VIII
Acção dos Espíritos sobre os Actuais Aconteci-mentos (II)
|Janeiro de 1917|
Neste momento, quando a borrasca se aplaca e os clarões da
esperança iluminam o horizonte chegou a hora de nos recolhermos em meditação,
concentrando-nos e fazendo um exame de consciência.
Não nos cabe nenhuma parte de responsabilidade nesse drama
tão terrível que agita e conturba o mundo?
Combatemos com toda a energia necessária contra essa
decomposição moral que é a causa primária de todos os nossos males? Tentamos
reagir contra o domínio do ouro, da força e do sucesso, que parecia tornar-se a
religião exclusiva da humanidade? Temos defendido sempre os princípios nobres
da consciência e da vida contra a onda avassaladora do sórdido materialismo?
Poucos existem no nosso meio que, atingindo certa idade e
tendo ocupado uma posição social, e exercendo qualquer tipo de influência à sua volta, possam responder afirmativamente a tais perguntas.
Não há, portanto, de que nos admirarmos, se ficamos feridos
nas nossas afeições e interesses e se nos cabe uma parte na dor comum.
Principalmente para nós, os crentes, é necessário que a
grande lição seja proveitosa e que os sofrimentos purifiquem os nossos corações.
O vento da tempestade que está passando sobre o mundo deve
reavivar em nós o firme desejo de trabalhar pelo soerguimento moral do nosso
país, despertando em todas as almas a noção das verdades elevadas, o sentimento
da vida eterna e a ideia de Deus.
Cabe, afinal, que se juntem as vontades e as aspirações e
que a prece fervorosa, dirigida ao Pai pelos filhos culpados, se eleve da Terra
para o Céu.
Cada vez mais mergulhávamos na matéria e perdíamos de vista
o profundo sentido e a verdadeira finalidade da vida. Trágicos acontecimentos
vieram nos demonstrar que neste mundo tudo é precário e a nos animar a erguer os
olhos para o Alto. Esses acontecimentos nos dizem que neste planeta não temos o
futuro assegurado e que os bens, as honras e tudo quanto nos seduz e encanta
desaparece como uma sombra vã.
Fomos criados para a vida infinita e o nosso domínio é o
Universo inteiro, não sendo a Terra senão uma das incontáveis estações da nossa
longa jornada.
Pertencemos a Deus, de onde viemos e para onde volveremos,
aperfeiçoando e desenvolvendo o nosso ser, através da alegria e do sofrimento,
pelo júbilo ou pela dor.
O nosso corpo é apenas uma prisão temporária e a morte é uma
libertação. A sabedoria consiste, pois, em sempre subordinar a matéria ao
espírito, porque ela não é mais que uma aparência, enquanto o espírito é a única
realidade viva e imortal.
O sofrimento é sagrado por ser a escola austera das almas, o
meio mais seguro de purificação e elevação.
A dor é a reparação do passado e a conquista do futuro; é a
possibilidade que nos é oferecida para nos juntarmos aos nossos queridos
invisíveis, participando de sua vida espiritual, os seus trabalhos e as suas
missões.
Pela dor os nossos destinos se ajustam e se marcam de modo
mais vivo, ensinando que a hora presente é solene para a humanidade, cujo
progresso ou recuo ela pode precipitar.
Pela conjugação dos nossos esforços podemos garantir a
vitória do bem sobre o mal, da luz sobre as trevas, do altruísmo sobre o egoísmo
brutal, permitindo que algum progresso se faça para reino do Espírito Divino.
Depois da tormenta virá o tempo de paz, permitindo realizar
o balanço moral dessa guerra. Veremos então que os nossos males deram os seus
frutos. Os crimes, as covardias e as traições que o presente carrega suscitarão
um sentimento universal de reprovação e de horror, impedindo que eles se
repitam.
Por outro lado, as privações e o sofrimento experimentados
em comum associam os corações, anulando distinções entre partidos e religiões,
tornando definitiva a união sagrada que a necessidade dos dias tristes impôs.
Todos os filhos da França se sentirão como irmãos, animados
pelo mesmo espírito, dispostos a preparar a vitória das forças morais e,
através delas, o soerguimento da pátria.
Grande número de jovens já começa a entrever as nobres
verdades que só alcançam quando mais idosos e mais experientes. Antes da guerra
eles passavam por materialistas e amantes dos gozos, porém, premidos pelas
circunstâncias, diante do perigo, na presença da morte e principalmente nas
longas esperas da trincheira, o pensamento lhes amadureceu.
Aos seus olhos apareceram novas perspectivas, vozes
interiores lhes cantaram dentro da alma, e a vida agora lhes apareceu sob um
aspecto não conhecido. O mundo invisível, que na sangrenta luta os animava, os
inspira nas horas de calma e repouso, sugerindo-lhes nobre e elevado ideal, depositando
nas suas almas os germes de sagrada semente.
Sobre isso, recebi muitas cartas da linha da frente, que
servem de outros tantos testemunhos. Uma coisa elas demonstram: que se forjam
vontades cuja têmpera enfrentará todos os choques e que, do caos dos
acontecimentos, surgirão almas selectas que, conscientes do seu valor,
penetradas pela grande lei dos destinos, nenhum fracasso lhes poderá enfraquecer
a fé.
Estarão preparadas para todos os sacrifícios, pois o seu
ideal as eleva acima de todas as provações, de todas as decepções, sabendo que
o futuro lhes pertence.
Na escola do sofrimento, as presentes gerações aprenderão a
renunciar aos seus erros e vícios, imprimindo novas direcções à vida nacional e
preparando os elementos de uma renovação que restituirá à França todo o brilho
do seu génio e todo o seu prestígio no mundo.
Assim se faz a História: pela íntima e profunda colaboração
das duas humanidades, a da Terra e a do Espaço.
A observação superficial, considerando apenas o plano
terrestre, vê os factos se sucederem desordenadamente, sem nexo, numa aparente
incoerência, só explicável pelo livre-arbítrio que Deus concede ao homem, de
agir a seu gosto.
Todavia, se contemplarmos as coisas de mais alto,
distinguiremos melhor o misterioso fio que as liga. Através da marcha
maravilhosa dos séculos se vislumbra a obra da eterna justiça.
/…
LÉON DENIS, O Mundo Invisível e a Guerra, VIII
/ Acção dos Espíritos sobre os Actuais Acontecimentos / Janeiro de
1917 (2 de 2) 23º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: Tanque de guerra
britânico capturado pelos Alemães, durante a Primeira Guerra
Mundial)
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