Capítulo V
A Auvergne. Vercin-gétorix, Gergovie e Alésia (II)
A Auvergne. Vercin-gétorix, Gergovie e Alésia (II)
Numa obra recente chamada L’Initiation de Vercingétorix,* o Sr. André Lebey nos forneceu
detalhes muito interessantes sobre a educação religiosa e política do jovem
chefe arvernense. Inicialmente, ele nos apresenta muitas cenas vivas e
coloridas nas quais os nobres chamados “colares de ouro”, responsáveis pela
morte trágica de Celtil, se entregam a esse género de intriga que pôs a perder
a Gália, zelando com um ódio ciumento pelo progresso do jovem varão e temendo
represálias. Depois, é a viagem de Vercingétorix, que atravessou as vastas solidões
silvestres que separam as tribos, visitando a floresta sagrada dos carnutos,
onde ele participa da grande cerimónia anual, presidida pelo arquidruida e pela
grande sacerdotisa da Ilha de Sein; e sua visita a Carnac, onde ele cumpre
outros ritos. Ali, nas horas do crepúsculo, ele escuta os cantos do bardo,
afirmando o Deus supremo:
“Eu creio em um Deus único, eterno, que não se conhece, que
nunca se conhecerá, indubitavelmente. Eu creio naquele que é, naquele que será,
visto que é o mesmo, naquele que se revela e existiu sempre, visto que é o
mesmo ainda. O caminho que leva à sua incógnita começa no sacrifício voluntário.”
Sob a direcção de um druida, guia tutelar e familiar, ele
vai obter nos santuários os conhecimentos dessa grande doutrina, a propósito da
qual Dom Martin pode dizer que “ela não foi tomada emprestada de nenhum outro
povo”. Sem dúvida, em seus relatos é preciso levar em conta a fantasia, mas os
principais factos repousam numa base histórica. O que há de mais notável
nessa obra são as páginas consagradas à conversa solene e secreta dos dois
druidas sobre a praia bretã, em frente das ilhas sagradas. Um deles, Divitiac,
é admirador e aliado dos romanos; o outro, Macarven, preceptor de
Vercingétorix, somente tem em vista o futuro e a grandeza da Gália, o
desenvolvimento de seu génio livre, independente de toda ingerência
estrangeira.
Divitiac tinha voltado de uma viagem à cidade Eterna,
deslumbrado pela glória política e pelo esplendor monumental de Roma. Ele sonha
com uma aliança que julga necessária para completar o poderio da Gália e
assegurar sua função no mundo.
Macarven lembra ao seu interlocutor a corrupção, o cepticismo
dos romanos, sua rapacidade, sua sede de dominação e, sobretudo, a astúcia e os
ardis com os quais eles estão acostumados. Confiante na religião e na prática
que ama, ele deposita toda a sua esperança numa Gália independente. Disse ele
a Divitiac:
“Minha fé é mais clarividente do que a tua. Para vencer
completamente, seria melhor que ela extinguisse as armas manuais, em nome de
sua superioridade! O triunfo passageiro da matéria sobre o espírito não pode
anular a vida do espírito; ela a consagra ainda mais e a faz ressuscitar
eternamente acima da vitória momentânea do inimigo. Ao contrário, aceitando,
mesmo por astúcia, o conquistador que a domina, ela se humilha pouco a pouco,
ela se entrega. A derrota nobre valeria mais pela sua resistência legítima do
que a vitória brutal do número e da força, unicamente. Eu somente confio na
estrada perpétua, obstinada da consciência. Porque ela é direita, superior,
decisiva entre todos os outros meandros, ela segue mais adiante. Deixá-la,
abdicá-la e se perder, talvez morrer, e da morte da qual não se levanta. Essa
morte engole tudo, é tão pesada que arrasta a alma esmagada sob o peso de sua
nulidade.” (P. 163)
Prosseguindo sua viagem, Vercingétorix vai consultar as druidisas
da Ilha de Sein.
“Tu vieste – lhe dizem elas – nos interrogar sobre o enigma
dos mundos. Nós e nossos sacerdotes te respondemos. Tu chegaste, como nós, ao
conhecimento da migração das almas e das leis da vida universal. Agora uma
outra tarefa te será imposta; é preciso, doravante, pensar em Roma. Se tudo que
viste do império gaulês te tem feito amá-lo, se tu estás ligado à nossa
religião, forte e doce, natural e divina, onde o mal inevitável da vida se
esclarece e se resgata pelo sacrifício, depois atinge ao sublime verdadeiro
pelo culto equilibrado do espírito; se tu te dás conta de que na cidade fria,
sobre a qual vigia o Capitólio, apesar da doçura do clima e da beleza dos
montes Apeninos, vencido, tu regressarás para morrer no ar salubre da Gergovie,
a lição viva do Puy majestoso, a profundeza calmante de suas florestas, então
prepara-te desde agora! Prepara-te para salvar teu país e sua religião, única
no mundo, tua nação de águas claras, de corações disputadores, mas bons e
quentes. Crê em mim, crê em minhas irmãs, crê em nossos sacerdotes; esta
virtude particular ao nosso solo, onde a raça céltica atinge sua mais justa
expansão, não existe em outra parte.”
Mais tarde, a grande druidisa conduz o chefe arverne sobre o
promontório que domina o mar de terror, em frente da ilha sagrada. Nesse
tumulto de vagas, que imprime às suas palavras uma espécie de solenidade fatídica,
ela lhe lançou estes dizeres em tom imperioso:
“Eleito por todos, tu serás rei e tu nos pertences. Sob este
gládio cintilante, acima do abismo, símbolo da vontade, além de todas as
agitações humanas, jura dedicar todos os minutos da vida, tua vida, tua morte,
tudo o que compõe teu corpo perecível, como também tudo o que prepara tua alma
imortal ao cumprimento da libertação.
Tu estás, aqui, no fim do mundo. Se teu juramento é sincero,
os deuses que velam em torno de nós e nas ilhas, nos confins do santuário de
todos os santuários, te atenderão!”**
E no vento e na tempestade, sob o ruído das ondas barulhentas,
sob o gládio ensanguentado, Vercingétorix jurou!
/…
* Editor Albin Michel, rua Huyghens, 22, Paris.
** Ver L’Initiation
de Vercingétorix, André Lebey, pp. 191, 201, 205.
LÉON DENIS, O Génio Céltico e o Mundo Invisível,
Primeira Parte OS PAÍSES CÉLTICOS, CAPÍTULO V – A
Auvergne. Vercingétorix, Gergovie e Alésia 2 de 3, 17º fragmento da obra.
(imagem: A Apoteose dos heróis franceses que
morreram por seu país durante a guerra da Liberdade, pintura de Anne-Louis
Girodet-Trioson)