Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

| o grande enigma ~


Solidariedade | comunhão universal

Deus é o Espírito de Sabedoria, de Amor e de Vida, o Poder Infinito que governa o mundo.

O homem é finito mas tem a intuição do Infinito. O princípio espiritual, de que é detentor, incita-o a perscrutar os problemas que excedem os limites actuais do seu entendimento. O seu Espírito, prisioneiro na carne, separa-se dela, às vezes, e eleva-se aos domínios superiores do pensamento, donde lhe vêm essas altas aspirações, as quais muitas vezes são seguidas de recaídas na matéria. Daí tantas pesquisas, tentativas e erros, a tal ponto que seria impossível distinguir a verdade, no amontoado dos sistemas e das superstições que o trabalho das idades tem acumulado, se os Poderes Invisíveis não viessem fazer luz nesse caos.

Cada Alma é uma irradiação da grande Alma universal, uma centelha gerada do Eterno Foco. Nós, porém, nos ignoramos a nós mesmos, e essa ignorância é a causa de nossa fraqueza e de todos os nossos males.

Estamos unidos a Deus na relação estreita que liga a causa ao efeito, e somos tão necessários à sua existência quanto Ele é necessário à nossa. Deus, Espírito Universal, manifesta-se na Natureza, e o homem é, sobre a Terra, a mais alta expressão dessa Natureza. Somos a criação e a expressão de Deus, que é a fonte do Bem. Mas esse Bem, nós o possuímos somente no estado de gérmen, e a nossa tarefa consiste em desenvolvê-lo. As nossas vidas sucessivas, a nossa ascensão na espiral infinita das existências, não têm outro fim. Tudo está escrito no fundo da Alma em caracteres misteriosos: o passado, de onde emergimos e devemos aprender a sondar; o futuro, para o qual evolvemos, futuro que nós mesmos edificaremos qual monumento maravilhoso, feito de pensamentos elevados, de nobres acções, de devotamentos e de sacrifícios.

A tarefa que cada um tem a realizar resume-se em três palavras: saber, crer, querer – isto é, saber que temos recônditos e inatos recursos incalculáveis; crer na eficiência de nossa acção sobre os dois mundos, o da Matéria e o do Espírito; querer o Bem, dirigindo o nosso pensamento para o que é belo e grandioso, conformando as nossas acções com as leis eternas do trabalho, da justiça e do amor.

Vindas de Deus, todas as Almas são irmãs; todos os filhos da raça humana são unidos por laços estreitos de fraternidade e solidariedade. E porque os progressos de cada um são sentidos por todos, os rebaixamentos de um só afectam o conjunto.

Da paternidade de Deus decorre a fraternidade humana; todas as relações que nos ligam unem-se a esse facto. Deus, pai das Almas, deve ser considerado o Ser consciente por excelência e nunca em grau de abstracção. Aqueles que possuem recta consciência e são esclarecidos por um raio do Alto reconhecem Deus e o servem na Humanidade, que é a sua filha e a sua criação.

Atingindo o homem o conhecimento de sua verdadeira natureza e de sua unidade em Deus, tendo entrado essa noção na sua consciência e no seu coração, ele se eleva até à Verdade suprema; domina, do topo, as vicissitudes terrestres; encontra a força que “remove montanhas”, que o torna vencedor na luta contra as paixões e permite desprezar as decepções e a morte. Executa então o que o vulgo chama prodígios. Por sua vontade, por sua fé, submete, governa a substância; quebra as fatalidades da matéria; torna-se quase um deus para os outros homens. Muitos, na sua passagem por este mundo, chegaram a essas alturas de vistas, mas só Cristo delas se compenetrou, a ponto de dizer à face de todos: “Eu e meu Pai somos um; Ele está em mim e eu estou Nele.”.

Estas palavras não se aplicam, entretanto, a Ele somente; são verdadeiras para a Humanidade inteira. Cristo sabia que todo o homem deve chegar à compreensão de sua natureza íntima, e é nesse sentido que dizia aos seus discípulos: “Vós sois todos deuses.” (João, cap. X, v. 34.)

Poder-se-ia acrescentar: deuses para o futuro!

É a ignorância da nossa natureza e das forças divinas que dormem no nosso íntimo, é a ideia insuficiente que fazemos do nosso papel e das leis do destino que nos entregam às influências inferiores, ao que chamamos o Mal. Na realidade, o facto se reduz a uma falta de desenvolvimento. O estado de ignorância não é, por si mesmo, um mal; é somente uma das formas, uma das condições necessárias da lei de evolução. A nossa inteligência não amadureceu ainda; a nossa razão, criança, tropeça nos acidentes do caminho; daí o erro, os desfalecimentos, as provações, a dor. Mas todas essas coisas serão um bem se as considerarmos outros tantos meios de educação e elevação. A Alma deve atravessá-las para chegar à concepção das verdades superiores, à possessão da parte de glória e de luz, que fará dela uma eleita do céu, uma expressão perfeita do Poder e do Amor infinitos. Cada ser possui os rudimentos de uma inteligência que atingirá o génio e tem a imensidade dos tempos para desenvolvê-la. Cada vida terrestre é uma escola, a escola primária da Eternidade.

Na lenta ascensão que leva o homem a Deus, procuramos, antes de tudo, a ventura, a felicidade. Todavia, no seu estado de ignorância, não poderia ele atingir esses bens, porque os procura quase sempre onde não estão, na região das miragens e das quimeras, por meio de processos cuja falsidade só lhe aparece depois das decepções e dos sofrimentos. São esses sofrimentos que nos esclarecem; as nossas dores são lições austeras; elas nos ensinam que a verdadeira felicidade não está nas coisas da matéria passageira e mutável, mais na perfeição moral. Os nossos erros e faltas repetidos, com as fatais consequências que trazem, acabam por nos dar a experiência, e esta nos conduz à sabedoria, isto é, ao conhecimento inato, à intuição da verdade. Chegado a esse sólido terreno, o homem sentirá o laço que o une a Deus e avançará, a passo mais seguro, de estádios em estádios, para a grande luz que não se extingue nunca.
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Léon Denis, O Grande Enigma, Primeira parte / Deus e o Universo, III Solidariedade | comunhão universal 1 de 3, 11º fragmento da obra.
(imagem de ilustração: As majestosas e violentas palavras dos poemas, pintura em acrílico de Costa Brites)

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