Capítulo VIII
Palingenesia: preexistências e vidas sucessivas. A lei das
reencarnações
(V)
A lei das reencarnações – esse retorno das almas sobre a
Terra – suscita objecções às quais é necessário responder, medos que é preciso
dissipar. Entre aqueles que interrogam, uns temem já não reencontrar, no
além, os seres que eles amaram aqui na Terra. Pergunta-se se, em virtude dessa
lei, nós seremos separados dos membros actuais das nossas famílias e obrigados
a prosseguir isoladamente, a nossa lenta e penosa evolução. Outros estão
apavorados pela perspectiva de retomar a tarefa terrestre, após uma vida laboriosa
semeada de provas e de males. Apressemo-nos em tranquilizá-los.
A
reencarnação é rápida e, a estada do espírito no espaço é de
curta duração somente no caso de crianças mortas com pouca idade. Tendo
malogrado a sua tentativa para reaparecer no cenário terrestre, quase sempre
por causas fisiológicas devidas à mãe, essa tentativa será renovada desde que
condições favoráveis se apresentem no mesmo meio. Caso contrário, o
espírito se reencarnará nas proximidades desse meio, isto é, entre parentes ou
amigos, de maneira a permanecer
em relação com aqueles que ele tinha escolhido,
em virtude de uma atracção resultante de ligações anteriores, de forças afectivas
que constituem uma certa afinidade fluídica.
Os espíritos formam famílias numerosas cujos membros continuam
através das suas múltiplas reencarnações. Enquanto que uns prosseguem sobre o
plano
material a sua educação e a sua evolução, outros ficam no
Espaço para os
proteger, na medida dos seus meios, sustentando-os, inspirando-os, esperando-os, a fim
de os receber no término da vida terrestre. Mais tarde, esses aqui renascerão
para a vida humana e, por sua vez, de protectores se tornarão protegidos. A
duração da estada no Espaço é muito variável e, conforme o grau de evolução,
pode durar muitos séculos ou somente
algumas dezenas de anos, para os espíritos
ambiciosos de progresso.
Há sempre correlação entre a vida terrestre e a do Espaço. A
família visível está sempre ligada à família invisível, mesmo sem o saber. Os afectos, os sentimentos provenientes dos laços estabelecidos
no curso das vidas sucessivas, transmitem-se de um plano para o outro com maior
intensidade quanto mais subtil for o estado vibratório dos seres que compõem
essas famílias.
A união perfeita que reina em certas famílias, explica-se
pelas numerosas vidas comuns. Os seus membros foram reaproximados por uma atracção
espiritual, uma adaptação do pensamento idêntico, de gostos e de aspirações da
mesma ordem, e isso em graus diversos.
É fácil reconhecer, numa família,
aquele que nela se encarna
excepcionalmente e pela primeira vez, seja para ali se aperfeiçoar intelectual
e moralmente, em contacto com seres mais evoluídos, seja, ao contrário, para
servir de exemplo, de modelo, de
treinador de espíritos atrasados e, ao mesmo
tempo, para ajudá-los a suportar as provas que o destino lhes reserva, o que
torna essa missão uma
tarefa meritória. Em certos casos o
contraste é tão
notável entre os caracteres, a maneira de pensar e de agir é tão surpreendente
que as pessoas não iniciadas chegam a proferir este julgamento: “Aquele não é
da família, poder-se-ia crer que ele foi trocado ao nascer!”
Desde a vida no espaço, entre certos espíritos,
são assumidos
os compromissos de reencarnarem nos mesmos ambientes e aí prosseguir uma
evolução comum. Outras almas evoluídas aceitam a função
penosa de descer a
lares materiais para neles dissipar, através das suas irradiações, os elementos
grosseiros que dominam tais ambientes, e este acto de abnegação será para elas
um outro motivo de progresso.
Algumas pessoas interrogam-nos sobre a diferença de raças
e as suas relações com a evolução. Os espíritos dizem, sobre esse assunto, que
cada região do globo atrai do Espaço os fluidos em
harmonia com os eflúvios que
se desprendem do solo. Daí resulta que os espíritos que renascem nessas regiões
terão gostos e aspirações diferentes. Por exemplo, os africanos receberão os
fluidos próprios para desenvolver a sua vitalidade física, porque o seu
espírito tem necessidade de se sentir num envoltório sólido.
Entre os orientais, os japoneses, por exemplo, a evolução
terrestre é mais completa, os corpos são pequenos, a sensibilidade
desenvolvida, a percepção do além mais nítida. O misticismo está presente. O
perispírito do japonês, de uma grande subtileza, vibrará mais fortemente do que
o do senegalês.
