Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

quinta-feira, 15 de abril de 2021

o grande desconhecido ~


Acção Espírita na transformação do Mundo ~ 

Três são os elementos fundamentais de que o Espiritismo se serve para transformar o nosso mundo num mundo melhor e mais belo: 

a) O Amor, 
b) O Trabalho, 
c) A Solidariedade. 

(I de III) 

I – O Amor 

O amor abrange a compreensão e a tolerância, pois quem ama compreende o ser amado e sabe tolerá-lo em todas as circunstâncias. Abrange também a Verdade, pois quem ama sabe que o alvo supremo do Amor é a Verdade. Ninguém ama a mentira, pois mesmo os mentirosos apenas a suportam na falta da verdade. O amor egoísta do homem por si mesmo expande-se no desenvolvimento psicobiológico como, segundo já vimos, no amor altruísta, o amor pelos outros, a partir do núcleo familial (i) até à Sociedade, à Pátria e à Humanidade. Alguns espíritas dizem que os espíritas não têm pátria, pois sabem que todos podemos renascer em várias nações. Isso é uma incongruência, pois então não poderíamos também amar o pai e a mãe, que variam nas encarnações sucessivas. O Amor não tem limites, mas nós, os homens, somos criaturas limitadas e estamos condicionados, em cada existência, pelas limitações da condição humana. Amamos de maneira especial aqueles que estão ligados a nós nesta vida ou se ligaram a nós em vidas anteriores. Amamos a todos os seres e a todas as coisas na proporção do nosso alcance mental de compreensão da realidade. E amamos a nossa Terra, o pedaço do mundo em que nascemos e vivemos e a parte populacional a que pertencemos, no recorte da população mundial que corresponde à população da nossa terra. E amamos os que estão para além da Terra, nas zonas planetárias espirituais, como amamos, por intuição mental e afectiva, a todos os seres e às coisas de todo o Universo. O ilimitado do Amor impõe-se aos limites temporários da nossa condição imediata. E é esse o nosso primeiro degrau para a transcendência espiritual. Na proporção em que a nossa capacidade infinita de amar se concretiza na realidade afectiva (nascida dos sentimentos profundos e verdadeiros do amor) sentimo-nos elevados a planos superiores de afectividade intelecto-moral, respeitando progressivamente todas as expressões da vida e da beleza em todo o Universo. O Amor não é um gosto, nem uma preferência, nem um desejo – é afeição, ou seja, afectividade em acção, fluxo permanente de vibrações espirituais do ser que se expandem em todas as direcções da realidade. Foi por isso que Francisco de Assis amou com a mesma ternura e o mesmo afecto, chamando-os de irmãos; os minerais, os vegetais, os animais, os homens e os astros no Infinito. As ondas do Amor atingem a todas as distâncias, elevações e profundezas, não podendo ser medidas, como fazemos com as ondas hertzianas do rádio. Depois de ultrapassar os limites possíveis da Criação, o Amor atinge o seu alvo principal, que é Deus, e Nele se transfunde. 

O Espiritismo aprofunda o conhecimento da Realidade Universal e não pretende modificar o Mundo em que vivemos através de mudanças superficiais das estruturas. Essa é a posição dos homens diante dos desequilíbrios e injustiças sociais. Mas o homem-espírita vê mais longe e mais fundo, buscando as causas dos efeitos visíveis. Se queremos apagar uma lâmpada eléctrica não adianta soprá-la, é necessário carregar no botão que detém o fluxo de electricidade. Se queremos mudar a Sociedade, não adiante modificar a sua estrutura feita pelos homens, mas modificar os homens que modificam as estruturas sociais. O homem egoísta produz o mundo egoísta, o homem altruísta produzirá o mundo generoso, bom e belo que todos desejamos. Não podemos fazer um bom plantio com más sementes. Temos de melhorar as sementes. 

