O método de pesquisar a verdade científica é o mesmo que deve ser empregado na
conquista da verdade religiosa.
Não há dois processos diferentes de aprendizagem. O natural é um só. Indagar,
deduzir, experimentar, confrontar, observar — eis os meios para chegarmos à
solução dos problemas científicos e religiosos.
Não há religião fora da Ciência e, não há ciência fora da Religião. Se é certo
que há ciência na Física, na Química, na Astronomia e nas Matemáticas, há sabedoria e,
muito grande, na bondade de coração, na integridade de carácter, no espírito de
justiça, no cumprimento do dever, no altruísmo, na renuncia e no sacrifício
próprio em prol do bem colectivo e da felicidade de todos. E estas coisas são o
fruto da árvore da redenção plantada no cume do Calvário pelo Cristo de Deus. A ciência que proscreve a virtude não é ciência: é vaidade. A
religião que proscreve a Ciência não é religião: é superstição.
Já não estamos no tempo dos dogmas e dos rituais. O imperialismo já não domina,
quer na Ciência, quer na Política, quer na Religião. O homem ambiciona agir com
liberdade, um direito inalienável que Deus concede a todos. O mundo reclama uma
religião que melhore as condições sociais, regenerando o indivíduo. A
Humanidade está farta de Borlas e de promessas falaciosas: ela quer os frutos.
A salvação e a condenação já se tornaram termos vazios de sentido. O
mundo actual pede factos concretos que possam ser observados na esfera social,
no cenário terreno; A religião que não melhora e o homem não salva o
espírito; O credo que não tem poder para reformar os costumes, que é incapaz de
conter a onda do vício e do crime que ora invade a sociedade, já não merece
crédito, nem pode ser levado a sério; Não garante o futuro quem não tem
acção sobre o presente; Quem não faz o menos, não fará, com maior razão, o
mais.
Não importa que certas instituições hajam conseguido prestígio no passado e
disso se vangloriem na actualidade. O momento actual reclama uma nova fé, uma
força nova, viva, forte, capaz de conjurar os
males e os flagelos que arrastam a Humanidade ao abismo.
"Águas passadas não movem moinho." Não será com as tradições que
venceremos os inimigos do homem desta época: o vício, o crime, a cobiça, a
ambição, a fraude, a hipocrisia, a ociosidade. A religião que se torna estática
e estéril é religião morta que pede o Requiescat in pace.
Necessitamos de fé, dessa fé que é dinamismo, que é energia incoercível e cuja
eficácia se revela em factos palpáveis, concretos.
A época não é de discussões, nem de controvérsias, é de factos. Quem é bom,
trate de ser melhor; e quem é mau há de revelar no mais alto grau as suas
maldades. Todos os homens são convidados agora a se manifestarem tais quais são
na realidade. "Nada há encoberto que não seja descoberto." "É
preciso que haja escândalos, mas ai daqueles por quem o escândalo vem." As
máscaras vão cair. Não se tolerará a hipocrisia. O que houver oculto, no
coração do homem, virá à luz meridiana. Dai porque as organizações,
baseadas nas exterioridades e nas encenações, cairão por terra. Mas geraram
corrupção, fanatismo e hipocrisias. Os chamados intelectuais chegaram,
por isso, a negar a eficiência e o valor da fé. Encaram a religião e as demais
instituições sociais como coisas que se prestam unicamente a iludir a
credulidade dos simples e serem explorados pelos sábios e entendidos.
"A hora vem e agora é", em que o Filho do homem reivindicará os
legítimos direitos que lhe são devidos, pois esses direitos foram conquistados
com a efusão do seu sangue.
~
A crise ~
O mundo, todo, está em crise e, crise original. Original e paradoxal, visto
tratar-se de crise de abundância.
Há excesso de produtos em toda a parte. Todos os países estão com os seus
mercados a abarrotar. A crise provém exactamente dessa estagnação.
O mundo está doente e, gravemente: é portador de adiantada esclerose.