Entre os ocidentais, em geral, a evolução não tem sido
uniforme. Ela variou conforme os países. Os
montanheses e os
marítimos, sob
formas mais rudes, guardaram um certo fundo de idealismo ou um espírito
religioso. Aí estão dois tipos humanos cujas aspirações se relacionam mais directamente
com o mundo superior, porque eles se
comungam com a Natureza.
Não é de espantar se um espírito, na sua curta evolução,
experimente, às vezes, a necessidade de mudar de meio para adquirir qualidades
ou conhecimentos que ainda lhe faltam. Mas esses mesmos seres, voltando ao
espaço, ali logo encontram os elementos espirituais de que se haviam afastado
por certo tempo e dos quais tinham guardado lembranças. Já, no sono, o
ser
encarnado se aproxima dos seus amigos do Espaço e revê, em alguns instantes, a sua
vida passada, mas, ao despertar, essa impressão se apaga, porque ela poderia
perturbar e diminuir o seu
livre-arbítrio.
Se ele se afasta, por um certo tempo, da sua família
terrestre,
não abandona nunca a sua família espiritual e, quando a família humana
evolui e atinge um plano fluídico superior, a acção inversa se produzirá, e
será ela que, por sua vez,
atrairá no espaço o espírito menos avançado. A lei
da evolução do
ser através das suas vidas renascentes é admirável, mas a
inteligência humana não pode entrever senão um seu pálido reflexo.
Os ensinamentos contidos nestas páginas não são obra da
imaginação.
Eles emanam de mensagens espirituais obtidas por todos os processos
mediúnicos e recolhidos em todos os países. Até aqui, não tínhamos, sobre as
condições da vida do Além, a não ser hipóteses humanas, sejam filosóficas ou
religiosas. Hoje, os que vivem essa vida a descrevem para nós e falam sobre as
leis da
reencarnação. Com efeito, o que são certas excepções assinaladas entre
os anglo-saxões, e cujo número diminui cada dia na presença da enorme
quantidade de documentos, de testemunhos concordantes recolhidos desde a
América do sul até às Índias e ao Japão?
Já não é como no passado, um pensador isolado, ou mesmo um
grupo de pensadores, que vem mostrar à humanidade a rota que ele julga
verdadeira;
é um mundo invisível, inteiro, que se abala, e se esforça para
tirar o pensamento humano das suas rotinas, dos seus erros, e lhe revela, como
no tempo dos druidas, a lei divina da evolução. São os próprios parentes e
amigos mortos que nos expõem a sua situação, boa ou má, e a
consequência dos
seus actos no decorrer de palestras ricas de provas de identidade.
Possuo sete grandes volumes de comunicações, recebidas no
grupo que por longo tempo dirigi, que respondem a todas as questões que a
inquietude humana apresenta à sabedoria dos invisíveis.
Os espíritos guias instruíam-nos por meio de
médiuns diversos que, de uma maneira geral, não se conheciam entre si, e sobretudo através de mulheres
pouco letradas, cheias de preconceitos católicos e pouco inclinadas à doutrina
das encarnações. Acontece que, todos aqueles que consultaram esses arquivos ficaram
surpreendidos com a beleza do estilo, bem como com a profundidade das ideias
emitidas.
Talvez essas mensagens sejam um dia publicadas. Então,
ver-se-á que, nas minhas obras, não sou inspirado somente por mim, mas
sobretudo por aqueles do outro lado da vida. Reconhecer-se-á, pela variedade
das formas, uma grande unidade de princípios e uma perfeita analogia com os
ensinamentos obtidos dos espíritos guias, através de todos os meios, e onde Allan Kardec se
inspirou para delinear as grandes regras da sua doutrina.
Após a guerra (1ª Guerra Mundial, 1914-1918), os nossos
instrutores continuaram a manifestar-se através de médiuns diferentes. Por meio de
entidades diversas, a personalidade de cada um deles se afirmou pelo seu próprio carácter, por uma originalidade talhada, numa palavra, de maneira a evitar todas as possibilidades de simulação. Pode seguir-se, anualmente, na Revue Spirite, a quintessência dos ensinos que nos foram dados
sobre assuntos sempre substanciais e elevados.
Depois, aquando do congresso (Espírita) de 1925, foi o
grande iniciador (Allan Kardec) que nos veio certificar do seu concurso e
esclarecer-nos com os seus conselhos. Hoje ainda é ele, Allan Kardec, que nos
anima a publicar este estudo sobre a reencarnação.
Até aqui não insistimos muito sobre o principal argumento
que se evoca contra a doutrina das preexistências, isto é, o esquecimento das
vidas anteriores. Esse argumento foi refutado, detalhadamente, em quase todas as
obras que escrevemos. (*) Esse
esquecimento, já vimos, não é tão genérico como se pretende, e se a maioria dos
homens se dedicasse a um estudo atento da sua própria psicologia, eles
encontrariam, facilmente, os vestígios das suas vidas passadas.
