Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

terça-feira, 29 de julho de 2014

Da sombra do dogma à luz da razão ~


Natureza da Revelação Espírita (VII)

   Pelas relações que o homem pode agora estabelecer com os que deixaram a Terra, tem não só a prova material da existência e da individualidade da alma, como compreende a solidariedade que liga os vivos e os mortos deste mundo e os deste mundo com os dos outros mundos. Conhece a situação deles no mundo dos Espíritos; segue-os nas suas migrações; é testemunha das suas alegrias e dos seus desgostos; sabe porque estão felizes ou infelizes e a sorte que o espera a ele consoante o bem ou o mal que faça. Estas ligações iniciam-no na vida futura que pode observar em todas as fases, em todas as suas peripécias; o futuro já não é uma esperança vaga: é um facto positivo, uma certeza matemática. Então, a morte já nada tem de assustador, pois é para ele a libertação, a porta da verdadeira vida.

   Através do estudo da situação dos Espíritos, o homem sabe que a felicidade e a infelicidade na vida espiritual são inerentes ao grau de perfeição e de imperfeição; que cada qual sofre as consequências directas e naturais dos seus erros: dito de outro modo, que é castigado por aquilo em que pecou; que as suas consequências duram tanto tempo como a causa que os produziu; que, assim, o culpado sofreria eternamente se persistisse eternamente no mal, mas que o sofrimento termina com o arrependimento e a reparação; ora, como depende de cada um melhorar, cada um pode, graças ao seu livre-arbítrio, prolongar ou abreviar os seus sofrimentos, tal como o doente sofre durante o tempo que levar até pôr um fim aos seus excessos.

  Se a razão afasta, como incompatível com a bondade de Deus, a ideia dos castigos irremissíveis, perpétuos e absolutos, muitas vezes infligidos devido a um só erro, suplícios do Inferno que não podem suavizar o arrependimento mais ardente e mais sincero, ela inclina-se perante esta justiça distributiva e imparcial, que toma tudo em consideração, que nunca fecha a porta ao regresso e que estende constantemente a mão ao náufrago, em vez de o empurrar para o abismo.

   A pluralidade das existências, de que Cristo enunciou o princípio no Evangelho mas sem o definir mais que muitos outros, é uma das leis mais importantes reveladas pelo Espiritismo, no sentido em que demonstra a realidade e a sua necessidade para a evolução. Por esta lei, o homem explica todas as anomalias aparentes que a vida humana apresenta; as diferenças de posição social, os mortos prematuros que, sem a reencarnação, tornariam inúteis para as almas as vidas abreviadas; a desigualdade das aptidões intelectuais e morais, pela antiguidade do espírito que aprendeu mais ou menos e progrediu e que traz ao renascer o saber adquirido nas suas existências anteriores. (Ver o ponto 5 deste capítulo).

   Com a doutrina da criação da alma, a cada nascimento, voltamos a cair na teoria das criações privilegiadas; os homens são estranhos uns aos outros, nada os une, os laços de família são puramente carnais: não são de maneira nenhuma solidários com um passado onde não existiam; com a ideia do nada depois da morte, toda a relação cessa com a vida; não são solidários com o futuro. Com a reencarnação, são solidários com o passado e com o futuro; perpetuando-se as suas relações no mundo espiritual e no mundo corporal, a fraternidade tem por base as próprias bases da natureza; o bem tem uma finalidade e o mal as suas consequências inevitáveis.

  Com a reencarnação caem todos os preconceitos de raças e de castas, uma vez que o mesmo Espírito pode renascer rico ou pobre, fidalgo ou proletário, patrão ou subordinado, livre ou escravo, homem ou mulher. De todos os argumentos invocados contra a injustiça da servidão e da escravatura, contra a sujeição da mulher à lei do mais forte, não existe nenhum que supere em lógica o facto material da reencarnação. Portanto, se a reencarnação funda sobre uma lei da natureza o princípio da fraternidade universal, funda sobre a mesma lei o da igualdade de direitos sociais e, por consequência, o da liberdade.

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ALLAN KARDEC, A GÉNESE – Os Milagres e as Profecias Segundo o Espiritismo, Capítulo I NATUREZA DA REVELAÇÃO ESPÍRITA números de 31 a 36 (VII), 9º fragmento da obra. Tradução portuguesa de Maria Manuel Tinoco, Editores Livros de Vida.
(imagem de contextualização: Diógenes e os pássaros de pedra, pintura em acrílico de Costa Brites)

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