Estados vibratórios da Alma – A memória
(por Léon Denis)
A vida é uma vibração imensa que enche o universo e cujo
foco está em Deus. Cada alma, centelha destacada do Foco Divino, se torna, por
sua vez, um foco de vibrações que hão de variar, aumentar de amplitude e
intensidade, consoante o grau de elevação do ser. Esse facto pode ser
verificado experimentalmente. (ii)
Toda a alma tem, pois, a sua vibração particular e
diferente. O seu movimento próprio, o seu ritmo, é a representação exacta do
seu poder dinâmico, do seu valor intelectual, da sua elevação moral.
Toda a beleza, toda a grandeza do universo vivo se resume na
lei das vibrações harmónicas. As almas que vibram uníssonas reconhecem-se e
chamam-se através do espaço. Daí as atracções, as simpatias, a amizade, o amor!
Os artistas, os sensitivos, os seres delicadamente harmonizados conhecem essa
lei e lhe sentem os efeitos. A alma superior é uma vibração na posse de todas
as suas harmonias.
A entidade psíquica penetra com as suas vibrações todo o seu
organismo fluídico, o perispírito, que é a sua forma e imagem, a reprodução
exacta da sua harmonia pessoal e da sua luz; mas chegada a encarnação (i) e
essas vibrações vão reduzir-se, amortecer-se debaixo do invólucro carnal
(corpo). O foco interior já não poderá projectar para o exterior senão uma
radiação enfraquecida, intermitente. Entretanto, no sono, no sonambulismo, no
êxtase, desde que à alma se abra uma saída através do invólucro de matéria que
a oprime e agrilhoa, restabelece-se imediatamente a corrente vibratória e o
foco torna a adquirir toda a sua actividade. O Espírito encontra-se novamente
nos seus estados anteriores de poder e liberdade. Tudo o que nele dormia
desperta. As suas numerosas vidas reconstituem-se, não só com os tesouros do
seu pensamento, com as reminiscências e aquisições, mas também com todas as
sensações, alegrias e dores registadas no seu organismo fluídico. É essa a
razão pela qual, no transe, a alma, vibrando as recordações do passado, afirma
as suas existências anteriores e reata a cadeia misteriosa das suas
transmigrações.
As menores particularidades da nossa vida registam-se em nós
e deixam traços indeléveis. Pensamentos, desejos, paixões, actos bons ou maus,
tudo se fixa, tudo se grava em nós. Durante o curso normal da vida, essas
recordações acumulam-se em camadas sucessivas e as mais recentes acabam por
apagar, pelo menos aparentemente, as mais antigas. Parece que esquecemos
aqueles mil pormenores da nossa existência dissipada. Basta, porém, evocar, nas
experiências hipnóticas (i), os tempos passados e tornar, pela vontade, a
colocar o sujet numa época anterior da sua vida, na mocidade ou no estado de
infância, para que essas recordações reapareçam em massa. O sujet revive o seu
passado, não só com o estado de alma e associação de ideias que lhe eram
peculiares nessa época, ideias às vezes bem diversas das que ele professa
actualmente, com os seus gostos, hábitos, linguagem, mas também reconstituindo
automaticamente toda a série dos fenómenos físicos contemporâneos daquela
época. Leva-nos isso a reconhecer que há íntima correlação entre a
individualidade psíquica e o estado orgânico.
Cada estado mental está associado a um estado fisiológico. A
evocação de um na memória dos sujets traz imediatamente a reaparição do outro.
(iii)
Dadas as flutuações constantes e a renovação integral do
corpo físico em alguns anos, esse fenómeno seria incompreensível sem a
intervenção do perispírito, que guarda em si, gravadas na sua substância, todas
as impressões de outrora. É ele que fornece à alma a soma total dos seus
estados conscientes, mesmo depois da destruição da memória cerebral. Assim o
demonstram os Espíritos nas suas comunicações, visto que conservam no espaço
até as menores recordações da sua existência terrestre.