Assim, como demonstra o
Sr. Bergson, no seu belo livro
A Evolução Criadora, este argumento não
é concludente. A partir da vida actual, e sobretudo no estado
sonambúlico,
oposto ao estado normal, produzem-se eclipses de memória que tornam
compreensível o desaparecimento das lembranças longínquas. Todos os espíritos
sabem que esse esquecimento do nosso passado é temporário e acidental.
Mesmo que o espírito seja pouco evoluído, a lembrança
integral se reconstituirá no além, até mesmo no decorrer da presente existência,
durante o sono.
No estado de desprendimento
(i), ele poderá retomar o encadeamento
das causas e dos efeitos que formam a trama do seu destino. É somente no período da
luta material que a lembrança se apaga, precisamente para nos deixar a
plenitude do nosso
livre-arbítrio, indispensável para ultrapassar as
dificuldades, as provas terrestres, e delas recolher todos os frutos.
Em suma, o esquecimento das vidas passadas deve ser
considerado como um benefício para a maioria das almas humanas num ponto não
muito elevado da sua evolução.
A lembrança seria, frequentemente, inseparável
de revelações humilhantes e de pesares dolorosos como queimaduras. Em vez de se
hipnotizar para um passado mau, é para o futuro que convém fixar o objectivo
dos nossos esforços e os impulsos das nossas faculdades.
O provérbio não diz que ao colocar as mãos na charrua não se
deve olhar para trás? Com efeito, para traçar bem direito o sulco, isto é, para
afrontar e prosseguir no combate da vida com alguma vantagem, não é preciso ser
obsecado pelo cortejo de más lembranças.
É somente mais tarde, na vida do espaço, e sobretudo nos
planos superiores da evolução, que a alma humana, libertando-se do jugo da
carne e livre do pesado capuz da matéria que limita as suas percepções,
pode
abranger sem desfalecimento, sem vertigens, o vasto panorama de suas vidas
planetárias. Então, ela adquiriu a maturidade necessária para discernir, por sua razão e por seu saber, o vínculo que as religa todas, os resultados
recolhidos, e tirar os ensinamentos que eles comportam. É o que diz a
Tríade 19:
19 – Há três necessidades antes de se chegar à plenitude
da ciência: atravessar o “Abred”, atravessar o “
Gwynfyd” e lembrar-se de toda a coisa até no “Annoufn”.
Tal é o julgamento particular, o inventário da nossa alma
evoluída, que no início das suas existências passa em revista a longa sequência
das suas etapas através dos mundos.
Com a sua sensibilidade aumentada, a sua
experiência, a sua sabedoria, a sua razão engrandecida, ela julga do alto todas
as coisas. E nas suas lembranças, conforme a sua natureza, ela encontra as
causas da alegria ou do sofrimento. A sua consciência purificada perscruta os
menores sinais da sua memória profunda. Tornada o árbitro infalível, ela
pronuncia sem apelo, aprova ou condena, e às vezes, a título de reparação e sob
a inspiração divina, ela decide e impõe os renascimentos nos mundos da matéria
e da dor. É o que atesta a
Tríade 18:
18 – Há três calamidades primitivas do “Abred”: a
necessidade, o esquecimento e a morte.
Terminado este capítulo, insistiremos ainda sobre a
importância do movimento espiritualista actual, que, na realidade, é o
despertar das tradições da nossa raça céltica. Para tornar plena, inteira e fecunda
a sua vida, todo o homem deve compreender-lhe o seu sentido profundo e discernir-lhe o
seu objectivo, porque, seja por reflexão, seja por uma espécie de instinto, a
ideia que dela se faz é a que domina toda a sua vida, inspira os seus actos e
os orienta na direcção de objectivos ou inferiores ou elevados.
Resulta que desta noção essencial deveria participar toda
a
educação humana ministrada, mas nem a escola, nem a Igreja nos dão, sobre este assunto
capital, informações claras e precisas. Daí, em grande parte, a perturbação
moral e a confusão de ideias que reinam na nossa sociedade.
Se nós conhecêssemos toda a regra soberana dos seres e das
coisas,
a lei e a consequência dos actos e a sua repercussão sobre o destino; se
nós soubéssemos que se
colhe sempre o que se semeou, as reformas sociais seriam
mais fáceis e a face do mundo seria rapidamente transformada. Mas a maioria dos
homens, absorvidos por tarefas, por preocupações materiais, privados dos lazeres
necessários para cultivar a sua inteligência e o seu coração,
percorrem a vida
como se passassem por vã neblina. A morte não é para os seus olhos mais do que
um
espantalho, do qual eles afastam, com pavor, o pensamento importuno. É assim
que, quando vêm os dias de provas, se o vento sopra com a tempestade, eles se encontram
logo desamparados.
