Três são os elementos fundamentais de que o Espiritismo se
serve para transformar o nosso mundo num mundo melhor e mais belo:
a) O Amor,
b) O Trabalho,
c) A Solidariedade.
(I de III)
I – O Amor
O amor abrange a compreensão e a tolerância, pois quem ama
compreende o ser amado e sabe tolerá-lo em todas as circunstâncias. Abrange
também a Verdade, pois quem ama sabe que o alvo supremo do Amor é a Verdade.
Ninguém ama a mentira, pois mesmo os mentirosos apenas a suportam na falta da
verdade. O amor egoísta do homem por si mesmo expande-se no desenvolvimento
psicobiológico como, segundo já vimos, no amor altruísta, o amor pelos outros,
a partir do núcleo familial (i) até à Sociedade, à Pátria e à Humanidade.
Alguns espíritas dizem que os espíritas não têm pátria, pois sabem que todos
podemos renascer em várias nações. Isso é uma incongruência,
pois então não poderíamos também amar o pai e a mãe, que variam nas
encarnações sucessivas. O Amor não tem limites, mas nós, os homens, somos
criaturas limitadas e estamos condicionados, em cada existência, pelas
limitações da condição humana. Amamos de maneira especial
aqueles que estão ligados a nós nesta vida ou se ligaram a nós em vidas
anteriores. Amamos a todos os seres e a todas as coisas na proporção do nosso alcance mental
de compreensão da realidade. E amamos a nossa Terra, o pedaço do mundo em que
nascemos e vivemos e a parte populacional a que pertencemos, no recorte da
população mundial que corresponde à população da nossa terra. E amamos os que
estão para além da Terra, nas zonas planetárias espirituais, como amamos, por
intuição mental e afectiva, a todos os seres e às coisas de todo o
Universo. O ilimitado do Amor impõe-se aos limites temporários da nossa
condição imediata. E é esse o nosso primeiro degrau para a transcendência
espiritual. Na proporção em que a nossa capacidade infinita de amar se
concretiza na realidade afectiva (nascida dos sentimentos profundos e
verdadeiros do amor) sentimo-nos elevados a planos superiores de afectividade
intelecto-moral, respeitando progressivamente todas as expressões da vida e da
beleza em todo o Universo. O Amor não é um gosto, nem uma preferência, nem um
desejo – é afeição, ou seja, afectividade em
acção, fluxo permanente de vibrações espirituais do ser que se expandem em
todas as direcções da realidade. Foi por isso que Francisco
de Assis amou com a mesma ternura e o mesmo afecto, chamando-os de
irmãos; os minerais, os vegetais, os animais, os homens
e os astros no Infinito. As ondas do Amor atingem a todas as
distâncias, elevações e profundezas, não podendo ser medidas, como fazemos
com as ondas hertzianas do rádio. Depois de ultrapassar os limites possíveis da
Criação, o Amor atinge o seu alvo principal, que é Deus, e Nele se transfunde.
O Espiritismo aprofunda o conhecimento da Realidade
Universal e não pretende modificar o Mundo em que vivemos através de mudanças superficiais das
estruturas. Essa é a posição dos homens diante dos desequilíbrios e injustiças
sociais. Mas o homem-espírita vê mais longe e mais fundo, buscando as
causas dos efeitos visíveis. Se queremos apagar uma lâmpada eléctrica
não adianta soprá-la, é necessário carregar no botão que detém o fluxo de
electricidade. Se queremos mudar a Sociedade, não adiante modificar a sua
estrutura feita pelos homens, mas modificar os homens que modificam as
estruturas sociais. O homem egoísta produz o mundo egoísta, o homem
altruísta produzirá o mundo generoso, bom e belo que todos desejamos. Não
podemos fazer um bom plantio com más sementes. Temos de melhorar as sementes.
As relações humanas baseiam-se na afectividade humana.
Não há afectos entre corações insensíveis. Por isso a dor campeia no mundo,
pois só ela pode abalar os corações de pedra. Mas o Espiritismo mostra-nos que
os corações de pedra são duros por falta de compreensão da realidade, de
tradições negativas que os homens desenvolveram em tempos selvagens e brutais.
