– A poesia
– A música, o seu papel na inspiração profética e religiosa
A poesia, na realidade, é apenas uma forma de música. Ela é
submetida às mesmas leis do ritmo, da vibração, que são as leis da vida nos seus
estados superiores.
A Antiguidade, criadora do género, havia compreendido. O
poeta antigo era, ao mesmo tempo, cantor e músico. Porém, actualmente, a poesia
não é mais que uma das formas da literatura. Como todas as manifestações da
arte em geral, ela perdeu o seu carácter augusto, para cair na banalidade. Somos
inundados por um dilúvio de versos sem elevação e sem beleza.
Ora, o verso não suporta a mediocridade. E é por isso que,
na Idade Média como nos nossos dias, escritores de grande talento, Dante (i), Lamartine, Victor Hugo e outros,
puderam conservar na poesia o seu brilho, o seu carácter de grandeza e salvá-la
de uma queda irremediável. Para exprimir o sublime ideal, todas as palavras são
impotentes. Chegando a uma certa altura, o pensamento encontra apenas termos
humanos, apropriados às exigências do nosso plano inferior, mas incapazes de
traduzir as impressões da vida superior. E é isso que o Esteta lamenta. Desde que a insuficiência da linguagem humana se
revela, a música, com os seus recursos infinitos, torna-se a única forma que se
adapta à eterna beleza do Universo, a única forma de exprimir as sensações da
alma radiosa, fundindo-se com o pensamento divino.
A palavra, quando está unida à música, pode dar ao pensador
uma forma de expressão mais intensa, mais penetrante. Porém, nos nossos dias, a
aplicação desse método tornou-se muitas vezes bem vulgar. A romança (ii), a canção (iii), tinham, ainda recentemente, o seu encanto, o seu sabor.
Hoje, sob a influência de certos meios públicos, a canção não é mais que uma
profanação, um aviltamento da ideia.
Porém, quando das cloacas impuras onde mãos sacrílegas a têm
enlameado, a música eleva-se em direcção às alturas radiosas do pensamento e da
poesia, ela se torna apta a traduzir os mais nobres sentimentos. Ela acha-se no
seu elemento. Lá, tudo são ondas, vibrações, harmonias, luz. Eis por que a
poesia, para permanecer no seu verdadeiro papel, deve inspirar-se nas leis da
harmonia musical e reproduzi-las com fidelidade.
A música, nós o sabemos, desempenha um grande papel na
inspiração profética e religiosa. Ela coloca ritmo na emissão fluídica e
facilita a acção dos espíritos elevados. Eis por que ela tem o seu lugar nas
reuniões espíritas, nas sessões em que é bom precedê-las por um hino apropriado
às circunstâncias. Muitas vezes os guias dos grupos exortam os assistentes a
entoar um cântico para facilitar as manifestações. Porém, até agora, é preciso
confessá-lo, os espíritas se encontram muito carentes desse tipo de música e
são obrigados a recorrer a cânticos vulgares, a banalidades indignas do objectivo
pretendido. É com uma dolorosa impressão que temos constatado, mais de uma vez,
a penúria dos recursos musicais usados nos grupos espíritas. Eis por que
compomos um hino dedicado “aos invisíveis” e cuja música se deve a uma senhora
que possui um certo senso estético e é plena de boa vontade. Mas eis que o
senhor A.F., compositor muito conhecido, acaba de obter do Espírito Beethoven,
por intermédio de um médium, um cântico espírita digno por completo do autor, e
que em breve será divulgado. Os espíritas possuirão, finalmente, uma invocação
musical em harmonia com as suas ideias e as suas aspirações.
Em toda a obra pretendida – literatura, poesia, arte –, a
escolha dos meios deve ser apropriada à grandeza do objectivo.
Na verdade, a poesia está em toda a parte onde a colocamos.
Ela não se exprime somente pelo verso; ela pode impregnar todas as formas da
linguagem escrita ou falada, todos os aspectos da arte. A poesia é a expressão
da beleza propagada em todo o Universo. É o ardor comunicativo da alma que
compreendeu, alcançado o sentido profundo das coisas, a lei das supremas harmonias
e que busca penetrá-la nas outras almas, pelos meios que lhe são próprios.
Todos os seres são sensíveis à música. Até os animais recebem
a sua influência. Conhece-se a lenda de Orfeu, atraindo com a sua lira e
agrupando, à volta dele, as feras da floresta. Os próprios insectos sentem as
vibrações. Quando me ponho ao piano, as moscas voam em torno de mim de uma forma
particular.
O poder da música também se demonstra pela influência da
canção sobre o povo. Ela é a companheira do trabalho, o apoio do esforço
paciente e repetido, a alegria do lar, porque exalta as forças e os sentimentos
do ser humano. Portanto, a canção também poderia ser um meio de elevação,
porém, nós já vimos, nos nossos dias a canção arrasta-se, muito frequentemente,
em terreno lamacento e perde todo o carácter regenerador.
As duas últimas lições de o Esteta, que se encontrarão mais adiante, nos levam em direcção às
serenas alturas da arte. Elas terminam a série de comunicações que recebemos
desse grande espírito, do qual conhecemos agora a personalidade.
Ele foi um dos mais eminentes artistas da Renascença italiana,
ao mesmo tempo arquitecto, pintor e escultor. A música também não lhe foi
estranha. Hoje ele vive nas esferas superiores onde o Belo e o Bem reinam sem
reservas; nelas ele procura a realização das suas grandiosas concepções. Os nossos
guias dizem-nos que devemos considerar como um favor único a participação de o Esteta nos nossos trabalhos, assim,
queremos expressar-lhe toda a nossa gratidão, bem como ao poder soberano que permitiu
tal intervenção.
Em breve, falaremos sobre música e daremos as lições do Espírito
Massenet consagradas mais especialmente a essa grande arte. Graças a essas
lições, um raio de luz da vida celeste penetrou na nossa obscuridade e as
nossas débeis tentativas humanas adquiriram mais relevo e mais amplidão.
/…
(i) Dante Alighieri:
poeta italiano (Florença, 1265 - Ravena, 1321). Compôs sonetos amorosos e
canções que expressavam a sua paixão platónica por Beatrice Portinari. Autor da
Divina Comédia, é considerado o pai
da poesia italiana. (N.T., segundo o D.K.L.)
(ii) Romança: composição, em geral curta, para
canto e piano, de cunho sentimental ou patético, típica do século XIX. (N.T.)
(iii) Canção: texto colocado em música, frequentemente
dividido em quadras e refrão, destinado a ser cantado. (N.T.)
LÉON DENIS, O Espiritismo na Arte, Parte V – Participação do mundo
espiritual na obra humana / Espiritismo, novo e vigoroso impulso ao pensamento – A poesia
/ A música, o seu papel na inspiração profética e religiosa / Influência da
música sobre todos os seres / A canção e o povo / O Esteta, a sua personalidade (2 de 4) 21º fragmento
da obra.
(imagem de contextualização: Mona Lisa 1503-1507
– Louvre, pintura de Leonardo da Vinci)
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