Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Da sombra do dogma à luz da razão ~


Natureza da Revelação Espírita (VIII)

"Anúncio do Consolador"

   Retira ao homem o espírito livre, independen-te, sobrevi-vendo à matéria, e farás dele uma máquina organizada, sem objectivo, sem responsabili-dade, sem outro travão para além da lei civil e boa para ser explorada como animal inteligente. Nada esperando depois da morte, nada o impede de aumentar os prazeres do presente; se sofre, só tem como perspectiva o desespero e o nada como refúgio. Tendo a certeza do futuro, a de reencontrar os que amou, o receio de rever os que ofendeu, todas as suas ideias se modificam. Se o Espiritismo não tivesse feito mais do que retirar ao homem a dúvida quanto à vida futura, teria contribuído para o seu aperfeiçoamento moral mais que todas as leis disciplinares que por vezes o peiam mas não modificam.

  Sem a pré-existência da alma, a doutrina do pecado original não seria só irreconciliável com a justiça de Deus, que tornaria todos os homens responsáveis pelo erro de um único: seria um contra-senso, tanto mais injustificável quanto, segundo esta doutrina, a alma não existiria na época a que se pretende remontar a sua responsabilidade. Com a pré-existência, o homem traz ao renascer o germe das suas imperfeições, dos defeitos que não corrigiu e que se traduzem nos seus instintos inatos, nas suas propensões para tal ou tal vício. Reside aí o verdadeiro pecado original de que sofre muito naturalmente as consequências, mas com a diferença capital de que sofre o castigo dos seus próprios pecados e não o de um pecado de outro. E há outra diferença, simultaneamente consoladora, encorajadora e soberanamente equitativa: a de que cada existência lhe oferece os meios para se redimir através da reparação e para evoluir, quer despojando-se de alguma imperfeição, quer adquirindo novos conhecimentos, e isto até que, ao estar suficientemente purificado, deixe de necessitar da vida corporal e possa viver exclusivamente da vida espiritual, eterna e bem-aventurada.

  Pelo mesmo motivo, o que evoluiu moralmente traz, ao renascer, qualidades inatas, tal como o que evoluiu intelectualmente traz ideias inatas; identifica-se com o bem, pratica-o sem esforço, sem cálculo e, por assim dizer, sem pensar. O que é obrigado a combater as suas más tendências está ainda a lutar: o primeiro já venceu, o segundo vai a caminho de vencer. Existe, portanto, virtude original tal como há saber original e pecado ou, melhor vício original.

  O Espiritismo experimental estudou as propriedades dos fluidos espirituais e a sua acção sobre a matéria. Demonstrou a existência do perespírito, presumido desde a antiguidade e designado por São Paulo sob o nome de Corpo espiritual, isto é, corpo fluídico da alma após destruição do corpo tangível. Sabemos hoje que esse invólucro é indissociável da alma; que é um dos elementos constituintes do ser humano; que é o veículo de transmissão do pensamento e que, durante a vida do corpo, serve de ligação entre o Espírito e a matéria. O perespírito representa um papel tão importante no organismo e numa quantidade de afecções, que se aproxima da fisiologia tão bem como da psicologia.

  O estudo das propriedades do perespírito, dos fluidos espirituais e dos atributos psicológicos da alma, abre novos horizontes à ciência e fornece a chave de um conjunto de fenómenos até então incompreendidos por não se conhecer a lei que os rege; fenómenos negados pelo materialismo porque se prendem à espiritualidade, qualificados por outros como milagres ou sortilégios, consoante as crenças. São assim, entre outros, os fenómenos da dupla visão, da visão à distância, do sonambulismo natural ou artificial, dos efeitos psíquicos da catalepsia e da letargia, da presciência, dos pressentimentos, das aparições, das transfigurações, da transmissão de pensamento, do fascínio, das curas instantâneas, das obsessões e possessões, etc. Ao demonstrar que estes fenómenos assentam sobre leis tão naturais como os fenómenos eléctricos e as condições normais em que se podem produzir, o Espiritismo destruiu o império do maravilhoso e do sobrenatural e, por consequência, a fonte da maior parte das superstições. Se faz com que se acredite em certas coisas consideradas por alguns como quiméricas, impede que se acredite em muitas outras de que demonstra a impossibilidade e a irracionalidade.

