Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Diálogos de Kardec ~


Profissão de Fé Espírita Raciocinada

§ I. Deus

1. Há um Deus, inteligência suprema, causa primária de todas as coisas.

A prova da existência de Deus está neste axioma: Não há, absolutamente, efeito sem causa. Vemos incessantemente uma multidão inumerável de efeitos, cuja causa não está na humanidade, já que a humanidade é impotente para produzi-los, e mesmo para explicá-los; a causa está, portanto, acima da humanidade. É esta causa a que se chama Deus, Jeová, Alá, Brahma, Fo-Hi, Grande Espírito, etc., segundo as línguas, os tempos e os lugares.

Esses efeitos não se produzem absolutamente ao acaso, fortuitamente e sem ordem; desde a organização do menor insecto e do menor grão, até à lei que rege os mundos que circulam no Espaço, tudo atesta um pensamento, uma combinação, uma previdência, uma solicitude que ultrapassam todas as concepções humanas. Esta causa é, portanto, soberanamente inteligente.

2. Deus é eterno, imutável, imaterial, único, todo-poderoso, soberanamente justo e bom.

Deus é eterno; se houvesse tido um começo, alguma coisa teria existido antes dele; teria saído do nada, ou melhor, teria criado a si próprio através de um ser anterior. É assim que, pouco a pouco, remontamos ao infinito na eternidade.

Ele é imutável; se estivesse sujeito a mudanças, as leis que regem o Universo não teriam nenhuma estabilidade.

Ele é imaterial; quer dizer, que a sua natureza difere de tudo o que chamamos matéria, de outro modo, ele estaria sujeito às flutuações e às transformações da matéria, e não seria imutável.

Ele é único; se houvesse vários Deuses, haveria várias vontades, e desde então, não haveria nem unidade de vistas, nem unidade de poder na ordenação do Universo.

Ele é todo-poderoso, porque é único. Se não tivesse o soberano poder, haveria alguma coisa mais poderosa que ele; ele não teria feito todas as coisas, e as que não tivesse feito seriam a obra de um outro Deus.

Ele é soberanamente justo e bom. A sabedoria providencial das leis divinas se revela nas menores coisas como nas maiores, e essa sabedoria não permite duvidar nem da sua justiça, nem da sua bondade.

3. Deus é infinito em todas as suas perfeições. Se supuséssemos imperfeito um só dos atributos de Deus, se subtraíssemos a menor parcela de eternidade, de imutabilidade, de imaterialidade, de unidade, de todo-poder, da justiça e da bondade de Deus, poderíamos supor um ser que possuísse o que lhe faltasse, e este ser, mais perfeito que ele, seria Deus.

§ II. A alma

4. Há no homem um princípio inteligente a que chamamos ALMA ou ESPÍRITO, independente da matéria, e que lhe dá o senso moral e a faculdade de pensar.

Se o pensamento fosse uma propriedade da matéria, ver-se-ia a matéria bruta pensar; ora, como nunca se viu a matéria inerte dotada de faculdades intelectuais; e quando o corpo está morto, ele não pensa mais, é preciso concluir que a alma é independente da matéria, e que os órgãos são apenas instrumentos com a ajuda dos quais o homem manifesta o seu pensamento.

5. As doutrinas materialistas são incompatíveis com a moral e subversivas da ordem social.

Se, segundo os materialistas, o pensamento fosse segregado pelo cérebro, como a bílis é segregada pelo fígado, resultaria que, com a morte do corpo, a inteligência do homem e todas as suas qualidades morais retornariam ao nada; que os pais, os amigos e todos aqueles a quem fomos afeiçoados, estariam perdidos, sem retorno; que o homem de génio não teria mérito, já que deveria as suas faculdades transcendentais apenas ao acaso de sua organização; que não haveria entre o imbecil e o sábio, senão a diferença de mais ou menos cérebro.

As consequências dessa doutrina seriam de que o homem, não esperando nada além dessa vida, não teria nenhum interesse de fazer o bem; que seria muito natural procurar para si os maiores prazeres possíveis, mesmo que fosse à custa de outrem; que haveria estupidez em se privar em favor dos outros; que o egoísmo seria o sentimento mais racional; que aquele que é obstinadamente infeliz na Terra, não teria nada de melhor a fazer do que matar-se, já que, devendo cair no nada, tanto faria para ele, e que abreviaria os seus sofrimentos.

A doutrina materialista é, portanto, a sanção do egoísmo, fonte de todos os vícios; a negação da caridade, fonte de todas as virtudes e base da ordem social, e a justificação do suicídio.

6. A independência da alma é provada pelo Espiritismo.

A existência da alma é provada pelos actos inteligentes do homem, que devem ter uma causa inteligente e não uma causa inerte. A sua independência da matéria é demonstrada de uma maneira patente pelos fenómenos espíritas que a mostram agindo por si própria, e sobretudo pela experiência de seu isolamento durante a vida, o que lhe permite manifestar-se, pensar e agir na ausência do corpo.

