Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

terça-feira, 16 de março de 2021

Hippolyte Léon Denisard Rivail


Sr. Home 
(Segundo artigo) 

(Ver o número de fevereiro de 1858) (*) 

Como dissemos, o Sr. Home é um médium do género daqueles sob cuja influência se produzem, mais em especial, fenómenos físicos, sem por isso excluir as manifestações inteligentes. Todo o efeito que revela a acção de uma vontade livre é, por isso mesmo, inteligente, ou seja, não é puramente mecânico e nem poderia ser atribuído a um agente exclusivamente material; mas, daí às comunicações instrutivas de elevado alcance moral e filosófico há uma distância muito grande e, não é do nosso conhecimento que o Sr. Home as obtenha de tal natureza. Não sendo médium escrevente, a maior parte das respostas são dadas por pancadas, indicativas das letras do alfabeto, meio sempre imperfeito e bastante lento, que dificilmente se presta a desenvolvimentos de uma certa extensão. Entretanto, ele também obtém a escrita, mas por outro processo de que falaremos dentro em pouco. 

Digamos, primeiro, como princípio geral, que as manifestações ostensivas, as que impressionam os sentidos, podem ser espontâneas ou provocadas. As primeiras são independentes da vontade; por vezes, ocorrem mesmo contra a vontade daquele que lhes é objecto e ao qual nem sempre são agradáveis. São frequentes os factos desse género e, sem remontar aos relatos mais ou menos autênticos dos tempos recuados, deles a história contemporânea oferece numerosos exemplos, cuja causa, ignorada no seu princípio, é hoje perfeitamente conhecida: tais são, por exemplo, os ruídos insólitos, o movimento desordenado dos objectos, as cortinas puxadas, as cobertas arrancadas, certas aparições, etc. Algumas pessoas são dotadas de uma faculdade especial que lhes dá o poder de provocar esses fenómenos, pelo menos em parte, por assim dizer, à vontade. Essa faculdade não é muito rara e, de cem pessoas, cinquenta pelo menos a possuem em maior ou menor grau. O que distingue o Sr. Home é que nele a faculdade está desenvolvida, como entre os médiuns de sua espécie, de uma maneira a bem dizer excepcional. Alguns não obterão senão golpes leves, ou o deslocamento insignificante de uma mesa, enquanto que, sob a influência do Sr. Home os ruídos mais retumbantes fazem-se ouvir e todo o mobiliário de um quarto pode ser revirado, os móveis amontoando-se uns sobre os outros. Por mais estranhos que sejam esses fenómenos, o entusiasmo de alguns admiradores muito zelosos ainda encontrou forma de os amplificar por meio de pura invenção. Por outro lado, os detractores não ficaram inactivos; a seu respeito, contaram todo o tipo de anedotas, que só existiram na sua imaginação. 

Eis um exemplo: 

O Sr. Marquês de..., uma das personagens que mais interesse demonstrou pelo Sr. Home e, em cuja residência o médium era recebido na intimidade, encontrava-se um dia na ópera com este último. Na plateia superior estava o Sr. de P..., um de nossos assinantes e, que conhece ambos pessoalmente. O seu vizinho entabula conversa com ele; o assunto é o Sr. Home. “Acreditais – disse ele – que aquele pretenso feiticeiro, aquele charlatão, encontrou meio de introduzir-se em casa do Sr. Marquês de... ? Os seus artifícios, porém, foram descobertos e ele foi posto no olho da rua a pontapés, como um vil intrigante. – Estais bem certo disso? pergunta o Sr. de P... Conheceis o Sr. Marquês de...? – Certamente, responde o interlocutor – Nesse caso, diz o Sr. de P..., olhai naquele camarote; podereis vê-lo em companhia do próprio Sr. Home, ao qual não parece que queira dar pontapés.” Diante disso, o nosso melancólico falador, não julgando conveniente continuar a conversa, pegou no seu chapéu e não apareceu mais. Por aí se pode julgar do valor de certas afirmações. Seguramente, se certos factos divulgados pela maledicência fossem verdadeiros, ter-lhe-iam fechado mais de uma porta; mas como as casas mais respeitáveis sempre lhe estiveram abertas, se deve concluir que sempre e por toda a parte ele se conduziu como um cavalheiro. Basta, aliás, haver conversado algumas vezes com o Sr. Home para ver que, com a sua timidez e a sua simplicidade de carácter, seria o mais desajeitado de todos os intrigantes; insistimos nesse ponto pela moralidade da causa. Voltemos às suas manifestações. Sendo o nosso objectivo fazer conhecer a verdade, no interesse da Ciência, tudo quanto relatamos é colhido em fontes de tal maneira autênticas que podemos garantir delas a mais escrupulosa exactidão; temos testemunhas oculares muito sérias, muito esclarecidas e altamente colocadas para que a sua honorabilidade possa ser posta em dúvida. Se dissessem que essas pessoas puderam, de boa-fé, ser vítimas de uma ilusão, responderíamos que há circunstâncias que escapam a todas as suposições desse género; aliás, tais pessoas estavam muito interessadas em conhecer a verdade para não se precaverem contra toda a falsa aparência. 

De uma maneira geral o Sr. Home começa as suas sessões pelos factos conhecidos: pancadas em uma mesa ou em qualquer outra parte do apartamento, procedendo como já dissemos alhures. Segue-se o movimento da mesa, que se opera, primeiro, pela imposição das mãos, dele somente ou de várias das pessoas reunidas, depois, à distância e sem contacto; é uma espécie de ensaio. Muito frequentemente ele nada mais obtém a seguir: vai depender da disposição em que ele se encontra e algumas vezes também da dos assistentes; há pessoas perante as quais jamais se produziu alguma destas coisas, mesmo sendo seus amigos. Não nos alongaremos sobre estes fenómenos, hoje tão conhecidos e, que só se distinguem pela sua rapidez e energia. Muitas vezes, após várias oscilações e balanços, a mesa se destaca do solo, eleva-se gradualmente, lentamente, por pequenas sacudidelas, não mais alguns centímetros somente, mas até ao tecto e fora do alcance das mãos. Após permanecer suspensa no espaço por alguns segundos, desce como havia subido, lenta e gradualmente. 

Sendo um facto conhecido a suspensão de um corpo inerte e de peso específico incomparavelmente maior que o do ar, concebe-se que o mesmo se possa dar com um corpo animado. Não nos consta que o Sr. Home tivesse agido sobre alguma pessoa além dele mesmo e, ainda assim, o facto não se produziu em Paris, mas se verificou diversas vezes, tanto em Florença como em França, especialmente em Bordeaux, na presença das mais respeitáveis testemunhas, que poderíamos citar, se necessário. Como a mesa, ele se elevou até ao tecto, descendo do mesmo modo que subiu. O que há de bizarro neste fenómeno é que não se produz por um acto de sua vontade e, ele mesmo nos disse que não se apercebe, acreditando estar sempre no chão, a menos que olhe para baixo; apenas as testemunhas o vêem elevar-se; diz, experimentar nesse momento a sensação produzida pelo sacolejo de um navio sobre as ondas. De resto, o facto que relatamos não é de forma alguma peculiar ao Sr. Home. A História cita vários exemplos autênticos que relataremos posteriormente. 

De todas as manifestações produzidas pelo Sr. Homea mais extraordinária, sem dúvida, é a das aparições, razão por que nelas insistiremos, mais, tendo em vista as graves consequências daí decorrentes e a luz que elas lançam sobre uma multidão de outros factos. O mesmo acontece com os sons produzidos no ar, instrumentos de música que tocam sozinhos, etc. No próximo número examinaremos detalhadamente esses fenómenos. 

Retornando de uma viagem à Holanda, onde produziu forte sensação na corte e na alta sociedade, o Sr. Home acaba de partir para Itália. A sua saúde, gravemente alterada, exigia um clima mais ameno. 

Confirmamos, com prazer, o que certos jornais relataram, de um legado de 6.000 francos de renda que lhe foi feito por uma dama inglesa, convertida por ele à Doutrina Espírita e em reconhecimento da satisfação que ela experimentou. Sob todos os aspectos, merecia o Sr. Home esse honroso testemunho. Esse acto, da parte da doadora, é um precedente que terá o aplauso de todos quantos partilham das nossas convicções; esperamos tenha a Doutrina, um dia, os seus Mecenas: a posteridade inscreverá o seu nome entre os benfeitores da Humanidade. A religião nos ensina a existência da alma e a sua imortalidade; o Espiritismo dá-nos a sua prova viva e palpável, já não pelo raciocínio, mas pelos factos. O materialismo é um dos vícios da sociedade actual, porque engendra o egoísmo. O que há, com efeito, fora do eu, para quem tudo liga à matéria e à vida presente? Intimamente vinculada às ideias religiosas, esclarecendo-nos sobre a nossa natureza, a Doutrina Espírita mostra-nos a felicidade na prática das virtudes evangélicas; lembra ao homem os seus deveres para com Deus, a sociedade e, para consigo mesmo. Colaborar na sua propagação é desferir um golpe mortal na chaga do cepticismo que nos invade como um mal contagioso; honra, pois, aos que empregam nessa obra os bens com que Deus os favoreceu na Terra! 

/…  
(*) Sr. Home (primeiro artigo).


Allan Kardec (i), aliás, Hippolyte Léon Denisard Rivail, Sr. Home, (Segundo artigo – Ver o número de Fevereiro de 1858). Revista Espírita – Jornal de Estudos Psicológicos, Paris, Março de 1858, 9º fragmento da Revista objecto do presente titulo desta publicação. 
(imagem de contextualização: Dança rebelde, 1965 – Óleo sobre tela, de Noêmia Guerra)

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