NATUREZA DA REVELAÇÃO ESPÍRITA (II)
No sentido particular da fé religiosa, a
revelação aplica-se mais espe-cialmente às coisas espirituais que o homem não
pode saber só por si, que não pode descobrir através dos sentidos e cujo
conhecimento lhe é dado por Deus ou pelos seus mensageiros, quer através da
palavra directa, quer pela inspiração. Neste caso, a revelação é sempre feita a homens privilegiados, designados com o nome de profetas ou messias,
isto é, enviados, missionários, que têm como missão transmiti-la
aos homens. Considerada sob este ponto de vista, a revelação implica uma
passividade absoluta; aceitamo-la sem controlo, sem exame, sem discussão.
Todas as religiões têm os seus reveladores e,
apesar de todos terem estado longe de conhecer toda a verdade, tinham a sua
razão de ser providencial; porque estavam de acorde com o tempo e com o
meio onde viviam, com a sabedoria particular dos povos a quem falavam e aos
quais eram relativamente superiores. Apesar dos erros das suas doutrinas, não
deixaram por isso de agitar os espíritos e, assim, espalharam os germes do
progresso, que mais tarde se iriam desenvolver ou que um dia se irão
desenvolver ao sol do Cristianismo. É por tanto injustamente que se lança sobre
eles um anátema em nome da ortodoxia, pois virá o dia em que todas
estas crenças, tão diversas na sua forma mas que na realidade da alma, se
fundirão numa grande e vasta unidade, assim que a razão tenha vencido os
preconceitos.
Infelizmente, as religiões têm sempre sido
instrumentos de domínio; o papel de profeta tentou as ambições
secundárias e vimos surgir uma multidão de pretensos relevadores ou
messias que, a coberto do prestígio deste nome, exploram a credulidade em
benefício do seu orgulho, da sua cupidez ou da sua preguiça, achando mais
cómodo viver à custa dos que enganavam. A religião cristã não esteve a coberto
destes parasitas. A este respeito chamamos seriamente a atenção para o Capítulo
XXI de O Evangelho Segundo o Espiritismo: «Haverá falsos Cristos e
falsos profetas».
Há revelações directas de Deus para os homens?
Trata-se de uma questão que não nos atreveríamos a resolver nem afirmativa nem
negativamente de uma maneira absoluta. A tarefa não é de forma nenhuma
radicalmente impossível, mas nada nos dá disso uma prova certa. O que
não oferece dúvidas é que os Espíritos mais próximos de Deus pela perfeição se
impregnam do Seu pensamento e podem transmiti-lo. Quanto aos reveladores
encarnados, consoante a ordem hierárquica a que pertencem e o grau do seu
conhecimento pessoal, podem ir buscar as suas instruções aos seus conhecimentos
pessoais ou recebê-las de Espíritos mais elevados, até mesmo mensagens directas
de Deus. Estes, falando em nome de Deus, podem ter sido às vezes
tomados pelo próprio Deus.
Este tipo de comunicações nada tem de estranho
para quem conhece os fenómenos espíritas e a forma como se estabelecem os
contactos entre os encarnados e os não encarnados. As instruções podem ser
transmitidas por diversos meios: por inspiração pura e simples, por audição da
palavra, pela observação dos Espíritos instrutores em visões e aparições, quer
em sonhos quer em estado de vigília, tal como se encontram vários exemplos na
Bíblia, no Evangelho e nos livros sagrados de todos os povos. É
portanto rigorosamente exacto dizer-se que a maior parte dos reveladores são
médiuns inspirados, auditivos ou videntes, de onde não se pode concluir que
todos os médiuns são reveladores e, ainda menos, que são os intermediários directos
da Divindade ou dos seus mensageiros.
Só os Espíritos puros recebem
a palavra de Deus com a missão de a transmitirem; mas sabemos agora que os
Espíritos estão longe de serem todos perfeitos e que há os que se revestem de
falsas aparências; foi o que levou São João a dizer: «Nós somos de
Deus; aquele que conhece a Deus ouve-nos; aquele que não é de Deus não nos
ouve. Nisto conhecemos nós o espírito da verdade e o espírito do erro.» (1.ª
Epistola de S. João, 4:6.)
Pode, portanto, haver revelações sérias e
verdadeiras, assim como as existem apócrifas e mentirosas. O carácter
essencial da revelação divina é o da verdade eterna. Qualquer revelação
manchada de erros ou sujeita a mudança não pode emanar de Deus. É assim que a
lei do Decálogo conserva todo o carácter da sua origem, enquanto as outras leis
moseístas, essencialmente transitórias, muitas vezes em contradição com a lei
do Sinai, são obra pessoal e política do legislador hebreu. Suavizando-se os
costumes do povo, estas leis caíram em desuso enquanto o Decálogo se manteve de
pé como farol da humanidade. Cristo fez dele a base do seu edifício, ao mesmo
tempo que abolia as outras leis. Se fossem obra de Deus, teria evitado tocar-lhes. Cristo
e Moisés são os dois grandes reveladores que mudaram a face do mundo e
nisso reside a prova da sua missão divina. Uma obra puramente humana não teria
um tal poder.
Uma revelação importante está a
acontecer no tempo actual: é a que nos mostra a possibilidade de comunicarmos
com os entes do mundo espiritual. Este conhecimento não é novo, sem dúvida,
mas tinha ficado até aos nossos dias numa espécie de estado de letra morta,
quer dizer, sem benefício para a humanidade. A ignorância das leis que regem
estas relações tinha-o abafado sob a superstição: o homem era incapaz de
retirar daí qualquer dedução salutar; estava reservado para a nossa época
libertá-lo dos seus acessórios ridículos, compreender-lhe o alcance e dele
soltar a luz que deve iluminar o caminho do futuro.
/…
" Na senda e no espírito de Pedro
A. Barboza de La Torre em seu livro, De la sombra Del
dogma a la luz de la razón.
ALLAN KARDEC, A GÉNESE – Os Milagres e as
Profecias Segundo o Espiritismo, Capítulo I NATUREZA DA REVELAÇÃO ESPÍRITA
números de 7 a 11, 4º fragmento da obra. Tradução portuguesa de Maria
Manuel Tinoco, Editores Livros de Vida.
(imagem: Diógenes e os pássaros de pedra, pintura em acrílico de Costa Brites)
(imagem: Diógenes e os pássaros de pedra, pintura em acrílico de Costa Brites)
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