Esse registo automático parece efectuar-se em forma de
agrupamento, ou zonas, dentro de nós, que correspondem a outros tantos períodos
da nossa vida, de maneira que, se a vontade, por meio da auto-sugestão ou da
sugestão estranha, o que é a mesma coisa, pois que, como vimos, a sugestão,
para ser eficaz, deve ser aceite pelo paciente e transformar-se em
auto-sugestão, se a vontade, dizemos, faz reviver uma lembrança pertencente a
um período qualquer do nosso passado, todos os factos de consciência que têm ligação
com esse mesmo período se desenrolam imediatamente numa concatenação metódica.
Gabriel Delanne comparou esses estados vibratórios com as camadas concêntricas
observadas nas secções de uma árvore e que permitem se lhe calcule o número de
anos.
Isso tornaria compreensíveis as variações da personalidade
de que falamos. Para observadores superficiais, esses fenómenos se explicam
pela dissociação da consciência. Estudados de perto e analisados, representam,
pelo contrário, aspectos de uma consciência única, correspondentes a outras
tantas fases de uma mesma existência. Esses aspectos revelam-se desde que o
sono é bastante profundo e o desprendimento perispiritual (i) suficiente. Se se
tem podido acreditar em mudanças de personalidade, é porque os estados
transitórios, intermediários, faltam ou se apagam.
O desprendimento, dissemos atrás, é facilitado pela acção
magnética. Os passes feitos num sensitivo relaxam pouco a pouco e desatam os
laços que unem o Espírito ao corpo. A alma e a sua forma etérea saem da ganga
material e essa saída constitui o fenómeno do sono. Quanto mais profunda for a
hipnose, tanto mais a alma se separa e se afasta, recobrando a plenitude das
suas vibrações. A vida activa concentra-se no perispírito, enquanto que a vida
física fica suspensa.
A sugestão aumenta também o ritmo vibratório da alma. Cada
ideia contém o que os psicólogos chamam a tendência para a acção e essa
tendência transforma-se em acto pela sugestão. Esta, com efeito, não é mais do
que um modo da vontade. Levada à mais alta intensidade, torna-se força motriz,
alavanca que levanta e põe em movimento as potências vitais adormecidas, os
sentidos psíquicos e as faculdades transcendentais.
Vê-se então produzirem-se os fenómenos da clarividência, da
lucidez, do despertar da memória. Para essas manifestações se tornarem
possíveis, o perispírito deve ser previamente impressionado por um abalo
vibratório determinado pela sugestão. Esse abalo, acelerando o movimento
rítmico, tem por efeito restabelecer a relação entre a consciência cerebral e a
consciência profunda, relação que está interrompida no estado normal durante a
vida física. Então as imagens e as reminiscências armazenadas no perispírito
podem reanimar-se e tornar-se novamente conscientes; mas, ao despertar, a
relação cessa logo, o véu torna a cair, as recordações longínquas apagam-se
pouco a pouco e voltam a entrar na penumbra.
A sugestão é, pois, o processo que se deve empregar, de
preferência, nessas experiências. Para reconduzir os sujets a uma época
determinada do seu passado são eles adormecidos por meio de passes
longitudinais, depois se lhes sugere que têm tal ou qual idade. Assim, se faz
que remontem a todos os períodos da sua existência; podem obter-se fac-similes
da sua letra, que variam segundo as épocas e são sempre concordantes, quando se
trata das mesmas épocas evocadas no curso de diferentes sessões. Por meio de
passes transversais faz-se com que voltem depois ao ponto actual, tornando a
passar pelas mesmas fases.