As suas artérias estão enferrujadas. A circulação faz-se penosamente. Os
aneurismas ameaçam romper a todo o momento. Estamos diante de um doente que os
médicos classificam como — caso perdido.
Não haverá, de facto, remédio para o estado actual da Humanidade? — Pensamos
que sim. Basta que se procure a causa e sobre ela se actue, ao
contrário de tratar somente dos efeitos, como se tem feito até aqui. Sublata
causa, tolitur effectus. (Eliminada a causa, desaparece o efeito).
A nosso ver, a origem do mal, ou, pelo menos — uma das causas — está na
política económica fundamentalmente egoísta adoptada pelas nações, em geral.
Inspirados nesta política desastrosa, cada país pretende defender os seus
interesses particulares, com menosprezo do interesse colectivo.
Na questão económica, não há interesse particular, ou isolado, é por isso que
todas as nações são igualmente interessadas. Há, realmente, um interesse único:
o interesse colectivo.
O egoísmo impede que se veja com clareza esse facto tão simples. É assim que o
egoísmo de cada nação, pretendendo defender-se, se vai comprometendo;
pretendendo juntar, vai espalhando; pretendendo fortificar e sustentar a obra
financeira, se vai escondendo nas suas bases e fundamentos.
Exemplifiquemos:
As leis naturais, que são divinas, revelam-nos o seguinte: Os
países, pelas suas condições geográficas, topográficas e climatéricas,
fornecem-nos determinados produtos. O Brasil produz café, a Argentina trigo,
Espanha, Portugal e França produzem frutas, azeite, vinhos, etc. O México tira
do seu subsolo gasolina, querosene, óleos lubrificantes.
Certas nações, pela exiguidade do seu território, pela densidade das suas
populações e por outras circunstâncias, tornam-se manufactureiras, fazendo da
indústria a sua fonte principal de riqueza.
Ora, assim sendo, o bom senso está a indicar que o modus
vivendi entre os povos deve ser o da livre troca de produtos. É a
lição da própria Natureza. Tudo o que contribua para atrapalhar a
circulação das diferentes produções, acabará por afectar os organismos
internacionais na sua parte económico-financeira. Outra coisa não tem feito a egoística política vigente. Cada nação se fortifica
nos seus domínios, fechando virtualmente os seus portos aos produtos
estrangeiros. Todas querem vender, nenhuma quer comprar. Exportar, sim;
importar, nunca. Os impostos proibitivos de parte a parte determinaram a
esclerose e os aneurismas de que se encontram atacados os organismos económico
de todos os povos.
De tal sorte se explicam as superabundâncias de produtos a abarrotar nos
mercados mundiais, como também, a seu turno, o número crescente de
desempregados.
Desobstruam-se as artérias, promova-se a livre circulação dos produtos e, ver-se-á, com espanto, que o moribundo abre os olhos, desperta, dando, desde
logo, sinais de melhoras e esperança no restabelecimento.
Está visto que, dada a gravidade do mal, o remédio deve ser aplicado com
justeza e proficiência, o estado do doente é melindroso. A terapêutica deve ser
ministrada por mãos hábeis e competentes.
Uma das soluções para o caso não pode deixar de ser esta: Temos que mudar de
política económica. Da política vesga, materialista, estreita e mesquinha,
inspirada no egoísmo, cumpre evolvermos para
a política da solidariedade, altruísta, natural e cristã.
Sem a luz dos factores morais, nenhum problema da vida humana se resolverá
satisfatoriamente.
~
Deus, Justiça, Evolução ~
Que significado pode ter a evolução se os seres inferiores não evolvem para
espécies superiores? Onde está a eficiência desta lei eterna e incoercível se
os seres tiverem de permanecer eternamente ligados ao estado e às condições em
que os conhecemos no momento actual?
Não temos, por acaso, para refutar aquela hipótese, o facto incontestável das
profundas modificações verificadas entre os animais de hoje, em comparação com
os do passado? Mesmo o género humano não escapa a estas alterações. Os homens,
como os animais da actualidade, divergem dos homens e dos animais de outrora.
