NATUREZA DA REVELAÇÃO ESPÍRITA (IV)
Todas as ciências se encadeiam e se sucedem
numa ordem racional; nascem umas das outras à medida que vão encontrando um
ponto de apoio nas ideias e nos conhecimentos anteriores. A astronomia, uma das
primeiras a ter sido cultivada, permaneceu nos erros da infância até ao momento
em que a física veio revelar a lei da força dos agentes naturais; a química,
nada podendo sem a física, iria suceder-lhe de perto, para depois caminharem as
duas em conjunto, apoiando-se uma na outra. A anatomia, a fisiologia, a zoologia,
a botânica, a mineralogia, só passaram a ser ciências sérias com a ajuda das
luzes trazidas pela física e depois pela química. A geologia, nascida ontem,
sem a astronomia, a física, a química e todas as outras, teria tido a falta dos
seus verdadeiros elementos de vitalidade; só podia ter surgido depois.
A ciência moderna fez justiça aos quatro
elementos primitivos dos Antigos e, de observação em observação, chegou à
concepção de um só elemento gerador de todas as transformações da matéria; mas
a matéria, em si, é inerte; não possui vida, nem pensamento, nem
sentimentos; precisa da união com o princípio espiritual. O Espiritismo não
descobriu nem inventou este princípio, mas foi o primeiro a demonstrá-lo por
provas irrecusáveis; estudando-o, analisando-o, tornou-lhe a acção evidente. Ao
elemento material veio acrescentar o elemento espiritual. Elemento material e
elemento espiritual; eis os dois princípios, as duas forças vivas da natureza.
Pela união indissolúvel destes dois elementos, explicam-se sem dificuldade uma
quantidade de factos até então inexplicáveis |*.
O espiritismo, tendo por finalidade o estudo de
um dos dois elementos constituintes do Universo, toca na maior parte das
ciências; só poderia aparecer depois da sua elaboração e nasceu, pela força das
coisas, da impossibilidade de tudo se explicar somente com a ajuda das leis da
matéria.
Acusa-se o espiritismo de parentesco com a
magia e com a feitiçaria, mas esquecemos que a astronomia tem como antepassada
a astrologia judiciária, que não está assim tão longe de nós; que a química é
filha da alquimia, com que nenhum homem de juízo se atreveria a ocupar-se nos
dias de hoje. No entanto, ninguém nega que esteve na astrologia e na alquimia o
germe das verdades de onde saíram as ciências actuais. Apesar das suas fórmulas
ridículas, a alquimia abriu o caminho para o estudo dos corpos simples e para a descoberta da lei das afinidades; a astrologia, apoiando-se na posição e no
movimento dos astros que tinha estudado; mas na ignorância das verdadeiras leis
que regem o mecanismo do Universo, os astros eram, para o comum, entes
misteriosos a que a superstição atribuía uma influência moral e um sentido
revelador. Quando Galileu, Newton ou Kepler deram a
conhecer estas leis, quando o telescópio rasgou o véu e mergulhou nas
profundezas do espaço um olhar que certas pessoas consideram indiscreto, os
planetas apareceram-nos como simples mundos semelhantes ao nosso e a pirâmide
do maravilhoso desmoronou-se.
Passa-se o mesmo com o Espiritismo em relação à
magia e à feitiçaria; estas também se apoiavam na manifestação dos astros; mas,
na ignorância das leis que regem o mundo espiritual, misturavam nessa relação
práticas e crenças ridículas a que o espiritismo moderno, fruto da experiência
e da observação, fez justiça. Com toda a certeza, a distância que separa o
Espiritismo da magia e da feitiçaria é maior do que a existe entre a astronomia
e a astrologia, a química e a alquimia; querer confundi-las é provar que
desconhecemos tudo.
Só o facto de existir a possibilidade de comunicarmos com os seres do mundo espiritual tem consequências incalculáveis da maior gravidade; é todo um mundo novo que se nos revela e que tem tanto mais importância quanto atinge todos sem excepção. Este conhecimento não pode deixar de causar, ao generalizar-se, uma modificação profunda nos costumes, no carácter, nos hábitos e nas crenças, que têm uma tão grande influência nas relações sociais. É uma total revolução que se opera nas ideias, tanto maior e tão mais poderosa quanto atinge o coração de todas as classes, todas as nacionalidades, todos os cultos.
