A EXPERIÊNCIA ESPÍRITA DE VICTOR HUGO
Victor Hugo possuía fé no plano divino do Universo, razão
porque baseava o seu lirismo sobre essa profunda convicção. Confiava na lei do
progresso e admitia que tudo evolui apesar das incertezas humanas. Quando o
homem, orgulhosamente, se considera "o fim e a meta do universo", o
poeta exclama: ''Acreditas que esta vida universal, que vai da rosa à árvore,
da árvore ao animal, que se eleva insensivelmente da pedra a ti, detem-se ante
o declive do abismo do homem? Não, prossegue invencível e admirável, penetra no
invisível e no imponderável, desvanece-se para ti, plena do azul de um mundo
deslumbrante, penetra entre seres que estão em volta do homem e outros que
estão longe dele, os espíritos puros, anjos, formados de raios, como o homem
está formado de instintos. Prossegue através de céus sempre elevados, sobe
escalando as estrelas; dos demónios desencadeados, sobe até aos seres alados,
ao espírito astro como o sol arcanjo; une, estreitando milhões de léguas, os
grupos de constelações com as legiões azuis; povoa o alto, as bordas e o
centro, e em todas as profundezas está em Deus".
A visão cósmica que possuía sobre o homem faz-nos recordar
este maravilhoso texto mediúnico: "Habitante do espaço, fénix que renasce
da matéria, peregrino dos mundos nos quais deixa um ser que foi e é, conta
suas horas por períodos de vida. Guerreiro incansável, veste-se de organismo
para lutar e acrescentar aos seus domínios mais verdade e ao seu poder mais
luz" |*
A primeira sessão mediúnica de Victor Hugo foi publicada por
Gustavo Simón (ver o seu livro "Les tables tournantes de Jersey",
editorial Louis Conard, Paris),
na qual se manifestou a sua filha
Leopoldina, há pouco falecida em naufrágio, e lavrou a correspondente acta
o célebre poeta e dramaturgo
Augusto Vacquerie.
Eis o relato:
"Quando se falava das mesas girantes nós duvidávamos.
Havíamos feito experiências com elas, mas sem êxito certo.
Víamos, sobretudo,
na atenção que em todas as partes se dedicava a estes fenómenos uma armadilha
da polícia francesa para distrair o espírito público das vergonhas do governo.
Assim estávamos quando
Mme.
de Girardin veio a
Jersey para
visitar Victor Hugo. Chegou na terça-feira, 6 de setembro de 1853.
"Falou-nos das mesas. Não giravam, apenas: falavam
também. Convencionava-se com elas que as batidas que dessem seriam as letras do
alfabeto e que se escreveria a letra na qual se detivessem. Assim se obtinham
letra por letra e palavra por palavra, frases e páginas inteiras. Vimos nisto
um paradoxo do génio encantador de Mme. de Girardin.
Tanto é que, na quarta-feira, enquanto tratava de falar à
mesa com Victor Hugo, na sala de jantar, nós permanecíamos no salão. A mesa não
falou. Mme. de Girardin disse que o fracasso se devia a que a mesa era quadrada
e que se precisava de uma redonda. Não a tínhamos. Na quinta, ela mesma trouxe
uma pequena mesa de três pés que havia comprado em Saint Hélier, num bazar de
jogos. No dia seguinte, voltou a experimentar sem êxito. Eu, particularmente,
acreditava tão pouco nas mesas que fui deitar-me enquanto eles se punham a
experimentar. No sábado, Victor Hugo e Mme. de Girardin jantaram na casa de um
senhor de Jersey, M. Gordfray. Mme. de Girardin voltou a experimentar,
inutilmente. No domingo à noite eis o que aconteceu.
ACTA
"Presentes Madame de Girardin, Madame Victor Hugo,
Victor Hugo, Carlos Hugo, Francisco Victor Hugo, general Le Fló, M. de
Trevenueu, Augusto Vacquerie.
"Mme. de Girardin e Augusto Vacquerie põem-se à mesa,
colocando a mesinha redonda em cima de uma mesa grande quadrada. Ao fim de
alguns minutos a mesa estremece.
"Mme. de Girardin: Quem és? (A mesa levanta um pé e não
o abaixa.)
"Mme. de Girardin: Existe algo que te preocupa? Se for
assim, dá uma batida, se não, duas batidas. (A mesa dá uma batida.)
"Mme. de Girardin: O quê?
"- Losango.
"(De facto, estávamos sentados formando um losango,
sentados em ambos os lados de um ângulo da mesa grande.)
"(A mesa se agita, vai e vem, recusa-se a falar. Eu me
separo dela. O general Le Fló ocupa meu lugar. Na mesa, Carlos Hugo e o general
Le Fló.)
"General Le Fló: Diga em que penso.