Destes últimos, várias espécies desapareceram do teatro terreno, existindo
apenas exemplares nos museus. Outras variedades há que existiram em épocas
remotas e só lograram chegar ao nosso conhecimento através de vestígios fósseis.
A criação é uma cadeia infinita cujos elos se entrelaçam num movimento
ascensional constante. Não podemos, naturalmente, ver e palpar esse
entrelaçamento gradual e progressivo dos seres, porque o orbe em que habitamos
não passa de uma nesga ou fracção diminuta do Universo.
Os elos da infinita cadeia se conjugam no incomensurável cenário da vida
universal. Podemos imaginar este fenómeno, podemos concebê-lo, mercê
da nossa inteligência e do nosso raciocínio, mas não nos é dado comprová-lo
neste mísero recanto que agora nos hospeda.
A escada que Jacob (i) viu nos
sonhos, quando a caminho da Mesopotâmia, é a imagem fiel da evolução. Por essa
escada, cujas extremidades se apoiavam, respectivamente, uma na Terra, outra no
Céu, subiam e desciam os Espíritos. A escada com os seus múltiplos degraus,
alegorizava, claramente as várias etapas do progresso que os Espíritos vão
galgando na conquista aurifulgente dos
seus destinos.
A Terra não está insulada no céu. Tudo, na criação, é solidário, como
solidárias são as células do nosso corpo.
Os mundos e os sóis, os planetas e os astros, os anjos e os homens, animais e
plantas — todas as modalidades de vida, da mais simples e rudimentar à mais
complexa e elevada, sobe a escada maravilhosa da evolução como hino triunfal
que a Natureza entoa à sabedoria infinita e ao amor incomparável de Deus.
O grande naturalista Darwin, conquanto se mantivesse exclusivamente no terreno
da Biologia, averiguou a veracidade da evolução através das variadas espécies animais anatomicamente estudadas. Gabriel
Delanne, o pensador profundo, o espiritualista abalizado, na sua obra
majestosa — Evolução Anímica — firma, com dados positivos, o conceito, hoje
indiscutível, do progresso de todos os seres numa empolgante peregrinação pela
senda interminável do aperfeiçoamento. Wesley,
protestante, fundador da igreja metodista, era partidário da evolução.
Raciocinando, certa vez, sobre a sorte dos animais, teve este pensamento,
próprio de uma alma cristã, de um coração amorável e justo: "Meu Deus!
certamente tens concedido aos animais a faculdade de melhorar. Acredito que
eles não permanecerão no estado de inferioridade em que hoje os
conhecemos."
A evolução é um facto que se impõe e, que em tudo se verifica. No campo do
subjectivo ela se ostenta também nas demonstrações e testemunhos irrefutáveis.
A imprensa de Gutenberg evoluiu para as Marinoni, essas máquinas
admiráveis, verdadeiros prodígios da mecânica moderna. Os barcos de Fulton evolveram,
a seu turno, para essas naus possantes, para os transatlânticos que são cidades
flutuantes unindo os continentes. A ideia de Gutenberg e a de Fulton, para
citar apenas dois exemplos, emigraram de cérebro em cérebro de geração em
geração, subindo, ascendendo aos altos paramos do aperfeiçoamento. E,
certamente não se cristalizarão aí. O futuro, em todos os tempos trouxe sempre no
seu bojo surpresas maravilhosas.
Creio na evolução porque creio na justiça. Creio na justiça porque creio em
Deus!
/...
"Aos que comigo crêem e sentem as revelações do Céu, comprazendo-se na sua
doce e encantadora magia, dedico esta obra.
Pedro de Camargo
“Vinícius”
Pedro de Camargo “Vinícius” (i), Em
torno do Mestre, Primeira Parte / Seixos e Gravetos; – Soou a
hora, – A crise, – Deus, Justiça, Evolução, 9º fragmento
da obra.
(imagem de contextualização: Jesus em casa de
Marta e Maria, óleo sobre tela, pintura de Johannes
Vermeer)
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