As relações humanas baseiam-se na afectividade humana. Não há afectos entre corações insensíveis. Por isso a dor campeia no mundo, pois só ela pode abalar os corações de pedra. Mas o Espiritismo mostra-nos que os corações de pedra são duros por falta de compreensão da realidade, de tradições negativas que os homens desenvolveram em tempos selvagens e brutais. Essas relações modificam-se quando oferecemos aos homens uma visão mais humana e mais lógica da Realidade Universal. Essa visão não tem sido apresentada pelos espíritas, que, na sua maioria, se deixam levar apenas pelo aspecto religioso da doutrina, assim mesmo deformado pela influência de formações religiosas anteriores. Precisamos restabelecer a visão espírita na sua totalidade, afastando os resíduos de um passado de ilusões e mentiras prejudiciais. Se compreenderem a necessidade urgente de se aprofundarem no conhecimento da doutrina, de maneira a formarem uma sólida e esclarecida convicção espírita, poderão realmente contribuir para a modificação do mundo em que vivemos. Gerações e gerações de espíritas passaram pela Terra, de Kardec até hoje, sem terem obtido sequer um laivo de educação espírita, de formação doutrinaria sistemática. Aprenderam apenas alguns hábitos espíritas, ouviram aulas inócuas de catecismo igrejeiro, tornaram-se, às vezes, ardorosos na adolescência e na juventude (porque o Espiritismo é a oposição a tudo quanto de envelhecido e caduco existe no mundo), mas ao defrontarem-se com a cultura universitária incluíram a doutrina no rol das coisas peremptas por não terem a menor visão de sua grandeza. Pais ignorantes e filhos ignorantes, na sucessão das encarnações inúteis, nada mais fizeram do que transformar a grande doutrina numa seita de papalvos (i). Duras são e têm de ser as palavras, porque ineptas e criminosas foram as acções condenadas. A preguiça mental de ler e pensar, a pretensão de saber tudo por intuição, de receber dos guias a verdade feita, o brilhareco inútil e vaidoso dos tribunos, as mistificações aceites de mão beijada como bênçãos divinas e assim por diante, num rol infindável de tolices e burrices fizeram do movimento doutrinário um charco de crendices que impediu a volta prevista de Kardec para continuar o seu trabalho. Em compensação, surgiram os reformadores e adulteradores, as mistificações deslumbrantes e vazias e até mesmo as séries ridículas de reencarnações do mestre por contraditores incultos de suas mais valiosas afirmações doutrinárias. 

Este amargo panorama afastou do meio espírita muitas criaturas dotadas de excelentes condições para ajudarem o movimento a organizar-se num plano superior de cultura. Isto é tanto mais grave quanto o nosso tempo que não justifica o que aconteceu com o Cristianismo deformado totalmente num tempo de ignorância e atraso cultural. Pelo contrário, o Espiritismo surgiu numa fase de acelerado desenvolvimento cultural e espiritual, em que os espíritas contaram e contam com os maiores recursos do conhecimento e do progresso de que a humanidade terrena já dispôs. Todos os grandes esforços culturais em favor da doutrina foram negligenciados e continuam a sê-lo pela grande maioria dos espíritas de caramujo, que se encolhem nas suas carapaças e nos seus redutos fantásticos. Falta o amor pela doutrina, de que falava Urbano de Assis Xavier; falta o amor pelos companheiros que se dedicam à seara com abnegação de si mesmos e de suas próprias condições profissionais e intelectuais; falta o amor pelo povo faminto de esclarecimentos precisos e seguros; falta o amor pela Verdade, que continua sufocada pelas mentiras das trevas. 

Os médiuns de grandes possibilidades vêem-se cercados de multidões interesseiras, que os levam quase sempre ao fracasso ou ao esgotamento precoce. Só os interesseiros os procuram: os que pretendem aproveitar as suas produções em proveito próprio; os que desejam apenas dizer-se íntimos do médium; os que procuram consolação passageira na sua presença; os que buscam sugar-lhes os benefícios fluídicos e assim por diante. Os próprios médiuns acabam muitas vezes entregando-se ao desânimo e desviando-se para outros campos de actividade onde, pelo menos, poderão gozar de convivências menos penosas. 

exploração inconsciente e consciente dos médiuns pelos próprios adeptos da doutrina é um dos factores mais negativos para o desenvolvimento do Espiritismo no nosso país e no mundo. A contribuição que eles poderiam dar para a execução das metas doutrinárias perde-se na miudalha das consultas pessoais e nas mensagens quotidianas de sentido religioso-confessional, mais tocadas por emoção embaladora do que de raciocínio e esclarecimento. É isso o que todos pedem, como crianças choramingas acostumadas a dormir com cantigas de embalar. Até mesmo um médium como Arigó, dotado de temperamento agressivo como João Baptista e assistido por uma entidade positiva como Fritz, acabou envolvido numa rede de interesses contraditórios que o envolveram através de manobras que o aturdiram, misturadas a calúnias e campanhas difamatórias que o levaram, na sua ignorância de roceiro inculto, a precipitar-se, sem querer, na sua destruição precoce. As grandes teses da Doutrina Espírita não foram suficientes para mobilizar os espíritas em favor do médium, resguardando-o e facilitando, pelo menos, a investigação dos cientistas norte-americanos, de diversas Universidades e da NASA, que tentaram desesperadamente colocar o problema em termos de equação científica. O que devia ter sido uma vitória da Verdade no plano universal reverteu-se em mesquinho episódio de disputas profissionais acirradas por clérigos e médicos de visão rasteira. E tudo isso por que estranho motivo? Porque os espíritas não foram capazes de sair das suas tocas, empunhando as armas poderosas da doutrina, para enfrentar o conluio miserável das ambições absorventes e vorazes. 

