Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

domingo, 13 de julho de 2014

O Mundo Invisível e a Guerra ~


VIII

Acção dos Espíritos sobre os Actuais Aconteci-mentos (II)

|Janeiro de 1917|

   Neste momento, quando a borrasca se aplaca e os clarões da esperança iluminam o horizonte chegou a hora de nos recolhermos em meditação, concentrando-nos e fazendo um exame de consciência.

   Não nos cabe nenhuma parte de responsabilidade nesse drama tão terrível que agita e conturba o mundo?

   Combatemos com toda a energia necessária contra essa decomposição moral que é a causa primária de todos os nossos males? Tentamos reagir contra o domínio do ouro, da força e do sucesso, que parecia tornar-se a religião exclusiva da humanidade? Temos defendido sempre os princípios nobres da consciência e da vida contra a onda avassaladora do sórdido materialismo?

   Poucos existem no nosso meio que, atingindo certa idade e tendo ocupado uma posição social, e exercendo qualquer tipo de influência à sua volta, possam responder afirmativamente a tais perguntas.

   Não há, portanto, de que nos admirarmos, se ficamos feridos nas nossas afeições e interesses e se nos cabe uma parte na dor comum.

   Principalmente para nós, os crentes, é necessário que a grande lição seja proveitosa e que os sofrimentos purifiquem os nossos corações.

   O vento da tempestade que está passando sobre o mundo deve reavivar em nós o firme desejo de trabalhar pelo soerguimento moral do nosso país, despertando em todas as almas a noção das verdades elevadas, o sentimento da vida eterna e a ideia de Deus.

   Cabe, afinal, que se juntem as vontades e as aspirações e que a prece fervorosa, dirigida ao Pai pelos filhos culpados, se eleve da Terra para o Céu.

   Cada vez mais mergulhávamos na matéria e perdíamos de vista o profundo sentido e a verdadeira finalidade da vida. Trágicos acontecimentos vieram nos demonstrar que neste mundo tudo é precário e a nos animar a erguer os olhos para o Alto. Esses acontecimentos nos dizem que neste planeta não temos o futuro assegurado e que os bens, as honras e tudo quanto nos seduz e encanta desaparece como uma sombra vã.

   Fomos criados para a vida infinita e o nosso domínio é o Universo inteiro, não sendo a Terra senão uma das incontáveis estações da nossa longa jornada.

   Pertencemos a Deus, de onde viemos e para onde volveremos, aperfeiçoando e desenvolvendo o nosso ser, através da alegria e do sofrimento, pelo júbilo ou pela dor.

   O nosso corpo é apenas uma prisão temporária e a morte é uma libertação. A sabedoria consiste, pois, em sempre subordinar a matéria ao espírito, porque ela não é mais que uma aparência, enquanto o espírito é a única realidade viva e imortal.

   O sofrimento é sagrado por ser a escola austera das almas, o meio mais seguro de purificação e elevação.

   A dor é a reparação do passado e a conquista do futuro; é a possibilidade que nos é oferecida para nos juntarmos aos nossos queridos invisíveis, participando de sua vida espiritual, os seus trabalhos e as suas missões.

   Pela dor os nossos destinos se ajustam e se marcam de modo mais vivo, ensinando que a hora presente é solene para a humanidade, cujo progresso ou recuo ela pode precipitar.

   Pela conjugação dos nossos esforços podemos garantir a vitória do bem sobre o mal, da luz sobre as trevas, do altruísmo sobre o egoísmo brutal, permitindo que algum progresso se faça para reino do Espírito Divino.

   Depois da tormenta virá o tempo de paz, permitindo realizar o balanço moral dessa guerra. Veremos então que os nossos males deram os seus frutos. Os crimes, as covardias e as traições que o presente carrega suscitarão um sentimento universal de reprovação e de horror, impedindo que eles se repitam.

   Por outro lado, as privações e o sofrimento experimentados em comum associam os corações, anulando distinções entre partidos e religiões, tornando definitiva a união sagrada que a necessidade dos dias tristes impôs.

   Todos os filhos da França se sentirão como irmãos, animados pelo mesmo espírito, dispostos a preparar a vitória das forças morais e, através delas, o soerguimento da pátria.

   Grande número de jovens já começa a entrever as nobres verdades que só alcançam quando mais idosos e mais experientes. Antes da guerra eles passavam por materialistas e amantes dos gozos, porém, premidos pelas circunstâncias, diante do perigo, na presença da morte e principalmente nas longas esperas da trincheira, o pensamento lhes amadureceu.

   Aos seus olhos apareceram novas perspectivas, vozes interiores lhes cantaram dentro da alma, e a vida agora lhes apareceu sob um aspecto não conhecido. O mundo invisível, que na sangrenta luta os animava, os inspira nas horas de calma e repouso, sugerindo-lhes nobre e elevado ideal, depositando nas suas almas os germes de sagrada semente.

   Sobre isso, recebi muitas cartas da linha da frente, que servem de outros tantos testemunhos. Uma coisa elas demonstram: que se forjam vontades cuja têmpera enfrentará todos os choques e que, do caos dos acontecimentos, surgirão almas selectas que, conscientes do seu valor, penetradas pela grande lei dos destinos, nenhum fracasso lhes poderá enfraquecer a fé.

   Estarão preparadas para todos os sacrifícios, pois o seu ideal as eleva acima de todas as provações, de todas as decepções, sabendo que o futuro lhes pertence.

   Na escola do sofrimento, as presentes gerações aprenderão a renunciar aos seus erros e vícios, imprimindo novas direcções à vida nacional e preparando os elementos de uma renovação que restituirá à França todo o brilho do seu génio e todo o seu prestígio no mundo.

   Assim se faz a História: pela íntima e profunda colaboração das duas humanidades, a da Terra e a do Espaço.

   A observação superficial, considerando apenas o plano terrestre, vê os factos se sucederem desordenadamente, sem nexo, numa aparente incoerência, só explicável pelo livre-arbítrio que Deus concede ao homem, de agir a seu gosto.

   Todavia, se contemplarmos as coisas de mais alto, distinguiremos melhor o misterioso fio que as liga. Através da marcha maravilhosa dos séculos se vislumbra a obra da eterna justiça.

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LÉON DENIS, O Mundo Invisível e a Guerra, VIII / Acção dos Espíritos sobre os Actuais Acontecimentos / Janeiro de 1917 (2 de 2) 23º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: Tanque de guerra britânico capturado pelos Alemães, durante a Primeira Guerra Mundial)

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