a corrupção; o acréscimo da vida e do bem, pelo despojamento do mal, libertando-se da morte. E tudo isso pelo amor de Deus concernente a toda a coisa.

21 – Três meios de Deus no “Abred” para triunfar do mal e do princípio de destruição, escapando-se ante eles no “Gwynfyd”: a necessidade, o esquecimento, a morte.

22 – Três primeiras coisas, simultaneamente criadas: o homem, a liberdade, a luz.

23 – Três necessidades do homem: sofrer, renovar-se (progredir), escolher. E, pelo poder que esta última dá, não se pode conhecer as duas outras antes do seu vencimento.

24 – Três alternativas do homem: “Abred” e “Gwynfyd”, necessidade e liberdade, mal e bem; todas as coisas estando em equilíbrio e o homem tendo o poder de se ligar a um ou a outro, segundo a sua vontade.

26 – Por três coisas se cai no “Abred”, necessariamente, se bem que, por outro lado, se esteja ligado ao que é bom: pelo orgulho ao longo do “Annoufn”; pela falsidade, ao longo do “Gabien”; pela crueldade, ao longo do “Kenmil” e, se retorna de novo à humanidade, como antes.

27 – Três causas justificativas do estado de humanidade: adquirir inicialmente a ciência, o amor e a força moral, antes que a morte surja. E não se pode fazê-lo a não ser pela liberdade e pela escolha, não antes, pois, do estado de humanidade. Essas três coisas são chamadas as três vitórias.

28 – Três vitórias sobre o mal e sobre o espírito mau: ciência, amor, poder; porque a verdade, a vontade e a potência realizam, pela união de sua força, tudo o que elas desejam, elas começam no estado da humanidade e perduram para sempre.

29 – Três privilégios do estado de humanidade: o equilíbrio do mal e do bem, e daí a comparação; a liberdade de escolha e, daí o julgamento e a preferência; o começo do poder que deriva do julgamento e da escolha e, eles são necessários antes de cumprir seja o que for.

“Gwynfyd”:

30 – Três diferenças necessárias entre o homem, qualquer outra criatura e Deus: o limite do homem, que não saberia encontrar Deus; o começo do homem, que não saberia encontrar Deus; as renovações (progresso) necessárias do homem no círculo de “Gwynfyd”, visto que ele não pode suportar a eternidade do “Ceugant”, enquanto que Deus suporta todo o estado com felicidade.

31 – Três formas supremas do estado de “Gwynfyd”: sem mal, sem necessidade, sem fim.

32 – Três restituições do círculo de “Gwynfyd”: o génio primitivo; o amor primitivo; a memória primitiva, pois que sem isso não há felicidade.

33 – Três diferenças entre todo o vivente e os outros viventes: o génio, a memória, o conhecimento, isto é, que todos os três sejam plenos em cada um e não podem ser comuns com um outro vivente, cada um na sua medida e, não pode haver duas plenitudes em nenhuma coisa.

34 – Três dons de Deus a todo o vivente: a plenitude de sua raça; a consciência de sua humanidade; o desprendimento do seu génio primitivo em relação a todo o outro e, é daí que cada um difere dos demais.

35 – Pela compreensão de três coisas diminui-se o mal e a morte e, triunfa-se: de sua natureza; de sua causa; de sua acção. E elas se encontram no “Gwynfyd”.

36 – Três fundamentos da ciência: a renovação da passagem de cada estado de vida; a lembrança de cada transmigração e de seus incidentes; o poder de atravessar cada estado de vida, para experiência e julgamento e, isto se acha no círculo de “Gwynfyd”.

37 – Três distinções de todo o vivente no círculo de “Gwynfyd”: a inclinação (ou vocação); a possessão (ou privilégio) e o génio; dois viventes não podem ser primitivamente semelhantes em nada, porque cada um está pleno do que o distingue e nada está pleno sem que esteja na sua inteira medida.

38 – Três coisas impossíveis, excepto para Deus: suportar a eternidade do “Ceugant”; participar sob toda a condição sem se renovar; melhorar e renovar toda a coisa sem fazê-lo com perdas (às suas custas).

39 – Três coisas que jamais desaparecerão por causa da necessidade de sua potência: a forma do ser; a substância do ser; o valor do ser, pois, pela libertação do mal, elas existirão eternamente, sejam vivas, sejam inanimadas, nos diversos estados do belo e do bem no círculo de “Gwynfyd”.

40 – Três bens supremos que resultam das renovações da condição humana no “Gwynfyd”: a instrução; a beleza; o repouso, por sua inaptidão de suportar o “Ceugant” e a sua eternidade.

41 – Três coisas em crescimento: o fogo ou a luz; a inteligência (ou a consciência) ou a verdade; a alma ou a vida. Elas triunfam sobre tudo e daí o fim do “Abred”.

42 – Três coisas em decrescimento: a obscuridade; a mentira; a morte.

43 – Três coisas se reforçam dia a dia, visto que a maior soma de esforços vai, sem cessar, em direcção delas: o amor; a ciência; a plena justiça.

44 – Três coisas se enfraquecem cada dia, porque a maior soma de esforços vai contra elas: o ódio; a deslealdade; a ignorância.

45 – Três plenitudes da felicidade do “Gwynfyd”: participar de toda a qualidade com uma perfeição principal; possuir toda a espécie de génio com um génio preeminente; abraçar todos os seres com um mesmo amor e com um amor de primeira qualidade, conhecer o amor de Deus e, é nisso que consiste a plenitude do céu e do “Gwynfyd”. (ii)

   Observa-se que estas Tríades, por sua forma concisa e o seu sentido profundo, constituem uma obra original e poderosa, que não pode ser considerada como invenção de pensadores isolados, mas antes como a expressão sintética do génio de uma raça inteira. Elas se religam a verdades de ordem eterna e, talvez fosse preciso a incubação de séculos para se compreender todo o seu alcance. Elas surgiram da sombra, numa hora histórica em que o ideal se enfraquece, para restituir ao nosso país a sua fé em si mesmo, a confiança no seu destino e, tornar-se assim o instrumento de uma civilização mais elevada, mais nobre e mais digna.

/…
(i) Compare com a Revue Spirite, Abril de 1858, Edicel, 1ª edição. (N.T.)
(ii) Tradução do gaélico, por Llevelyn Sion.


LÉON DENIS, O Génio Céltico e o Mundo Invisível, Segunda Parte – Capítulo VIII Palingenesia: preexistências e vidas sucessivas. A lei das reencarnações (4 de 5) 27º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: A Apoteose dos heróis franceses que morreram pelo seu país durante a guerra da Liberdade, pintura de Anne-Louis Girodet-Trioson)

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