Por uma consciência humanista ~
Se a experiência nos
mostra que a formação de uma “consciência proletária” é praticamente
inviável, pois, entre outros motivos, a própria revolução proletária vem sendo
impulsionada e dirigida por forças estranhas ao proletariado; não somente
desde os seus pródromos,
mas ainda, hoje, e cada vez mais; se nos mostra que a “filosofia do
proletariado” não consegue atraí-lo e empolgá-lo mais do que a demagogia
fascista ou o diversionismo democrático
dos países capitalistas mais altamente industrializados; revela-se-nos ainda
que a vitória das chamadas “minorias conscientes” cria novos e violentos
antagonismos internacionais, cada vez mais agressivos, é evidente que
só nos resta procurar uma saída humana, e não proletária nem burguesa, para
essa terrível situação. A saída não será a da submissão, a do pescoço entregue
mansamente à canga, mas não será também a da violência e a da força.
Se Marx reconhece
no proletariado o potencial revolucionário, que a sua filosofia devia armar da necessária orientação para a luta, e se essa orientação só seria possível
através da criação da “consciência de classe”, não teremos, nesse mesmo facto,
o exemplo e a indicação do que nos cabe fazer? As massas que hoje se
deparam à nossa frente, exploradas e sofredoras, não são apenas o proletariado,
mas essa multidão heterogénea, que se chama povo, humanidade, e que as classes dividem de maneira formal, mas não substancial. Ao mesmo tempo, a situação das
classes dominantes é de angústia e desespero, pesando sobre elas as
consequências morais inevitáveis do usufruto indevido e da exploração dos
semelhantes. O capital, o dinheiro, o poder, as comodidades, não
bastam para salvá-las e, pelo contrário, cada vez mais as precipitam no pântano
da corrupção moral e social.
Diante disso, cabe-nos repetir o gesto de Marx, oferecendo
agora uma filosofia, não a esta ou àquela classe, mas a toda a humanidade, para
armá-la da orientação necessária, através da criação de uma “consciência
humanista”. Entreguemos essa filosofia de libertação, essa arma de
defesa moral, esse instrumento de luta social, ao homem de todas as latitudes e
de todas as classes, e trabalhemos pela criação da “consciência humanista” nos
indivíduos em particular e no meio social em geral.
Elevar a Terra na escala dos mundos!
Não nos iludamos, porém, quanto aos métodos de acção
que devemos empregar. Simples evangelização ou catequização, nos moldes
religiosos, não darão resultados, porque nos amarram, pelo contrário, às
antiquadas formas sectárias, que proliferam por toda parte e criam
divisionismos estéreis e perigosos. O Espiritismo tem de
descobrir a sua própria maneira de agir, tem de forjar as suas próprias armas,
inteiramente novas, tão diferentes das usadas pelo processo do religiosismo clássico quanto pelo materialismo-dialéctico.
Talvez nesta altura nos pudessem servir de “pontos-de referência” algumas
longínquas tentativas históricas, como a de comunidade apostólica, de que nos dá notícia O Livro de Actos, ou ainda as recentes colónias de
produção do Estado de Israel. O certo, porém, é que precisamos
estabelecer os fundamentos sólidos e definidos do Espiritismo Dialéctico, aplicando-o, no plano sociológico ou histórico, rumo à sociedade futura.
Ele mostrará, com base na experiência secular e no
estudo objectivo da natureza humana, do homem psicológico, que não se pode
construir um mundo social harmónico através da violência social, mas
tão-somente do desenvolvimento do espírito colectivista de cooperação. E
que a sociedade, como o homem – sem cairmos rigidamente no organicismo spenceriano –, tem
as suas fases evolutivas bem definidas, que não poderemos deixar de considerar, pois Engels já nos
ensinou que não desprezaríamos impunemente a dialéctica.
Assim, se aquilo que o homem só podia resolver pelo emprego
da força bruta, no seu estado primitivo, consegue fazê-lo pelo
raciocínio e pela técnica, no estado de civilização, também a humanidade, superada a fase primitiva da sua elaboração social, pode caminhar,
sem o uso da violência brutal e instintiva, para a revolução colectivista. Isso
não quer dizer que a luta não se processe, que tenha sido interrompida no seu
organismo, e que tenhamos de esperar o advento espontâneo da nova forma social,
mas apenas que a luta se desenvolve de maneira diversa, em plano mais alto,
como bem o definiu Ubaldi.
Aproveitemos, pois, a oportunidade que Humberto Mariotti nos
oferece, com a sua “interpretação espiritual da dialéctica”, para
meditarmos sobre esses assuntos e buscarmos a forma que nos falta de oferecer
ao mundo a solução espiritual do problema social. De fazermos, enfim,
que o Espiritismo cumpra
a sua missão histórica, vencendo a crise que o reduz, no momento, a uma luz bruxuleante no meio de densas trevas, a uma espécie de simples refúgio
individual para as decepções e para as aflições humanas. Pois o seu destino,
como assinalou sir Oliver
Lodge, não é apenas o de consolar corações desalentados, mas o de rasgar
para o mundo as perspectivas de uma nova era. Se a fé dogmática determinou o
fanatismo religioso da Idade Média, com as suas fogueiras sinistras, a
fé raciocinada criará o positivismo religioso do terceiro milénio, com as piras
da fraternidade acesas em todos os quadrantes do planeta. Porque, como
já o dissera Kardec,
a tarefa do Espiritismo é
a de elevar a Terra na escala dos mundos, transferindo-a da categoria
expiatória para a de Mundo Regenerador.
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José Herculano Pires, Espiritismo Dialéctico – Por
uma consciência humanista – Elevar a Terra na escala dos mundos, 15º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: Vi o caçador levantar o arco-íris,
pintura em acrílico de Costa Brites)
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