Essas relações modificam-se quando oferecemos aos homens uma visão mais humana
e mais lógica da Realidade Universal. Essa visão não tem sido apresentada pelos
espíritas, que, na sua maioria, se deixam levar apenas pelo aspecto
religioso da doutrina, assim mesmo deformado pela influência de
formações religiosas anteriores. Precisamos restabelecer a visão espírita na
sua totalidade, afastando os resíduos de um passado de ilusões e mentiras
prejudiciais. Se compreenderem a necessidade urgente de se aprofundarem no
conhecimento da doutrina, de maneira a formarem uma sólida e esclarecida
convicção espírita, poderão realmente contribuir para a modificação do mundo em
que vivemos. Gerações e gerações de espíritas passaram pela Terra, de Kardec até
hoje, sem terem obtido sequer um laivo de educação espírita, de formação
doutrinaria sistemática. Aprenderam apenas alguns hábitos espíritas, ouviram
aulas inócuas de catecismo igrejeiro, tornaram-se, às vezes, ardorosos na
adolescência e na juventude (porque o Espiritismo é a oposição a tudo quanto de
envelhecido e caduco existe no mundo), mas ao defrontarem-se com a cultura
universitária incluíram a doutrina no rol das coisas peremptas por
não terem a menor visão de sua grandeza. Pais ignorantes e filhos
ignorantes, na sucessão das encarnações inúteis, nada mais fizeram do que
transformar a grande doutrina numa seita de papalvos (i). Duras são e têm
de ser as palavras, porque ineptas e criminosas foram as acções condenadas. A
preguiça mental de ler e pensar, a pretensão de saber tudo por intuição, de
receber dos guias a verdade feita, o brilhareco inútil e vaidoso dos tribunos,
as mistificações aceites de mão beijada como bênçãos divinas e assim por
diante, num rol infindável de tolices e burrices fizeram do movimento
doutrinário um charco de crendices que impediu a volta prevista de Kardec para
continuar o seu trabalho. Em compensação, surgiram os reformadores e
adulteradores, as mistificações deslumbrantes e vazias e até mesmo as séries ridículas
de reencarnações do mestre por contraditores incultos de suas mais valiosas
afirmações doutrinárias.
Este amargo panorama afastou do meio espírita muitas
criaturas dotadas de excelentes condições para ajudarem o movimento a
organizar-se num plano superior de cultura. Isto é tanto mais grave quanto o
nosso tempo que não justifica o que aconteceu com o Cristianismo deformado
totalmente num tempo de ignorância e atraso cultural. Pelo contrário, o
Espiritismo surgiu numa fase de acelerado desenvolvimento cultural e
espiritual, em que os espíritas contaram e contam com os maiores recursos do
conhecimento e do progresso de que a humanidade terrena já dispôs. Todos
os grandes esforços culturais em favor da doutrina foram negligenciados e
continuam a sê-lo pela grande maioria dos espíritas de caramujo, que
se encolhem nas suas carapaças e nos seus redutos fantásticos. Falta o amor
pela doutrina, de que falava Urbano
de Assis Xavier; falta o amor pelos companheiros que se dedicam à seara com
abnegação de si mesmos e de suas próprias condições profissionais e
intelectuais; falta o amor pelo povo faminto de esclarecimentos precisos e
seguros; falta o amor pela Verdade, que continua sufocada pelas mentiras das
trevas.
Os médiuns de grandes possibilidades vêem-se cercados
de multidões interesseiras, que os levam quase sempre ao fracasso
ou ao esgotamento precoce. Só os interesseiros os procuram: os que pretendem
aproveitar as suas produções em proveito próprio; os que desejam apenas dizer-se
íntimos do médium; os que procuram consolação passageira na sua presença; os
que buscam sugar-lhes os benefícios fluídicos e assim por diante. Os próprios
médiuns acabam muitas vezes entregando-se ao desânimo e desviando-se para
outros campos de actividade onde, pelo menos, poderão gozar de convivências
menos penosas.
A exploração inconsciente e consciente dos
médiuns pelos próprios adeptos da doutrina é um dos factores mais negativos
para o desenvolvimento do Espiritismo no nosso país e no mundo. A
contribuição que eles poderiam dar para a execução das metas doutrinárias
perde-se na miudalha das consultas pessoais e nas mensagens quotidianas de
sentido religioso-confessional, mais tocadas por emoção embaladora do que de
raciocínio e esclarecimento. É isso o que todos pedem, como crianças
choramingas acostumadas a dormir com cantigas de embalar. Até mesmo um médium
como Arigó,
dotado de temperamento agressivo como João Baptista e assistido por uma
entidade positiva como Fritz, acabou envolvido numa rede de interesses
contraditórios que o envolveram através de manobras que o aturdiram, misturadas
a calúnias e campanhas difamatórias que o levaram, na sua ignorância de roceiro
inculto, a precipitar-se, sem querer, na sua destruição precoce. As grandes
teses da Doutrina Espírita não foram suficientes para mobilizar os espíritas em
favor do médium, resguardando-o e facilitando, pelo menos, a investigação dos
cientistas norte-americanos, de diversas Universidades e da NASA, que tentaram
desesperadamente colocar o problema em termos de equação científica. O
que devia ter sido uma vitória da Verdade no plano universal reverteu-se em
mesquinho episódio de disputas profissionais acirradas por clérigos e médicos
de visão rasteira. E tudo isso por que estranho motivo? Porque os
espíritas não foram capazes de sair das suas tocas, empunhando as armas
poderosas da doutrina, para enfrentar o conluio miserável das ambições absorventes
e vorazes.