Cada espírita, ao aceitar e compreender a grandeza da causa doutrinária e a sua finalidade suprema – que é a transformação moral, social, cultural e espiritual do nosso mundo – assume um grave compromisso com a sua própria consciência. O aparecimento de um médium como Chico Xavier ou Arigó já não tem o sentido restrito do aparecimento de uma pitonisa ou de um oráculo no passado, mas o do aparecimento de um João Baptista ou de um Cristo na fase crítica da queda do mundo clássico greco-romano, da trágica agonia da civilização mitológica. Porém, após um século da semeadura evangélica, na hora certa e precisa da colheita, vemos de novo o povo eleito enrolado em intrigas na Porta do Monturo (i), enquanto os romanos crucificam entre ladrões os que se imolaram em reencarnações providenciais. 

Essa mentalidade de corujas agoureiras e, de troianos que não ouvem Cassandra, decorre do egoísmo (essa lepra do coração humano, segundo a expressão de Kardec) do comodismo e da preguiça mental. A falta de estudo sério e sistemático da doutrina, que permite a infiltração de elementos estranhos no corpo doutrinário, causando-lhe deformações rebarbativas e fantasiadas de novidades, avilta a consciência espírita com a marca de Caim nos grupos de traidores. Estes traidores não traem apenas a doutrina, Cristo e Kardec, mas também a Humanidade e o Futuro. Onde fica o princípio do Amor em tudo isso? Quem revelou amor à Verdade? Quem provou amar e respeitar a doutrina? Quem mostrou amar o seu semelhante e por isso querer realmente ajudá-lo, orientá-lo, esclarecê-lo? A esse fim superior sobrepõe-se o interesse falso e mesquinho de fazer bonito aos olhos que necessitam de luz, bancar saberetas para os que nada sabem, impor a criaturas ingénuas a sua maneira mentirosa de ver o ensino puro e claro de Kardec. 

O amor não está nos que se acumpliciam, se comprometem reciprocamente na trapaça, enleando-se na solidariedade da profanação consciente ou inconsciente, O amor está nos que repelem a farsa e condenam o gesto egoísta dos escamoteadores da verdade em proveito próprio, levando multidões ingénuas e desprevenidas à deturpação da doutrina esclarecedora. O amor, nesse caso, pode parecer impiedade, mas é piedade, pode assemelhar-se à injúria e agressão, mas é socorro e salvação. As condenações violentas de Jesus a escribas e fariseus não foram ditadas pelo ódio, mas pela indignação justa, necessária, indispensável do Mestre, que sacudia aquelas almas impuras para livrá-las da impureza com que aviltavam os simples. Quem não tiver condições para compreender isto deve ter pelo menos a humildade de André Luiz, o médico lançado às zonas umbralinas, a contentar-se com trabalhos de limpeza e lavagem nos hospitais dos planos superiores para aprender a grandeza da humildade, a nobreza dos pequeninos, ao invés de rebelar-se contra as leis divinas da busca da Verdade. O nosso movimento espírita, como todo o negro panorama religioso da Terra, está cheio de ignorantes revestidos ou não de graus universitários, que se julgam mestres iluminados e são apenas os cegos do Evangelho que levam outros cegos ao barranco. Impedi-los de cometer este crime de vaidade afrontosa é o dever dos que sabem realmente amar e servir. “Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas!” advertiu Jesus, não para condená-los ao fogo do Inferno, mas para salvá-los do inferno de si mesmos. 

/… 


José Herculano Pires, Curso Dinâmico de Espiritismo, XVII – Acção Espírita na Transformação do Mundo, (I de III) – O Amor, 17º fragmento desta obra. 
(imagem de contextualização: Somos as aves de fogo por sobre os campos celestes, acrílico de Costa Brites)

Sem comentários: