Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

sexta-feira, 23 de outubro de 2020

~ em torno do mestre


Soou a hora ~ 

O método de pesquisar a verdade científica é o mesmo que deve ser empregado na conquista da verdade religiosa. 

Não há dois processos diferentes de aprendizagem. O natural é um só. Indagar, deduzir, experimentar, confrontar, observar  eis os meios para chegarmos à solução dos problemas científicos e religiosos. 

Não há religião fora da Ciência e, não há ciência fora da Religião. Se é certo que há ciência na Física, na Química, na Astronomia e nas Matemáticas, há sabedoria e, muito grande, na bondade de coração, na integridade de carácter, no espírito de justiça, no cumprimento do dever, no altruísmo, na renuncia e no sacrifício próprio em prol do bem colectivo e da felicidade de todos. E estas coisas são o fruto da árvore da redenção plantada no cume do Calvário pelo Cristo de Deus. A ciência que proscreve a virtude não é ciência: é vaidade. A religião que proscreve a Ciência não é religião: é superstição. 

Já não estamos no tempo dos dogmas e dos rituais. O imperialismo já não domina, quer na Ciência, quer na Política, quer na Religião. O homem ambiciona agir com liberdade, um direito inalienável que Deus concede a todos. O mundo reclama uma religião que melhore as condições sociais, regenerando o indivíduo. A Humanidade está farta de Borlas e de promessas falaciosas: ela quer os frutos. 

A salvação e a condenação já se tornaram termos vazios de sentido. O mundo actual pede factos concretos que possam ser observados na esfera social, no cenário terreno; A religião que não melhora e o homem não salva o espírito; O credo que não tem poder para reformar os costumes, que é incapaz de conter a onda do vício e do crime que ora invade a sociedade, já não merece crédito, nem pode ser levado a sério; Não garante o futuro quem não tem acção sobre o presente; Quem não faz o menos, não fará, com maior razão, o mais. 

Não importa que certas instituições hajam conseguido prestígio no passado e disso se vangloriem na actualidade. O momento actual reclama uma nova fé, uma força nova, viva, forte, capaz de conjurar os males e os flagelos que arrastam a Humanidade ao abismo. 

"Águas passadas não movem moinho." Não será com as tradições que venceremos os inimigos do homem desta época: o vício, o crime, a cobiça, a ambição, a fraude, a hipocrisia, a ociosidade. A religião que se torna estática e estéril é religião morta que pede o Requiescat in pace. Necessitamos de fé, dessa fé que é dinamismo, que é energia incoercível e cuja eficácia se revela em factos palpáveis, concretos. 

A época não é de discussões, nem de controvérsias, é de factos. Quem é bom, trate de ser melhor; e quem é mau há de revelar no mais alto grau as suas maldades. Todos os homens são convidados agora a se manifestarem tais quais são na realidade. "Nada há encoberto que não seja descoberto." "É preciso que haja escândalos, mas ai daqueles por quem o escândalo vem." As máscaras vão cair. Não se tolerará a hipocrisia. O que houver oculto, no coração do homem, virá à luz meridiana. Dai porque as organizações, baseadas nas exterioridades e nas encenações, cairão por terra. Mas geraram corrupção, fanatismo e hipocrisias. Os chamados intelectuais chegaram, por isso, a negar a eficiência e o valor da fé. Encaram a religião e as demais instituições sociais como coisas que se prestam unicamente a iludir a credulidade dos simples e serem explorados pelos sábios e entendidos. 

"A hora vem e agora é", em que o Filho do homem reivindicará os legítimos direitos que lhe são devidos, pois esses direitos foram conquistados com a efusão do seu sangue. 
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A crise ~ 

O mundo, todo, está em crise e, crise original. Original e paradoxal, visto tratar-se de crise de abundância. 

Há excesso de produtos em toda a parte. Todos os países estão com os seus mercados a abarrotar. A crise provém exactamente dessa estagnação. 