É portanto com razão que o Espiritismo é
considerado a terceira grande revelação. Vejamos em que diferem essas
revelações e por que laço se ligam umas às outras.
MOISÉS, como profeta, revelou aos homens o
conhecimento de um Deus único, Senhor Supremo e Criador de todas as coisas;
promulgou a lei do Sinai e estabeleceu os fundamentos da fé verdadeira; como
homem, foi o legislador do povo através do qual esta fé primitiva que,
depurada, se viria um dia a espalhar por toda a Terra.
CRISTO, retirando da lei antiga o que é eterno
e divino e rejeitando o que era só transitório, puramente disciplinar e de
concepção humana, acrescenta a revelação da vida futura, de que
Moisés não tinha falado, a dos castigos e recompensas que esperam o homem
depois da morte (ver Revista Espírita, 1861, pp. 90 e 280).
A parte mais importante da revelação de Cristo,
no que ela é de fonte primeira, pedra angular de toda a sua doutrina, é o ponto
de vista totalmente novo sob o qual dá a aperceber a Divindade. Já não é o Deus
terrível, ciumento, vingativo de Moisés, o Deus cruel e impiedoso que rega a
Terra com sangue humano, que ordena o massacre e o extermínio dos povos, sem exceptuar
as mulheres, as crianças e os velhos, que castiga os que poupam as vítimas; já
não é o Deus injusto que castiga um povo inteiro pelo erro do seu chefe, que se
vinga do culpado na pessoa do inocente, que fere as crianças devido ao erro do
pai; mas um Deus clemente, soberanamente justo e bom, pleno de brandura e de
misericórdia, que perdoa ao pecador arrependido e dá a cada um consoante as
suas obras; já não é o Deus de um só povo privilegiado, o Deus dos exércitos a
presidir aos combates para sustentar a sua própria causa contra o deus dos
outros povos, mas o Pai comum do género humano, que estende a Sua protecção a
todos os Seus filhos e os chama todos a si; já não é o Deus que recompensa e
castiga com os bens da Terra, que faz com que a glória e a felicidade consistam
na submissão dos povos rivais e na multiplicidade da progenitura, mas que diz
aos homens: «A vossa verdadeira pátria não é neste mundo, mas no reino
celeste; é aí que os de coração humilde serão elevados e os orgulhosos serão
rebaixados.» Já não é um Deus que faz da vingança uma virtude e manda que
se troque olho por olho, dente por dente; mas o Deus de misericórdia que diz: «Perdoai
as ofensas se quereis que vos sejam perdoadas; devolvei o bem contra o mal; não
façais aos outros o que não quereis que vos façam.» Já não é o deus
mesquinho e meticuloso que impõe, sob os mais rigorosos castigos, a forma como
deseja Ser adorado, que Se ofende com a inobservância de uma fórmula; mas o
Deus grande que considera o pensamento e não se honra com a forma. Já não é,
enfim, o Deus que quer ser temido mas o Deus que quer ser amado.
/…
|* A palavra elemento não é aqui aplicada
no sentido de corpo simples, elementar, de moléculas
primitivas, mas no de parte constituinte de um todo. Neste sentido,
podemos dizer que o elemento espiritual tem parte activa na
economia do Universo, tal como dizemos que o elemento civil e
o elemento militar figuram no montante de uma população; o elemento
religioso entra na educação; que, na Argélia, existe o elemento
árabe e o elemento europeu. (N. do A.)
ALLAN KARDEC, A GÉNESE – Os Milagres e as
Profecias Segundo o Espiritismo, Capítulo I NATUREZA DA REVELAÇÃO ESPÍRITA
números de 17 a 23, 6º fragmento da obra. Tradução portuguesa de
Maria Manuel Tinoco, Editores Livros de Vida.
(imagem de ilustração: Diógenes e
os pássaros de pedra, pintura em acrílico de Costa Brites)
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