A Vida ~ Circulação da Matéria ~
O poder que rege os
astros e desata os esplendores de sua riqueza na imensidão dos céus; a
força que regula a construção de minerais e plantas, na Terra; a ordem
que espalha a harmonia no mundo, vão apresentar-se-nos agora sob um
outro aspecto, dando-nos testemunho não menos irresistível do princípio inteligente que preside
aos nossos destinos.
Enquanto o olhar penetrante do
telescópio percorre os espaços infinitos, a visão analítica do
microscópio visita os habitáculos minudenciosos da vida na superfície da Terra.
Aqui, já não é apenas a grandeza e o carácter formidando da energia
que nos vão falar, mas, antes, o engenho, a beleza do plano, a delicadeza de
sua execução e, sobretudo, a sabedoria sobre-humana que domina a matéria e a
molda às leis de uma vontade omnipotente.
Quando penetramos com os olhos da Ciência o espectáculo
do mundo, toda a Natureza nos aparece à feição de imenso dinamismo, em cujo
seio se associam ou se transformam as forças extraordinárias da Física e da
Química.
Fenómenos efémeros, que ao vulgo parecem
isolados, apresentam-se-nos entramados numa rede única, cujos fios são
mantidos por uma força misteriosa.
O mundo envolve-se em grande unidade, nenhum elemento
está isolado, nem na extensão presente, nem na Histórica.
São irmãos a luz e o calor, quer se nos mostrem
juntos, numa união indefectível, quer mutuamente se façam o
sacrifício de sua própria existência. A afinidade e o magnetismo
casam-se nos mistérios do mundo mineral. A ponta inquieta do íman procura
incessantemente o pólo. A planta eleva-se apaixonada para a luz. A
Terra volta para o Sol o seu rosto matinal. Estende o crepúsculo o seu manto
sobre a noite e os tépidos perfumes dos vales aquecem os pés gelados da noite.
Aproximando-se a aurora, o beijo do orvalho deixa o seu traço na corola
entreaberta das flores. Átomos e mundos são levados por um só impulso
universal. Na atmosfera mil ondulações se entrecruzam, mil variedades de força
se combinam. Noite e dia, tarde e manhã, em todas as estações, o
mesmo movimento simultaneamente insensível e grandioso, que a nossa vista não
apreende e que, aberrante de qualquer avaliação numérica (i), se vai
exercendo no laboratório do cosmos. Pois o resultado desse movimento é a Vida.
Fora deste resultado, o mundo só oferece uma atracção medíocre aos espíritos curiosos. É pelo aspecto ou pelas sensações da vida que o ser pensante se liga à Natureza. Se a contemplação dos céus, de noites silenciosas, nos causa uma tristeza indefinível; se o aspecto de vastos desertos calcinados por um sol ardente nos deixam impassíveis; se o estudo das mais extraordinárias combinações químicas, operadas numa retorta, nos impressiona menos intimamente do que a visão de um pássaro no seu ninho, ou ainda a de uma violeta vicejando humildemente junto de um tronco, é porque essas manifestações não revelam uma vida imediata. A nossa alma é sobretudo acessível às impressões provindas de seres viventes como nós e, de entre estes, os que mais se aproximam da nossa natureza. O timbre de uma voz amada tem maior ressonância no nosso coração do que o ribombar de um trovão. Um raio do olhar eleito penetra-nos mais fundo do que um raio de Sol. Um sorriso adorado tem sempre maior encanto que a mais encantadora das paisagens. No colo, nos braços, nos cabelos da mulher idolatrada, não há diamantes nem safiras, esmeraldas e pérolas, cujo brilho se não degrade ao de simples pedras decorativas. É que neste caso, sobretudo, a vida aparece-nos sob a sua mais bela e mais esquisita manifestação terrestre, pois que ela – a vida – é bem verdadeiramente a grande atracção da Natureza.
Fora deste resultado, o mundo só oferece uma atracção medíocre aos espíritos curiosos. É pelo aspecto ou pelas sensações da vida que o ser pensante se liga à Natureza. Se a contemplação dos céus, de noites silenciosas, nos causa uma tristeza indefinível; se o aspecto de vastos desertos calcinados por um sol ardente nos deixam impassíveis; se o estudo das mais extraordinárias combinações químicas, operadas numa retorta, nos impressiona menos intimamente do que a visão de um pássaro no seu ninho, ou ainda a de uma violeta vicejando humildemente junto de um tronco, é porque essas manifestações não revelam uma vida imediata. A nossa alma é sobretudo acessível às impressões provindas de seres viventes como nós e, de entre estes, os que mais se aproximam da nossa natureza. O timbre de uma voz amada tem maior ressonância no nosso coração do que o ribombar de um trovão. Um raio do olhar eleito penetra-nos mais fundo do que um raio de Sol. Um sorriso adorado tem sempre maior encanto que a mais encantadora das paisagens. No colo, nos braços, nos cabelos da mulher idolatrada, não há diamantes nem safiras, esmeraldas e pérolas, cujo brilho se não degrade ao de simples pedras decorativas. É que neste caso, sobretudo, a vida aparece-nos sob a sua mais bela e mais esquisita manifestação terrestre, pois que ela – a vida – é bem verdadeiramente a grande atracção da Natureza.
Mas, a característica que mais vivamente impressiona
o observador, no conjunto da vida terrestre, é a lei geral que preside à vida
do Universo. À primeira vista, afigura-se-nos que todos os seres
estão isolados. O abeto que colma os cimos alpestres parece
nada ter de comum com a lebre que corre nas planuras. Certo que a rosa dos
nossos jardins não conhece o leão dos desertos. A águia e o condor dos
planaltos asiáticos jamais provaram o fruto dos nossos pomares. O trigo e a
vinha, em nada parece ligarem-se à vida dos peixes. E se nos cingirmos a
divisões menos marcantes, ninguém suspeitará qualquer relação imediata entre a
vida do homem e a do vegetal que matiza os campos e as florestas.
E contudo, a verdadeira realidade é que a vida de
todos os seres terrícolas – homens, animais, plantas - é uma e
única, sujeita a um mesmo sistema, tendo por ambiente o ar e por base o solo. E
essa vida universal outra coisa não é senão uma permuta constante de matéria.
Todos os seres se formam das mesmas moléculas, a passarem sucessiva e
indiferentemente de uns aos outros, de sorte que nenhum ser dispõe de um corpo
propriamente seu. Pela respiração e pela alimentação, nós absorvemos,
cada dia, uma certa porção de alimentos. Pela digestão, pelas secreções e
excreções, perdemos outra determinada porção de alimentos. Assim, se
renova o corpo e, depois de algum tempo, já não possuímos um só grama do corpo
material de antes. A sua renovação foi total, completa. Mediante essa permuta é
que se entretém a vida. Enquanto o movimento renovador se opera em
nós, a mesma coisa se dá com os animais e as plantas. Os milhões, os biliões de
seres viventes na superfície do globo mantêm-se, portanto, em permuta constante
dos seus organismos. O átomo de oxigénio, que agora estás respirando, foi
ontem, possivelmente, expirado por alguma das árvores que orlam o bosque, além.
O átomo de hidrogénio que, neste momento, humedece a pupila vigilante do leão
do deserto, será o mesmo que, não há muito, molhava os lábios da mais pudica
donzela da austera Albion.
O átomo de carbono que neste momento arde no meu pulmão, ardeu talvez na
candeia que serviu a Newton para
as suas experiências de óptica; e as fibras mais preciosas do cérebro de Newton
talvez se encontrem, agora, na concha de uma ostra ou numa dessas miríades de
animálculos microscópicos, que povoam os mares fosforescentes. O átomo de
carbono que se escapa, no momento, da combustão do nosso charuto, terá talvez
saído, há alguns anos, do túmulo de Cristóvão
Colombo, que demora, como sabes, na catedral de Havana. Toda a
vida não passa de uma constante permuta de elementos materiais. Fisicamente
falando, nós nada possuímos de nós mesmos. Só o ser pensante é o nosso eu. Só
ele é que nos constitui verdadeira, imutavelmente. Quanto à
substância que nos forma o cérebro, os nervos, os músculos, os ossos, os
membros, a carne, essa não a retemos; vai, vem, passa de um ser ao outro. Sem
metáfora, podemos dizer que as plantas são as nossas raízes, pelas quais
extraímos dos campos a albumina do sangue, o cálcio para os ossos. O oxigénio
de sua respiração nos dá vigor e beleza, assim como, reciprocamente, o ácido
carbónico que restituímos à atmosfera vai cobrir de verdura os vales e as
colinas.
Quando se tem a convicção profunda dessa permuta
universal da matéria, que irmana, do ponto de vista da composição orgânica, o
feto e o pássaro, o peixe e a plaga, o homem e a fera, considera-se a
Natureza sob a impressão da grande unidade que preside à marcha das coisas. Ela,
a Natureza, se nos apresenta, então, completamente transfigurada e não deixa de
ser com um interesse mais íntimo que encaramos o sistema geral da vida
planetária. A.
de Humboldt traçou a sua fisionomia num esboço amplo, que tem o mérito
de reivindicar considerações especiais a respeito. “Quando o homem
interroga com argúcia penetrante a Natureza – diz ele (ii) – ou quando mede, na
sua imaginação, os vastos espaços da criação orgânica, de todas as emoções
experimentadas e a mais poderosa e profunda é a da plenitude da vida,
universalmente difundida. Por toda a parte, até nos pólos congelados,
o ar repercute o canto das aves e o zumbido dos insectos.
“A vida transpira, não somente nas camadas
inferiores da atmosfera, onde flutuam pesados vapores, mas, também, nas regiões
serenas, eterizadas. Todos quantos remontaram, quer as cumeadas da cordilheira Andina,
quer os píncaros do Monte
Branco debruçados sobre o lago de Genebra, jamais deixaram de aí
encontrar seres animados. No Chimborazo, e numa altitude
excedente de 2600 metros ao pináculo do Etna, vimos borboletas e outros
insectos alados. Mesmo supondo que houvessem sido levados por correntes
aéreas, e que lá errassem como estrangeiros, naquelas paragens a que só o
ardente desejo de conhecer conduz os homens, a sua presença atesta, todavia,
que, mais flexível, a organização animal resiste além dos limites traçados à
vida vegetal. Muitas vezes vimos o rei dos abutres – o condor – planar
acima das nossas cabeças, em altitudes excedentes aos picos nevados dos Pireneus, e até mesmo dos
indianos. O possante carnívoro alado era, naturalmente, atraído pelos sedosos vigonhos, que às manadas
procuravam aquelas pastagens coalhadas de neve.”
Esta vida que vemos difundida, em todas as
camadas atmosféricas, não é mais que pálida imagem da vida mais compacta, que o
microscópio nos revela. Os ventos arrebatam, à superfície das
águas em evaporação, turbilhões de animálculos invisíveis, imóveis e com todas
as aparências de morte; seres que flutuam no ar, até que as orvalhadas os devolvam
ao solo nutriz, que lhes dissolve o invólucro e, graças provavelmente ao
oxigénio sempre contido na água, comunica-lhes aos órgãos uma nova
irritabilidade. Nuvens de microrganismos cruzam as regiões aéreas do
Atlântico e carreiam a vida de um ao outro continente.
Com o autor de Cosmos, podemos acrescentar
que, independentemente dessas existências, a atmosfera também contém
inumeráveis germes de vida futura, óvulos de insectos e de
plantas, que, sustentados por coroas de pêlos ou de plumas, garram para as
longas peregrinações do Outono. O pólen fecundante que as flores
masculinas semeiam nas espécies de sexo extremado, é também, ele próprio,
levado pelos ventos e por insectos alados através de continentes e mares, às
plantas femininas que vivem em solidão. Onde quer que o observador da
Natureza mergulhe os olhos, aí encontrará vidas, ou um germe pronto a
recebê-la.
As formas orgânicas penetram no seio da Terra
a grandes profundidades, por toda a parte as águas se espalham e infiltram,
seja em interstícios formados pela Natureza, ou feitos pela mão do homem.
Ninguém poderia dizer com segurança qual o
ambiente em que a vida se difundiu com maior profusão. De
facto, ela repleta os oceanos, das zonas tropicais aos gelos polares; o ar se
povoa de germes invisíveis e o solo é sulcado por miríades de espécies, quer
animais, quer vegetais. Estes incessantemente procuram dispor, mediante
combinações harmoniosas, da matéria bruta do solo, como que tendo a função de
preparar e misturar, por virtude de sua energia vital, as substâncias que, após
inumeráveis modificações, hão de ser elevadas ao estado de fibras nervosas.
Abrangendo no mesmo olhar a camada vegetal que
reveste o solo, depara-se-nos em plenitude a vida animal, nutrida e conservada
pelas plantas.
Por intermédio do ar é que se operam essas
transformações incessantes, universais, e não por outro meio que não esse, os
elementos podem transitar de um corpo ao outro. Proposição é
esta, tão exacta, que os fisiologistas há muito repetem que todo o ser vivo é
produto do ar organizado. Como se opera essa organização? A partir de Lavoisier, sabemos
que a respiração do homem e dos animais é acto análogo às combustões mediante
as quais nos aquecemos e aclaramos. Insistamos um tanto neste ponto. A
respiração estabelece uma solidariedade universal entre os homens, animais e
plantas. Ela é resultante da união do oxigénio com o carbono e o hidrogénio dos
alimentos, tanto quanto a combustão resulta da união desse mesmo oxigénio com o
hidrogénio e o carbono da vela, da madeira, ou combustível qualquer. A respiração
verifica-se sob a influência da vida, enquanto a combustão, propriamente dita,
se opera sob a influência de um calor intenso. Um e o outro actos têm por
fim produzir calor. É o calor desprendido da nossa respiração que entretém no
corpo a temperatura de 37 graus, necessária à manutenção da vida.
Lavoisier e Lieb
demonstraram, há muito tempo, que todo o animal é um foco e todo o alimento um
combustível. Se a respiração não se acompanha, como a combustão, de
claridades incandescentes, é por ser uma combustão lenta, menos activa. Mas,
por muito lenta que seja equivale, contudo, à de uma dose assaz forte de
carbono. Um homem queima 10 a 12 gramas de carbono por hora, ou
250 por dia, mais ou menos, além de uma certa quantidade de hidrogénio.
A combustão e a respiração viciam
o ar destruindo-lhe o elemento salutífero – o
oxigénio, substituindo-o por um gás mefítico – o ácido carbónico. Esta e outras
causas espalham na atmosfera, de maneira constante, esse elemento insalubre.
Experiências feitas com o vapor de água condensada nas janelas dos teatros de
Paris, patentearam uma combinação particularmente mortal.
A raça humana retira do ar, anualmente, 160
biliões de metros cúbicos de oxigénio e os permuta por igual volume de ácido
carbónico. A respiração dos animais quadruplica o resultado. Só a hulha que se extrai do solo
fornece mais ou menos 100 biliões de metros cúbicos de ácido carbónico, ao
mesmo tempo que outros combustíveis aumentam consideravelmente essa cifra.
Junte-se-lhe ainda o produto das decomposições e considere-se que, a despeito,
esse gás não se encontra no ar atmosférico senão na proporção diminuta de 4 a 5 litros por 100
hectolitros. O ácido carbónico é solúvel na água, a chuva o dissolve e
carreia nas suas bátegas, o transporta aos rios, leva-o enfim aos oceanos. Aí,
ele une-se à cal e temos o carbonato de cal, as pedras calcáreas, mármore,
alabastro, ónix, polipeiros, etc.
Os vegetais, a seu turno, preenchem, em escala
imensa, função inversa à respiração dos animais, essencialíssima à
harmonia da Natureza, pois não somente fixa o hidrogénio da água e subtrai da
atmosfera o ácido carbónico, como lhe restitui o oxigénio. (Uma folha
de nenúfar dá, em 10 horas, 15 unidades de oxigénio, proporcionais ao seu
volume.)
A que transformações submetem os vegetais o carbono,
o hidrogénio, o azoto, que eles absorvem do ar? É toda uma produção variada.
Conjugando cinco moléculas de carbono e quatro de hidrogénio, a Natureza forma,
no citrão e no salgueiro, duas essências que, diversas
radicalmente em odorância, provêm da mesma composição. Frequentemente, a
Natureza junta a estes dois elementos o oxigénio. Assim é que solda
doze moléculas de carbono e dez de hidrogénio e oxigénio, formando, a seu
prazer, seja a madeira, seja a batata. Outras vezes, o seu trabalho é
mais complexo e reúne os quatro elementos: carbono, hidrogénio, oxigénio e
azoto, originando os mais diferentes produtos, tais como o trigo – precioso
alimento – e a estricnina – activíssimo tóxico.
Como explicar, por exemplo, juntando um equivalente
de água à substância característica da madeira, a celulose (C12H10O10),
a Natureza nos dê o açúcar? Sínteses maravilhosas, a Natureza as produz
silenciosamente, ao influxo da vida!
O reino vegetal é uma usina imensa. Sob a
acção do calor solar, todas as roldanas entram a movimentar-se. A
exemplo do mecânico que nutre a sua máquina, a Natureza renova o combustível e
os princípios do ar, e estes se transformam em madeira ou amido, em açúcar ou
veneno, que constituem a polpa saborosa do fruto, o perfume subtil das
flores, o rendilhado das folhas, a coriácea tessitura dos troncos.
Os animais nutrem-se dos vegetais,
gaseificam, por assim dizer, o ar solidificado e o devolvem à atmosfera, onde
ele recomeça o ciclo das transformações que, graças a ele – o ar – agente
primaz da vida, elo universal, jamais se interrompem.
A comparação que Liebig (iii) foi
o primeiro a fazer, da combustão respiratória do animal com a dos combustíveis
de uma fornalha, só é exacta se fizermos uma ideia material do fogo nesse
aparelho. No animal, todo o corpo arde lentamente, o que não se
dá com a fornalha, que não arde. Na retorta humana, continente e conteúdo
queimam juntos e, assim, é mais justo tomarmos a vela como elemento
comparativo.
O calor é o regulador da vida. Descartes
antecipara-se aos progressos da experimentação escrevendo este significativo
conceito: “Importa não conceber nas máquinas humanas outra alma
vegetativa nem sensitiva, nem princípio algum de movimento e vida, além do
sangue e seus espíritos, agitados pelo calor do fogo que arde continuamente no
seu coração e cuja natureza é idêntica à que inflama os corpos inanimados.” (Sabemos
que Descartes,
como Platão,
considerava a alma humana como retirada num santuário, no âmago de nós mesmos,
numa espécie de oposição à matéria. A vida e as funções orgânicas dependiam
inteiramente do corpo e só ao pensamento era atributo do espírito.)
Tal, sumariamente, o papel do ar na Natureza. Assim
são os vegetais, habilíssimos físico-químicos, a nos prepararem ao mesmo tempo
a alimentação, a respiração, a indumentária, o combustível e os elementos
materiais da nossa existência terrestre. Importa, por conseguinte,
deixarmos de considerar a Natureza sob um prisma vulgar, para fazê-lo,
doravante, com olhos atentos e apercebidos. Quando fixarmos a ervilha
tenra que reponta nos jardins, não admiraremos apenas o risonho tapete de
verdura e a gracilidade das flores que o esmaltam. Elevemos mais alto o
pensamento, imaginemos que cada um desses rebentos, que vamos pisando, é um
benfeitor silencioso, pois, se de um lado contribuímos para embelezá-lo
fornecendo-lhe ácido carbónico, sem o qual se estiolaria, por outro lado ele
nos dá benévolamente todo o necessário à nossa vida material: imaginemos
que essa harmonia é de uma perfeição sublime, visto que, se umas regiões
mergulham, longos meses, nos rigores do Inverno, os ventos não deixam de
estabelecer entre esses países deserdados e o nosso uma permuta constante, que
reconduz aos nossos bosques e prados o ácido carbónico expirado pelo lapónio e
o esquimó, levando-lhes o oxigénio exalado dos milhões de bocas dos nossos
vegetais.
/…
(i) Pudesse o homem apreciar as forças diariamente accionadas
na Natureza e ficaria confundido, na sua admiração. Para não citar mais que um
exemplo fácil de entender, digamos que o vapor de água ao elevar-se do solo
para formar as nuvens, essas nuvens que se resolvem em chuva, parece não
acusar, à primeira vista, um deslocamento de energias colossais. No entanto,
admitindo que caia anualmente, em toda a superfície terráquea, uma camada de
água da espessura de um metro e que a altura média das nuvens seja de 3000 metros , seria
preciso para esse trabalho uma força de 1500 biliões de cavalos,
a trabalharem 7 horas diárias. E a Terra não teria como alimentá-los!
(ii) Tableaux de la Natura, parte 4ª.
(iii) Liebig –
Chemische Brief, 400.
Camille
Flammarion, Deus na Natureza, Segunda Parte – A
Vida 1, Circulação da Matéria (1 de 6), 17º fragmento da
obra.
(imagem de contextualização: Jungle Tales_1895,
pintura de James
Jebusa Shannon)
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