O mundo está doente e, gravemente: é portador de adiantada esclerose. As suas artérias estão enferrujadas. A circulação faz-se penosamente. Os aneurismas ameaçam romper a todo o momento. Estamos diante de um doente que os médicos classificam como — caso perdido. 

Não haverá, de facto, remédio para o estado actual da Humanidade? — Pensamos que sim. Basta que se procure a causa e sobre ela se actue, ao contrário de tratar somente dos efeitos, como se tem feito até aqui. Sublata causa, tolitur effectus. (Eliminada a causa, desaparece o efeito). 

A nosso ver, a origem do mal, ou, pelo menos — uma das causas — está na política económica fundamentalmente egoísta adoptada pelas nações, em geral. 

Inspirados nesta política desastrosa, cada país pretende defender os seus interesses particulares, com menosprezo do interesse colectivo. 

Na questão económica, não há interesse particular, ou isolado, é por isso que todas as nações são igualmente interessadas. Há, realmente, um interesse único: o interesse colectivo. 

O egoísmo impede que se veja com clareza esse facto tão simples. É assim que o egoísmo de cada nação, pretendendo defender-se, se vai comprometendo; pretendendo juntar, vai espalhando; pretendendo fortificar e sustentar a obra financeira, se vai escondendo  nas suas bases e fundamentos. 

Exemplifiquemos: 

As leis naturais, que são divinas, revelam-nos o seguinte: Os países, pelas suas condições geográficas, topográficas e climatéricas, fornecem-nos determinados produtos. O Brasil produz café, a Argentina trigo, Espanha, Portugal e França produzem frutas, azeite, vinhos, etc. O México tira do seu subsolo gasolina, querosene, óleos lubrificantes. 

Certas nações, pela exiguidade do seu território, pela densidade das suas populações e por outras circunstâncias, tornam-se manufactureiras, fazendo da indústria a sua fonte principal de riqueza. 

Ora, assim sendo, o bom senso está a indicar que o modus vivendi entre os povos deve ser o da livre troca de produtos. É a lição da própria Natureza. Tudo o que contribua para atrapalhar a circulação das diferentes produções, acabará por afectar os organismos internacionais na sua parte económico-financeira. Outra coisa não tem feito a egoística política vigente. Cada nação se fortifica nos seus domínios, fechando virtualmente os seus portos aos produtos estrangeiros. Todas querem vender, nenhuma quer comprar. Exportar, sim; importar, nunca. Os impostos proibitivos de parte a parte determinaram a esclerose e os aneurismas de que se encontram atacados os organismos económico de todos os povos. 

De tal sorte se explicam as superabundâncias de produtos a abarrotar nos mercados mundiais, como também, a seu turno, o número crescente de desempregados. 

Desobstruam-se as artérias, promova-se a livre circulação dos produtos e, ver-se-á, com espanto, que o moribundo abre os olhos, desperta, dando, desde logo, sinais de melhoras e esperança no restabelecimento. 

Está visto que, dada a gravidade do mal, o remédio deve ser aplicado com justeza e proficiência, o estado do doente é melindroso. A terapêutica deve ser ministrada por mãos hábeis e competentes. 

Uma das soluções para o caso não pode deixar de ser esta: Temos que mudar de política económica. Da política vesga, materialista, estreita e mesquinha, inspirada no egoísmo, cumpre evolvermos para a política da solidariedade, altruísta, natural e cristã. 

Sem a luz dos factores morais, nenhum problema da vida humana se resolverá satisfatoriamente. 
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Deus, Justiça, Evolução ~ 

Que significado pode ter a evolução se os seres inferiores não evolvem para espécies superiores? Onde está a eficiência desta lei eterna e incoercível se os seres tiverem de permanecer eternamente ligados ao estado e às condições em que os conhecemos no momento actual? 