Pode também – e nós assim o temos feito – sugerir-se ao
sujet uma data determinada do seu passado, ainda o mais remoto, e fazê-lo
renascer nele. Se o sujet for muito sensível, vê-se então desenrolarem-se cenas
de cativante interesse com pormenores sobre o meio evocado e as personagens que
nele vivem, pormenores que são às vezes susceptíveis de verificação. “Tem-se
podido reconhecer – diz o Coronel de Rochas – que as recordações assim avivadas
eram exactas e que os sujets tomavam sucessivamente as personalidades
correspondentes à sua idade.” (iv)
Continuamos a tratar desses fenómenos, cuja análise projecta
uma luz viva sobre o mistério do ser. Todos os aspectos variados da memória, a
sua extinção na vida normal, o seu despertar no transe e na exteriorização,
tudo se explica pela diferença dos movimentos vibratórios que ligam a alma e o
seu corpo psíquico ao cérebro material. A cada mudança de estado as vibrações
variam de intensidade, fazendo-se mais rápidas, à medida que a alma se
desprende do corpo. As sensações são registadas no estado normal, com um mínimo
de força e duração; mas a memória total subsiste no fundo do ser. Por pouco que
os laços materiais se afrouxem e a alma seja restituída a si mesma, ela torna a
encontrar, com o seu estado vibratório superior, a consciência de todos os
aspectos da sua vida, de todas as formas físicas ou psíquicas da sua existência
integral. É, como vimos, o que se pode verificar e reproduzir artificialmente
no estado hipnótico. Para bem nos orientarmos no labirinto desses fenómenos é
preciso não esquecer que esse estado comporta muitos graus. A cada um desses
graus se vincula uma das formas da consciência e da personalidade; a cada fase
do sono corresponde um estado particular da memória; o sono mais profundo faz
surgir a memória mais extensa. Esta restringe-se cada vez mais, à medida que a
alma reintegra o seu invólucro (corpo). Ao estado de vigília, ou acordado,
corresponde a memória mais restrita, mais pobre.
O fenómeno da reconstituição artificial do passado faz-nos
compreender o que se passa depois da morte, quando a alma, livre do corpo
terrestre, torna a encontrar-se na presença de sua memória aumentada,
memória-consciência, memória implacável que conserva a impressão de todas as
suas faltas, tornando-se o seu juiz e, às vezes, o seu algoz; mas, ao mesmo
tempo, o “eu” fragmentado em camadas distintas, durante a vida deste mundo,
reconstitui-se na sua síntese superior e na sua magnífica unidade. Toda a experiência
adquirida no decorrer dos séculos, todas as riquezas espirituais, fruto da
evolução, muitas vezes latentes ou, pelo menos, amortecidas, apoucadas nesta
existência, reaparecem no seu brilho e frescura para servir de base a novas
aquisições. Nada se perde. Às camadas profundas do ser, juntam-se os
desfalecimentos e as quedas, proclamam também os lentos e penosos esforços
acumulados no decorrer das idades para constituírem essa personalidade, que irá
sempre crescendo, sempre mais rica e mais bela, na feliz expansão das suas
faculdades adquiridas, as suas qualidades e as suas virtudes.
/…
(ii) Os doutores Baraduc (i) e Joire construíram aparelhos
registadores que permitem medir a força radiante que se escapa de cada pessoa
humana e varia segundo o estado psíquico do sujet.
(iii) Essa lei é reconhecida em psicologia com o nome de
Paralelismo psicofísico. Wundt (i), nas suas Léçons sur l'Ame (2ª edição,
Leipzig, 1892), já dizia: “A cada facto psíquico corresponde um facto físico
qualquer.” As experiências dos próprios materialistas fazem sobressair a
evidência dessa lei. É assim, por exemplo, que M. Pierre Janet (i), quando faz
voltar o seu sujet Rosa, a dois anos antes, no curso da sua vida actual, vê
reproduzirem-se nela todos os sintomas do estado de gravidez em que se encontrava
naquela época. (P. Janet, professor de psicologia na Sorbonne, L'Automatisme
Psychologique, pág. 160.) Ver também os casos assinalados pelos doutores Bourru
e Burot, Changements de la Personnalité, pág. 152; pelo Dr. Sollier, Des
Hallucinations Autoscopiques (Bulletin de l'Institut Psychique, 1902, págs. 30
e segs.) e os relatados pelo Dr. Pitre, decano da Faculdade de Medicina de
Bordéus, no seu livro Le Somnambulisme et l'Hystérie.
(iv) Annales des Sciences Psychiques, Julho de 1905, página
350.
Léon Denis, O Problema do Ser, do Destino e da Dor, Primeira
Parte O Problema do Ser, VIII – Estados vibratórios da Alma – A memória, 9º
fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Sin título (detalhe), de uma
pintura atribuída a Josefina Robirosa)