Pode dizer-se que, se a química separou os elementos da água, se ela colocou por isso as suas propriedades a descoberto, e se ela pode à vontade desfazer e refazer um corpo composto, o Espiritismo pode, igualmente, isolar os dois elementos constitutivos do homem: o espírito e a matériaa alma e o corpo, separá-los e reuni-los à vontade, o que não pode deixar dúvida sobre a sua independência.

7. A alma do homem sobrevive ao corpo e conserva a sua individualidade depois da morte.

Se a alma não sobrevivesse ao corpo, o homem não teria como perspectiva senão o nada, assim como, se a faculdade de pensar fosse o produto da matéria; se não conservasse a sua individualidade, quer dizer, se fosse perder-se no reservatório comum chamado o grande todo, como as gotas de água no oceano, seria igualmente, para o homem, o nada do pensamento, e as consequências seriam absolutamente as mesmas do que se não tivesse alma.

A sobrevivência da alma após a morte é provada de uma maneira irrecusável e, de alguma sorte palpável, pelas comunicações espíritas. A sua individualidade é demonstrada pelo carácter e as qualidades próprias a cada um; essas qualidades que distinguem as almas umas das outras, constituem a sua personalidade; se fossem confundidas num todo comum, teriam apenas qualidades uniformes.

Além dessas provas inteligentes, há ainda a prova material das manifestações visuais ou aparições, que são tão frequentes e tão autênticas, que não é permitido colocá-las em dúvida.

8. A alma do homem é feliz ou infeliz após a morte, segundo o bem ou o mal que tenha feito durante a vida.

Desde que se admita um Deus soberanamente justo, só se pode admitir que as almas tenham um destino comum. Se a posição futura do criminoso e do homem virtuoso devesse ser a mesma, isto excluiria qualquer utilidade em procurar fazer o bem; ora, supor que Deus não faz diferença entre aquele que faz o bem e aquele que faz o mal, seria negar a sua justiça. O mal, não recebendo sempre a sua punição, nem o bem, a sua recompensa durante a vida terrestre, é necessário daí concluir que a justiça será feita depois, sem o que, Deus não seria justo.

As penas e as alegrias futuras são, além disso, materialmente provadas pelas comunicações que os homens podem estabelecer com as almas daqueles que viveram, e que vêm descrever o seu estado feliz ou desgraçado, a natureza de suas alegrias ou de seus sofrimentos, e dizer-lhes a causa.

9. Deus, a alma, a sobrevivência e a individualidade da alma depois da morte do corpo, penas e recompensas futuras, são os princípios fundamentais de todas as religiões.

O Espiritismo vem acrescentar às provas morais desses princípios, as provas materiais dos factos e da experimentação, e arrasar com os sofismas do materialismo. Em presença dos factos, a incredulidade não tem mais razão de ser; é assim que o Espiritismo vem devolver a fé àqueles que a perderam, e tirar as dúvidas dos incertos.

§ III. Criação

10. Deus é o criador de todas as coisas. Esta proposição é a consequência da prova da existência de Deus (nº 1).

11. O princípio das coisas está nos segredos de Deus.

Tudo diz que Deus é o autor de todas as coisas, mas quando e como as criou? A matéria é como ele de toda a eternidade? É isso que ignoramos. Sobre tudo o que não julgou revelar-nos a respeito, só se pode estabelecer sistemas mais ou menos prováveis. Pelos efeitos que vemos, podemos remontar a certas causas; mas há um limite que nos é impossível ultrapassar, e seria ao mesmo tempo perder seu tempo e expor-se a equivocar-se, querer ir além.

12. O homem tem como guia na busca do desconhecido, os atributos de Deus.

Na busca dos mistérios que nos é permitido sondar pelo raciocínio, há um critério certo, um guia infalível: são os atributos de Deus.

Desde que se admita que Deus deve ser eternoimutávelimaterialúnicotodo-poderososoberanamente justo e bom, que é infinito nas suas perfeições, qualquer doutrina ou teoria, científica ou religiosa, que tendesse a suprimir-lhe uma parcela de um só de seus atributos, seria necessariamente falsa, já que tenderia à negação da própria divindade.

13. Os mundos materiais tiveram um começo e terão um fim.

Que a matéria seja de toda a eternidade como Deus, ou que tenha sido criada numa época qualquer, é evidente, segundo o que acontece quotidianamente sob os nossos olhos, que as transformações da matéria são temporárias, e que dessas transformações resultam os diferentes corpos que nascem e se destroem incessantemente.