  O Espiritismo, muito longe de negar ou de destruir o Evangelho, vem antes pelo contrário confirmar, explicar e desenvolver, através das novas leis da natureza que revelam tudo o que Cristo fez e disse; traz luz aos pontos obscuros do seu ensino, de tal modo que alguns daqueles para quem certas partes do Evangelho eram ininteligíveis, ou pareciam ser inadmissíveis, as compreendem e as admitem sem dificuldade com a ajuda do Espiritismo; entendem-lhe melhor o alcance e podem separar a realidade da alegoria; Cristo parece-lhes maior: já não é simplesmente um filósofo, mas sim um Messias divino.

  Se, além disso, considerarmos o poder do Espiritismo pelo objectivo que confere a todas as acções da vida, pelas consequências do bem e do mal que deixa bem claras, a força moral, a coragem, os consolos que confere nas aflições através da ideia de termos perto de nós os entes que amámos, a garantia de os revermos, a possibilidade de conversar com eles, enfim, pela certeza de que de tudo o que fazemos, de que de tudo o que adquirimos em inteligência, em ciência, em moralidade, até ao derradeiro momento da vida, nada está perdido, que tudo aproveita à evolução, reconhecemos que o Espiritismo realiza todas as promessas de Cristo relativamente ao Consolador anunciado. Ora, como é o Espírito de Verdade que preside ao grande movimento da regeneração, a promessa do seu advento encontra-se igualmente realizada, pois, de facto, é ele o verdadeiro Consolador (*).

  (*) Muitos pais de família deploram a morte prematura de crianças, pela educação das quais fizeram grandes sacrifícios, e dizem para consigo que tudo isso foi uma pura perda. Com o Espiritismo não lamentam estes sacrifícios e estariam prontos a fazê-los, mesmo tendo a certeza de verem morrer os filhos, pois sabem que, se estes não beneficiam dessa educação no presente, ela servirá primeiro para a sua evolução como Espíritos; depois, que será um conhecimento adquirido para uma nova existência e que, quando regressarem, possuirão uma bagagem intelectual que os tornará mais aptos a adquirir novos conhecimentos. São as crianças que ao nascer trazem ideias inatas, que sabem sem, por assim dizer, terem necessidade de aprender. Se os pais não têm a satisfação imediata de verem os filhos usufruírem dessa educação, certamente gozá-la-ão mais tarde, quer como Espíritos, quer como homens. Talvez venham a ser novamente os pais dessas mesmas crianças que consideramos afortunadamente dotadas pela natureza e que devem as suas aptidões a uma anterior educação; assim como também, se as crianças se desencaminham por negligência dos pais, estes podem vir a sofrer mais tarde com isso, devido aos aborrecimentos e desgostos dos pais, estes podem vir a sofrer mais tarde com isso, devido aos aborrecimentos e desgostos que provocarão numa nova existência. (Evangelho Segundo o Espiritismo, Capítulo V, n.º 21: Perdas de Pessoas Amadas e Mortes Prematuras.)

  Se a estes resultados acrescentarmos a rapidez inerente à propagação do espiritismo, apesar de tudo o que foi feito para o abater, não poderemos sequer pensar que o seu advento não seja outra coisa que não providencial, na medida em que triunfa sobre todas as forças e sobre todas as más vontades humanas. A facilidade com que é aceite por um grande número de pessoas, e isso sem constrangimentos, sem outros meios de que o poder da ideia, prova que ele responde a uma necessidade: a de acreditar em qualquer coisa, após o vazio cavado pela incredulidade. Consequentemente, chegou no momento exacto.

 Os aflitos são em grande número: não é então surpreendente que tantas pessoas acolham uma doutrina consoladora, de preferência a doutrinas que desesperam, na medida em que é mais aos deserdados da sorte do que aos felizes que se dirige o Espiritismo. O doente vê chegar o médico com mais alegria do que aquele que não costuma ter problemas de saúde; ora, os aflitos são os doentes e o Consolador é o Médico.

  Vós que combates o Espiritismo, se queres que o deixem para vos seguirem, dá então mais e melhor que ele; cura mais garantidamente as feridas da alma. Dá mais consolações, mais satisfações ao coração, esperanças mais legítimas, certezas maiores; faz do futuro um quadro mais racional, mais sedutor; mas não penses em vencê-lo com a perspectiva do vazio; com a alternativa das chamas do Inferno ou da beata e inútil contemplação perpétua.

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ALLAN KARDEC, A GÉNESE – Os Milagres e as Profecias Segundo o Espiritismo, Capítulo I NATUREZA DA REVELAÇÃO ESPÍRITA números de 37 a 44 (VIII), 10º fragmento da obra. Tradução portuguesa de Maria Manuel Tinoco, Editores Livros de Vida.
(imagem de contextualização: Diógenes e os pássaros de pedra, pintura em acrílico de Costa Brites)

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