Cada espírita, ao aceitar e compreender a grandeza
da causa doutrinária e a sua finalidade suprema – que é a
transformação moral, social, cultural e espiritual do nosso mundo – assume um
grave compromisso com a sua própria consciência. O aparecimento de um médium
como Chico
Xavier ou Arigó já
não tem o sentido restrito do aparecimento de uma pitonisa ou
de um oráculo no passado, mas o do aparecimento de um João
Baptista ou de um Cristo na fase crítica da queda do mundo clássico
greco-romano, da trágica agonia da civilização mitológica. Porém, após
um século da semeadura evangélica, na hora certa e precisa da colheita, vemos
de novo o povo eleito enrolado em intrigas na Porta do Monturo (i), enquanto os
romanos crucificam entre ladrões os que se imolaram em reencarnações
providenciais.
Essa mentalidade de corujas agoureiras e, de troianos que
não ouvem Cassandra, decorre do egoísmo (essa lepra do coração humano, segundo
a expressão de Kardec) do comodismo e da preguiça mental. A falta de
estudo sério e sistemático da doutrina, que permite a infiltração de elementos
estranhos no corpo doutrinário, causando-lhe deformações rebarbativas e
fantasiadas de novidades, avilta a consciência espírita com a marca de Caim nos
grupos de traidores. Estes traidores não traem apenas a doutrina,
Cristo e Kardec, mas também a Humanidade e o Futuro. Onde fica o princípio do
Amor em tudo isso? Quem revelou amor à Verdade? Quem provou amar e respeitar a
doutrina? Quem mostrou amar o seu semelhante e por isso querer realmente
ajudá-lo, orientá-lo, esclarecê-lo? A esse fim superior sobrepõe-se o interesse
falso e mesquinho de fazer bonito aos olhos que necessitam de luz, bancar
saberetas para os que nada sabem, impor a criaturas ingénuas a sua
maneira mentirosa de ver o ensino puro e claro de Kardec.
O amor não está nos que se acumpliciam, se comprometem
reciprocamente na trapaça, enleando-se na solidariedade da profanação
consciente ou inconsciente, O amor está nos que repelem a farsa e
condenam o gesto egoísta dos escamoteadores da verdade em proveito próprio,
levando multidões ingénuas e desprevenidas à deturpação da doutrina
esclarecedora. O amor, nesse caso, pode parecer impiedade, mas é
piedade, pode assemelhar-se à injúria e agressão, mas é socorro e salvação. As
condenações violentas de Jesus a escribas e fariseus não foram ditadas pelo
ódio, mas pela indignação justa, necessária, indispensável do Mestre, que
sacudia aquelas almas impuras para livrá-las da impureza com que aviltavam os
simples. Quem não tiver condições para compreender isto deve ter pelo
menos a humildade de André Luiz, o médico lançado às zonas umbralinas, a
contentar-se com trabalhos de limpeza e lavagem nos hospitais dos planos
superiores para aprender a grandeza da humildade, a nobreza dos pequeninos, ao
invés de rebelar-se contra as leis divinas da busca da Verdade. O nosso
movimento espírita, como todo o negro panorama religioso da Terra, está cheio
de ignorantes revestidos ou não de graus universitários, que
se julgam mestres iluminados e são apenas os cegos do Evangelho que levam
outros cegos ao barranco. Impedi-los de cometer este crime de vaidade afrontosa
é o dever dos que sabem realmente amar e servir. “Ai de vós, escribas e
fariseus hipócritas!” advertiu Jesus, não para condená-los ao fogo do Inferno, mas para
salvá-los do inferno de si mesmos.
/…
José Herculano Pires, Curso Dinâmico de Espiritismo,
XVII – Acção Espírita na Transformação do Mundo, (I de III) –
O Amor, 17º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Somos as aves de fogo
por sobre os campos celestes, acrílico de Costa Brites)
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