Os diferentes mundos sendo produtos da aglomeração e da transformação da matéria, devem, como todos os corpos materiais, ter tido um começo e ter um fim, segundo leis que nos são desconhecidas. A Ciência pode, até um certo ponto, estabelecer as leis de sua formação e remontar ao seu estado primitivo. Toda a teoria filosófica em contradição com os factos demonstrados pela Ciência, é necessariamente falsa, a menos que prove que a Ciência está errada.

14. Criando os mundos materiais, Deus criou também seres inteligentes a que chamamos espíritos.

15. A origem e o modo de criação dos espíritos nos são desconhecidos; sabemos somente que foram criados simples e ignorantes, quer dizer, sem ciência e sem conhecimento do bem e do mal, mas perfectíveis e com uma igual aptidão para tudo conquistar e tudo conhecer com o tempo. No princípio, estão numa espécie de infância, sem vontade própria e sem consciência perfeita de sua existência.

16. À medida que o espírito se afasta do ponto de partida, as ideias nele se desenvolvem, como na criança, e com as ideias, o livre-arbítrio, quer dizer, a liberdade de fazer ou não fazer, de seguir tal ou qual caminho para o seu adiantamento, o que é um dos atributos essenciais do espírito.

17. O objectivo final de todos os espíritos é de atingir a perfeição da qual é susceptível a criatura; o resultado dessa perfeição é a alegria da felicidade suprema que é a consequência, e à qual chegam mais ou menos prontamente, segundo o uso que fazem do seu livre-arbítrio.

18. Os espíritos são agentes do poder divino; constituem a força inteligente da natureza e concorrem para a execução das visões do Criador para a manutenção da harmonia geral do Universo e das leis imutáveis da criação.

19. Para concorrer, como agentes do poder divino, na obra dos mundos materiais, os espíritos revestem temporariamente um corpo material. Os espíritos encarnados constituem a humanidade. A alma do homem é um espírito encarnado.

20. A vida espiritual é a vida normal do espírito: ela é eterna; a vida corporal é transitória e passageira: é apenas um instante na eternidade.

21. A encarnação dos espíritos está nas leis da natureza; é necessária ao seu adiantamento e à execução das obras de Deus. Pelo trabalho que sua existência corporal necessita, eles aperfeiçoam a sua inteligência e adquirem, observando a lei de Deus, os méritos que devem conduzi-los à felicidade eterna. Daí resulta que, concorrendo para a obra geral da criação, os espíritos trabalham para o seu próprio adiantamento.

22. O aperfeiçoamento do espírito é o fruto de seu próprio trabalho; progride na razão da sua maior ou menor actividade ou da boa vontade para adquirir as qualidades que lhe faltam.

23. Não podendo o espírito adquirir numa só existência corporal todas as qualidades morais e intelectuais que devem conduzi-lo ao objectivo, ele aí chega através de uma sucessão de existências, em cada uma das quais dá alguns passos adiante, no caminho do progresso, e purifica-se de algumas de suas imperfeições.

24. A cada nova existência, o espírito traz o que adquiriu em inteligência e em moralidade, nas suas existências precedentes, assim como os germens das imperfeições das quais ainda não se despojou.

25. Quando uma existência foi mal empregada pelo espírito, quer dizer, se não fez nenhum progresso no caminho do bem, ela não tem proveito para ele, e ele deve recomeçá-la em condições mais ou menos penosas, em razão da sua negligência e de seu malquerer.

26. Devendo o espírito a cada existência corporal adquirir alguma coisa de bem e despojar-se de alguma coisa de mal, daí resulta que, após um certo número de encarnações, encontra-se depurado e chega ao estado de puro espírito.

27. O número das existências corporais é indeterminado; depende da vontade do espírito abreviá-la, trabalhando activamente para o seu aperfeiçoamento moral.

28. No intervalo das existências corporais, o espírito é errante e vive a vida espiritual. A erraticidade não tem duração determinada.

29. Quando os espíritos adquiriram num mundo a soma de progresso que comporta o estado desse mundo, deixam-no para encarnar num outro mais adiantado, onde adquirirão novos conhecimentos, e assim, sucessivamente, até que a encarnação num corpo material não lhe sendo mais útil, vivem exclusivamente a vida espiritual, onde progridem ainda num outro sentido e através de outros meios. Tendo chegado ao ponto culminante do progresso, desfrutam da suprema felicidade; admitidos nos conselhos do Todo-Poderoso, têm o seu pensamento e tornam-se os seus mensageiros, os seus ministros directos para o governo dos mundos, tendo sob as suas ordens os espíritos de diferentes graus de adiantamento.

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ALLAN KARDEC, Obras Póstumas, Primeira Parte, PROFISSÃO DE FÉ ESPÍRITA RACIOCINADA, I Deus, II A alma, III Criação, 11º fragmento solto da obra.
(imagem de contextualização: Dança rebelde, 1965 – Óleo sobre tela, de Noêmia Guerra)

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