É isso o que acontece na actualidade. Para tirar o homem das
pesadas influências que o oprimem,
seriam precisos eventos importantes, crises
dolorosas que, mostrando-lhe o carácter precário, instável da vida na Terra,
deviam abater o seu orgulho, obrigá-lo a afastar para longe as suas atenções e
a fixar mais alto os seus objectivos. Seria lucrativo para a humanidade, se os
tempos de prova, que a nossa civilização atravessa actualmente, esclarecessem
as suas
taras e os seus
vícios e lhes ensinassem a curá-los.
Não é uma coincidência notável que, ao mesmo tempo que as
crenças religiosas se apagam cada vez mais, em que o materialismo espalha perante
nós os seus efeitos destruidores, uma revelação do Alto se difunde
pelo globo por milhares de vozes, oferecendo uma doutrina, um ensino racional e
consolador para todos os interessados de boa-fé?
O Espiritismo é o maior e mais solene movimento do
pensamento que se produziu desde o aparecimento do Cristianismo. Não somente
pelo conjunto dos seus fenómenos, ele nos traz a prova da sobrevivência, mas,
sob o ponto de vista filosófico, as suas consequências são mais grandiosas. Com
ele, o horizonte se aclara, o objectivo da vida torna-se preciso, a concepção
do Universo e das suas leis aumentam, o pessimismo sombrio se esvaece para dar
lugar à confiança, à fé em destinos melhores.
O Espiritismo pode então revolucionar todos os domínios do
pensamento e do conhecimento. Em lugar de ambientes estreitos onde se encontravam
confinados, ele abre grandes portas para o desconhecido e para o inexplorado.
Pelo estudo do ser no seu “eu”
profundo, neste mundo fechado onde se acumulam tantas impressões e lembranças,
o Espiritismo cria uma Psicologia nova, muito maior e mais variada do que a Psicologia
clássica.
Até aqui, nós somente conhecemos a parte mais grosseira, a
mais superficial do nosso
ser.
O Espiritismo no-lo mostra como um reservatório
de forças escondidas, de faculdades em estado germinativo, que cada um de nós é
chamado a valorizar, a desenvolver através dos tempos. Pelos métodos hipnóticos ou magnéticos
(i) tornar-se-á possível chegar até às origens do
ser, reconstituindo
o encadeamento das existências e das lembranças, a série de causas e efeitos
que são como a trama de nossa própria história. Aprenderemos que o próprio
ser cria a sua personalidade e a sua
consciência no decorrer de uma evolução que o conduz, vida após vida, na direcção
de planos melhores. E assim se afirma a nossa liberdade que se engrandece com a
nossa elevação e fixa as causas determinantes do nosso destino, feliz ou
infeliz, conforme os nossos merecimentos. Desde então, já não são esses debates
estéreis a que assistimos há muito tempo e que provêm da insuficiência de
pontos de vista e do campo muito limitado das nossas observações, nesta vida
passageira e sobre este mundo miserável, parcela ínfima do Todo-poderoso.
Por outras palavras, o ser
nos aparece sob aspectos mais nobres e mais belos, levando consigo todo o
segredo da sua grandeza futura e da sua potência radiante. Com a cultura dessa
ciência, dia virá em que todo o homem poderá ler claramente, em si mesmo, a
regra soberana da sua vida e do seu futuro. E daí decorrerão as grandes consequências
sociais. A noção dos deveres e das responsabilidades se tornará mais precisa. Em
lugar das dúvidas, de incertezas e do pessimismo actuais, a esperança se
originará do conhecimento da nossa natureza imperecível e dos nossos destinos
infinitos.
Pode, então, dizer-se que a obra do Espiritismo é dupla: no
plano terrestre ela tende a reunir e a fundir num sistema grandioso todas as
formas, até ao momento discordantes e frequentemente contraditórias, do
pensamento e da ciência. Num plano mais amplo, ele une o visível ao invisível,
essas duas formas da vida que, na realidade, se penetram e se completam desde o
princípio das coisas. Com esse objectivo ele demonstra que o nosso mundo e o
Além não são separados, mas estão um no outro, constituindo assim um todo harmónico.
/…
(*) Depois da Morte, Cristianismo
e Espiritismo e O Problema do Ser e do Destino.
LÉON DENIS,
O Génio Céltico e o Mundo Invisível,
Segunda Parte –
Capítulo VIII Palingenesia
(i):
preexistências e vidas sucessivas. A lei das reencarnações
(5 de 5) 28º
fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: A Apoteose dos heróis
franceses que morreram pelo seu país durante a guerra da Liberdade, pintura
de Anne-Louis
Girodet-Trioson)