Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

quinta-feira, 7 de março de 2013

Da sombra do dogma à luz da razão ~


NATUREZA DA REVELAÇÃO ESPÍRITA (II)

   No sentido particular da fé religiosa, a revelação aplica-se mais espe-cialmente às coisas espirituais que o homem não pode saber só por si, que não pode descobrir através dos sentidos e cujo conhecimento lhe é dado por Deus ou pelos seus mensageiros, quer através da palavra directa, quer pela inspiração. Neste caso, a revelação é sempre feita a homens privilegiados, designados com o nome de profetas ou messias, isto é, enviados, missionários, que têm como missão transmiti-la aos homens. Considerada sob este ponto de vista, a revelação implica uma passividade absoluta; aceitamo-la sem controlo, sem exame, sem discussão.

   Todas as religiões têm os seus reveladores e, apesar de todos terem estado longe de conhecer toda a verdade, tinham a sua razão de ser providencial; porque estavam de acorde com o tempo e com o meio onde viviam, com a sabedoria particular dos povos a quem falavam e aos quais eram relativamente superiores. Apesar dos erros das suas doutrinas, não deixaram por isso de agitar os espíritos e, assim, espalharam os germes do progresso, que mais tarde se iriam desenvolver ou que um dia se irão desenvolver ao sol do Cristianismo. É por tanto injustamente que se lança sobre eles um anátema em nome da ortodoxia, pois virá o dia em que todas estas crenças, tão diversas na sua forma mas que na realidade da alma, se fundirão numa grande e vasta unidade, assim que a razão tenha vencido os preconceitos.

   Infelizmente, as religiões têm sempre sido instrumentos de domínio; o papel de profeta tentou as ambições secundárias e vimos surgir uma multidão de pretensos relevadores ou messias que, a coberto do prestígio deste nome, exploram a credulidade em benefício do seu orgulho, da sua cupidez ou da sua preguiça, achando mais cómodo viver à custa dos que enganavam. A religião cristã não esteve a coberto destes parasitas. A este respeito chamamos seriamente a atenção para o Capítulo XXI de O Evangelho Segundo o Espiritismo: «Haverá falsos Cristos e falsos profetas».

   Há revelações directas de Deus para os homens? Trata-se de uma questão que não nos atreveríamos a resolver nem afirmativa nem negativamente de uma maneira absoluta. A tarefa não é de forma nenhuma radicalmente impossível, mas nada nos dá disso uma prova certa. O que não oferece dúvidas é que os Espíritos mais próximos de Deus pela perfeição se impregnam do Seu pensamento e podem transmiti-lo. Quanto aos reveladores encarnados, consoante a ordem hierárquica a que pertencem e o grau do seu conhecimento pessoal, podem ir buscar as suas instruções aos seus conhecimentos pessoais ou recebê-las de Espíritos mais elevados, até mesmo mensagens directas de Deus. Estes, falando em nome de Deus, podem ter sido às vezes tomados pelo próprio Deus.

   Este tipo de comunicações nada tem de estranho para quem conhece os fenómenos espíritas e a forma como se estabelecem os contactos entre os encarnados e os não encarnados. As instruções podem ser transmitidas por diversos meios: por inspiração pura e simples, por audição da palavra, pela observação dos Espíritos instrutores em visões e aparições, quer em sonhos quer em estado de vigília, tal como se encontram vários exemplos na Bíblia, no Evangelho e nos livros sagrados de todos os povos. É portanto rigorosamente exacto dizer-se que a maior parte dos reveladores são médiuns inspirados, auditivos ou videntes, de onde não se pode concluir que todos os médiuns são reveladores e, ainda menos, que são os intermediários directos da Divindade ou dos seus mensageiros.

   Só os Espíritos puros recebem a palavra de Deus com a missão de a transmitirem; mas sabemos agora que os Espíritos estão longe de serem todos perfeitos e que há os que se revestem de falsas aparências; foi o que levou São João a dizer: «Nós somos de Deus; aquele que conhece a Deus ouve-nos; aquele que não é de Deus não nos ouve. Nisto conhecemos nós o espírito da verdade e o espírito do erro.» (1.ª Epistola de S. João, 4:6.)

   Pode, portanto, haver revelações sérias e verdadeiras, assim como as existem apócrifas e mentirosas. O carácter essencial da revelação divina é o da verdade eterna. Qualquer revelação manchada de erros ou sujeita a mudança não pode emanar de Deus. É assim que a lei do Decálogo conserva todo o carácter da sua origem, enquanto as outras leis moseístas, essencialmente transitórias, muitas vezes em contradição com a lei do Sinai, são obra pessoal e política do legislador hebreu. Suavizando-se os costumes do povo, estas leis caíram em desuso enquanto o Decálogo se manteve de pé como farol da humanidade. Cristo fez dele a base do seu edifício, ao mesmo tempo que abolia as outras leis. Se fossem obra de Deus, teria evitado tocar-lhes. Cristo e Moisés são os dois grandes reveladores que mudaram a face do mundo e nisso reside a prova da sua missão divina. Uma obra puramente humana não teria um tal poder.

   Uma revelação importante está a acontecer no tempo actual: é a que nos mostra a possibilidade de comunicarmos com os entes do mundo espiritual. Este conhecimento não é novo, sem dúvida, mas tinha ficado até aos nossos dias numa espécie de estado de letra morta, quer dizer, sem benefício para a humanidade. A ignorância das leis que regem estas relações tinha-o abafado sob a superstição: o homem era incapaz de retirar daí qualquer dedução salutar; estava reservado para a nossa época libertá-lo dos seus acessórios ridículos, compreender-lhe o alcance e dele soltar a luz que deve iluminar o caminho do futuro.
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" Na senda e no espírito de Pedro A. Barboza de La Torre em seu livro, De la sombra Del dogma a la luz de la razón.


ALLAN KARDEC, A GÉNESE – Os Milagres e as Profecias Segundo o Espiritismo, Capítulo I NATUREZA DA REVELAÇÃO ESPÍRITA números de 7 a 11, 4º fragmento da obra. Tradução portuguesa de Maria Manuel Tinoco, Editores Livros de Vida.
(imagem: Diógenes e os pássaros de pedra, pintura em acrílico de Costa Brites)

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