Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

domingo, 25 de setembro de 2011

Silêncio que canta…


Uma tarde de verão, deixara eu as flóreas vertentes de Sainte-Adresse, deliciosa vila litorânea recortada em colinas, para galgar as grimpas do cabo Heve,
que ao

poente lhe demoram. Quando, de sua base contemplamos os cabeços desses penhascos, acreditamos estar vendo colossos de granito avermelhados pelo sol, quais gigantes imóveis que assistissem, petrificados, aos bramidos do oceano que vem morrer a seus pés.

No seu isolamento, esses maciços enormes e inacessíveis pelo lado do mar parecem talhados para dominar o soberbo panorama. A seu lado, fronteando o oceano, o homem sente-se tão insignificante que acaba perdendo de vista a própria existência e confundindo-se com a vida abstracta, que paira acima dos bramidos oceânicos.

Sempre a subir, cheguei ao plano superior, onde ficam os semáforos que avisam, longe, aos navios o movimento horário das vagas costeiras, onde os faróis se acendem à boca da noite, quais estrelas permanentes na amplidão das trevas.

O Sol, glorioso, ainda se pendurava rubro das nuvens incendidas, posto que já oculto para o Havre e para as planuras que bordam o estuário do Sena. Ao alto, o céu azul me coroava com a sua pureza. Em baixo, a mata, fervilhante de insectos, exalava em ondas o seu perfume.

Caminhei até à escarpa, ao fundo da qual se mostram os abismos. Do cairel da rocha em vertical, o olhar domina a imensidão dos mares, desdobrados à esquerda, de sueste a nordeste.

Mergulhando-o perpendicularmente, ele se perde na profundeza de massas verdes, rochedos e brenhas escuras – tapete rústico estendido a trezentos pés abaixo dos contrafortes dessa muralha.

O gemido das vagas mal nos chega nestas alturas, nosso ouvido apenas percebe um rumor uniforme, que o vento gradua de intensidade. É um silêncio que canta, longe do mar.


CAMILLE FLAMMARION, Deus na Natureza, Tomo V – DEUS (2 de 4 fragmento)
(imagem: Adyll Água, pintura de Hans Zatzka 1859-1945)

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