"Mme. de Girardin, ao mesmo tempo: Quem és?
"- Filha.
"(O general Le Fló não pensava em sua filha. Eu penso
em meu sobrinho Ernesto e pergunto:)
"- Em que penso?
"- Morta.
"Mme. de Girardin, bastante emocionada: -Filha morta?
"Eu volto a dizer:
''- Em que penso?
"- Morta.
"(Todos pensam na filha que Victor Hugo perdera.)
"Mme. de Girardin: Quem és?
''- Ame Soror.
"(Mme. de Girardin havia perdido a irmã. A mesa disse soror em
latim para dizer que era irmã de um homem?)
"General Le Fló: Carlos Hugo e eu, que estamos à mesa,
perdemos uma irmã cada um. De quem és irmã?
"- Dúvida.
"General Le Fló: Teu país?
"- França.
"General Le Fló: Tua cidade?
"(Nenhuma resposta. Todos sentimos a presença da morte.
Todo mundo chora.)
"Victor Hugo: És feliz?
"- Sim.
"Victor Hugo: Onde estás?
"- Luz.
"Victor Hugo: O que se deve fazer para ir a ti?
''- Amar.
"(A partir deste momento, em que todos estamos
emocionados, a mesa, como se se visse compreendida, já não vacila mais.
Responde imediatamente ao ser interrogada. Quando demoramos para fazer-lhe uma
pergunta, agita-se para a direita e esquerda.)
"Mme. de Girardin: Quem te envia?
''- Bom Deus.
"Mme. de Girardin, muito emocionada: Fala tu mesma,
tens algo a dizer?
"- Sofri rumo ao outro mundo.
"Eu não estava absolutamente convencido. Não é que
acreditasse precisamente que Mme. de Girardin nos enganava e dava os golpes
voluntariamente. Mas eu me dizia que a força do desejo e a tensão do espírito
podiam dar à sua mão uma pressão involuntária.
"Fomos buscar outra mesa, sobre a qual colocamos a
pequena. Mme. de Girardin e Carlos Hugo colocam-se de maneira que cortam a
mesa-suporte em ângulo recto. A mesa se agita.
"General Le Fló: Diz-me em que penso.
"- Fidelidade.
"(O general Le Fló pensava em sua mulher. Eu estava
algo menos convencido. Parecia-me tão engenhoso e espiritual responder
'fidelidade' a um marido que pensa em sua mulher, que atribuía a resposta à
Mme. de Girardin.)
"Victor Hugo escreve uma palavra em papel e o coloca,
fechado, em cima da mesa.
"Augusto Vacquerie: Podes dizer-me o nome escrito aí
dentro?
"- Não.
"Victor Hugo: Por quê?
"- Papel.
"Todas as respostas começavam a nos estranhar um pouco.
Para estar mais seguro que não era Mme. de Girardin quem actuava, solicito
colocar-me à mesa com Carlos Hugo. Ponho-me com ele. A mesa se move. Penso em
um nome e digo:
"- Qual é o nome em que penso?
"- Hugo.
"De facto, este era o nome. Neste momento comecei a
crer. Fazia alguns instantes que Mme. De Girardin estava emocionada e pedia-nos
que não perdêssemos tempo com perguntas pueris. Pressentia uma grande
aparição, mas nós, que duvidávamos, permanecíamos a desafiar a mesa a que
respondesse a palavras escritas ou pensadas.
"Mme. de Girardin: Engana-nos?
"- Sim.
"Mme. de Girardin: Por quê?
"- Absurdo.
"Mme. de Girardin: Pois bem, fala tu mesmo.
"Importuna.
"Mme. de Girardin: Quem te importuna?
"- Um só.
"Mme. de Girardin: Aponte-o.
"- Ruivo.
"De facto, o Sr. de Trévenueu, muito ruivo, era o mais
incrédulo de nós.
"Mme. de Girardin: Deseja que saia?
"- Não.
"Victor Hugo: Vês o sofrimento dos que te amam?
"- Sim.
"Mme. de Girardin: Sofrerão muito tempo?
"- Não.
"Mme. de Girardin: Voltarão rápido à França?
"(Não responde.)
"Victor Hugo: Depende deles para que possam voltar?
"- Não.
"Victor Hugo: Mas, voltarás?
"- Sim.
"Victor Hugo: Breve?
"- Sim.
"(Encerrado a uma e meia da madrugada.) Nota: Tudo o
que antecede foi escrito imediatamente após a sessão por Augusto Vacquerie. A
partir deste dia decidimos escrever as respostas da mesa no momento em que se
produziam. Todas as actas seguintes foram recolhidas durante o transcurso das
próprias sessões.''
/…
Humberto
Mariotti,
Victor Hugo Espírita, A Experiência Espírita de
Victor Hugo, 6º fragmento da obra