Não temos, por acaso, para refutar aquela hipótese, o facto incontestável das profundas modificações verificadas entre os animais de hoje, em comparação com os do passado? Mesmo o género humano não escapa a estas alterações. Os homens, como os animais da actualidade, divergem dos homens e dos animais de outrora. Destes últimos, várias espécies desapareceram do teatro terreno, existindo apenas exemplares nos museus. Outras variedades há que existiram em épocas remotas e só lograram chegar ao nosso conhecimento através de vestígios fósseis. 

A criação é uma cadeia infinita cujos elos se entrelaçam num movimento ascensional constante. Não podemos, naturalmente, ver e palpar esse entrelaçamento gradual e progressivo dos seres, porque o orbe em que habitamos não passa de uma nesga ou fracção diminuta do Universo. 

Os elos da infinita cadeia se conjugam no incomensurável cenário da vida universal. Podemos imaginar este fenómeno, podemos concebê-lo, mercê da nossa inteligência e do nosso raciocínio, mas não nos é dado comprová-lo neste mísero recanto que agora nos hospeda. 

A escada que Jacob (i) viu nos sonhos, quando a caminho da Mesopotâmia, é a imagem fiel da evolução. Por essa escada, cujas extremidades se apoiavam, respectivamente, uma na Terra, outra no Céu, subiam e desciam os Espíritos. A escada com os seus múltiplos degraus, alegorizava, claramente as várias etapas do progresso que os Espíritos vão galgando na conquista aurifulgente dos seus destinos. 

A Terra não está insulada no céu. Tudo, na criação, é solidário, como solidárias são as células do nosso corpo. 

Os mundos e os sóis, os planetas e os astros, os anjos e os homens, animais e plantas — todas as modalidades de vida, da mais simples e rudimentar à mais complexa e elevada, sobe a escada maravilhosa da evolução como hino triunfal que a Natureza entoa à sabedoria infinita e ao amor incomparável de Deus. 

O grande naturalista Darwin, conquanto se mantivesse exclusivamente no terreno da Biologia, averiguou a veracidade da evolução através das variadas espécies animais anatomicamente estudadas. Gabriel Delanne, o pensador profundo, o espiritualista abalizado, na sua obra majestosa — Evolução Anímica — firma, com dados positivos, o conceito, hoje indiscutível, do progresso de todos os seres numa empolgante peregrinação pela senda interminável do aperfeiçoamento. Wesley, protestante, fundador da igreja metodista, era partidário da evolução. Raciocinando, certa vez, sobre a sorte dos animais, teve este pensamento, próprio de uma alma cristã, de um coração amorável e justo: "Meu Deus! certamente tens concedido aos animais a faculdade de melhorar. Acredito que eles não permanecerão no estado de inferioridade em que hoje os conhecemos." 

A evolução é um facto que se impõe e, que em tudo se verifica. No campo do subjectivo ela se ostenta também nas demonstrações e testemunhos irrefutáveis. A imprensa de Gutenberg evoluiu para as Marinoni, essas máquinas admiráveis, verdadeiros prodígios da mecânica moderna. Os barcos de Fulton evolveram, a seu turno, para essas naus possantes, para os transatlânticos que são cidades flutuantes unindo os continentes. A ideia de Gutenberg e a de Fulton, para citar apenas dois exemplos, emigraram de cérebro em cérebro de geração em geração, subindo, ascendendo aos altos paramos do aperfeiçoamento. E, certamente não se cristalizarão aí. O futuro, em todos os tempos trouxe sempre no seu bojo surpresas maravilhosas. 

Creio na evolução porque creio na justiça. Creio na justiça porque creio em Deus! 

/... 

"Aos que comigo crêem e sentem as revelações do Céu, comprazendo-se na sua doce e encantadora magia, dedico esta obra. 
                                                                                     Pedro de Camargo “Vinícius” 

Pedro de Camargo “Vinícius” (i)Em torno do Mestre, Primeira Parte / Seixos e Gravetos; – Soou a hora, – A crise, – Deus, Justiça, Evolução, 9º fragmento da obra. 
(imagem de contextualização: Jesus em casa de Marta e Maria, óleo sobre tela, pintura de Johannes Vermeer)

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