~~~ O Espiritismo e a renovação das vidas anteriores |
(Setembro de 1918)
De entre as experiências que diariamente vêm aumentando o
número das provas e dos testemunhos com que se fortalece o Espiritismo, devem
ser citadas as que visam a renovação da memória, isto é, a reconstituição no
ser humano das lembranças anteriores ao nascimento. Mergulhado num sono
hipnótico, o indivíduo se desprende do seu invólucro físico, se exterioriza e,
nesse estado psíquico, sente que o círculo de sua memória normal se dilata.
Todo o seu passado remoto se desenrola diante dele, em sucessivas fases,
podendo reproduzir; reviver as suas cenas principais e mesmo os mais simples
acontecimentos, à vontade do experimentador.
Há pouco chamei a atenção do coronel de Rochas para os
factos dessa espécie, conseguidos por experimentadores espanhóis e apresentados
ao Congresso Espírita e Espiritualista de 1900, realizado em Paris. O coronel,
já conhecido pelos seus trabalhos sobre a exteriorização da sensibilidade e da
motricidade, prosseguiu as suas pesquisas no sentido que eu lhe indicara e
alcançou notáveis resultados. O conjunto desses factos está narrado em sua
obra As Vidas Sucessivas.
Os factos obtidos em Aix-en-Provence, na
presença do Dr. Bertrand, prefeito da cidade, e do Sr. Lacoste, engenheiro,
cujos testemunhos posteriores recolhi no decorrer de uma série de conferências,
possuem sérias garantias de autenticidade.
Nessas sessões, a pessoa adormecida era uma jovem de 18
anos, que falava a respeito das suas existências passadas, revivendo-lhe os
acontecimentos com realismo e com uma vivacidade de impressões e de sensações
que não podem ser fingidas, porque para tanto seriam necessários profundos
conhecimentos de patologia, que a pessoa não podia possuir, segundo todas as
testemunhas.
As experiências de Grenoble, com outra pessoa, de
nome Josephine, permitiram a verificação das condições no tempo e nos lugares
onde viveu uma das suas existências anteriores com o nome de Bourdon.
Em compensação, algumas narrativas do livro nos parecem
muito menos certas, menos aceitáveis, devidas, em grande parte, à imaginação da sujet,
elemento contra o qual devemos estar sempre prevenidos no trato com esses
fenómenos. O coronel de
Rochas nem sempre foi feliz na escolha dos seus médiuns.
As informações colhidas em Valence e em Hérault mostram que
algumas delas não são dignas de confiança. Desse livro colhemos certas
observações que achamos poder reproduzir aqui:
“As lembranças – diz o autor – concentram-se em factos mais
ou menos distantes, à medida que a hipnose se aprofunda.
A sugestão tem menos domínio quando o sono é mais profundo
e, ao despertar, o indivíduo não guarda nenhuma recordação do que disse ou do
que fez em transe. Cada vez que o indivíduo passa por uma vida diferente, a sua
fisionomia fica de acordo com a personalidade manifestada. Tratando-se de um
homem, a palavra, o tom e as maneiras diferem sensivelmente do tom e dos gestos
de uma mulher. O mesmo acontece quando passa pela fase infantil.”
Os experimentadores espanhóis, dos quais já falamos, haviam
feito a mesma verificação, pois à medida que os seus pacientes remontavam
às existências passadas, a expressão do seu olhar se tornava cada
vez mais selvagem.
O coronel de Rochas narra as
impressões pessoais que teve em Roma e em Tivoli, a respeito do que ele
considera lembranças de vidas passadas, terminando a sua obra
dizendo o seguinte:
“A teoria espírita baseia-se em fundamentos sólidos e, em qualquer
caso, é a melhor das hipóteses de estudo que temos formulado.”
Devo confessar que participei em experiências dessa espécie
por muito tempo, com a diferença de que, ao contrário de agir
fluidicamente sobre os médiuns,
deixava que os meus protectores invisíveis os adormecessem, limitando-me a
estimulá-los com as minhas perguntas e observações. Com efeito, seria
errado acreditar que a presença de um magnetizador seja
imprescindível. Ao contrário, se a pureza das suas intenções não é completa, a
sua intervenção pode ser prejudicial, pois introduz nas sessões um elemento de
perturbação que compromete a veracidade dos resultados.
Quando estamos certos de uma protecção segura do Além, é
melhor entregarmos a direcção das experiências às entidades invisíveis. Os
meus guias deram-me tais provas do seu poder, do seu saber e
de sua elevação que a minha confiança neles foi absoluta.
Deixo por relatar aqui os pormenores dos factos obtidos
nessas condições, porque com eles se mistura um elemento pessoal e muito íntimo
que me tira a liberdade de os divulgar.
As experiências do coronel de Rochas, assim como
as da mesma natureza que acabamos de apresentar, devem ser consideradas
como ensaios, tentativas de reconstituição de lembranças de vidas
passadas, porque os resultados ainda são parciais e limitados. Mesmo que não se
veja nelas senão experiências, deve reconhecer-se que nos dão indicações
valiosas sobre os processos a serem empregados e nos demonstram que existe ali
um vasto campo de investigações, um conjunto de elementos capazes de renovar
toda a Psicologia, desfazendo o mistério vivo que trazemos em nós.
Essas experiências são delicadas e complicadas; exigem muita
prudência, em virtude das inúmeras dificuldades com que nos deparamos. Pode
ler-se na Revue Spirite, de Julho de 1918 (i), as
instruções do espírito William Stead (*) sobre os processos
aplicáveis a tal género de pesquisas. Não insistiremos mais nesse
ponto, todavia voltaremos às enormes consequências que tais estudos terão
quando adquiram desenvolvimento suficiente, não se podendo negar que existe ali
o gérmen de uma verdadeira revolução no conhecimento do ser.
É um fenómeno que impressiona (nas experiências bem
dirigidas) vermos o passado aparecer, pouco a pouco, dos cantos obscuros de
nossa memória e, nos seus acontecimentos, acompanhar o rigoroso
encadeamento das causas e dos efeitos que regem todos os
nossos actos, que dominam o mundo moral tanto quanto o mundo físico e
que representam a trama, a própria lei dos nossos destinos. Nela aparece
evidente a lei de justiça e ninguém a pode contestar.
Essas experiências ainda têm outra consequência, não menos
importante: ensinam que a personalidade humana é muito mais vasta e mais profunda
do que se pensava. O homem possui não apenas elementos vitais pouco conhecidos,
mas também faculdades latentes, desconhecidas, cuja manifestação, plena e
total, o nosso organismo não permite, mas em certos casos se revelam: a
telepatia (i),
a premonição (i) e
a visão à distância (i).
O mesmo acontece com as camadas de nossa memória onde dorme o passado; no
decorrer das experiências de que falamos este reaparece saindo da sombra.
A nossa própria história se desenvolve automaticamente e as
recordações acordam aos montes, revelando energias ocultas. Podemos
apoderar-nos delas, colocá-las em acção para uma boa direcção de nossa vida,
para a transformação do nosso porvir e de nosso destino.
Ali, na imortal consciência individual, reside a
sanção de todas as coisas. A consciência se recupera no Além, não limitada e
abafada como no mundo terreno, mas na sua plenitude, tal qual se nos aparece no
transe, com uma tamanha intensidade que o ser evolvido revive
o seu passado nas suas alegrias e dores, com tal poder, que se torna para ele
uma fonte de venturas ou de tormentos.
Eis aí o que todo o homem deve saber, e um dia saberá, esse
conhecimento profundo do ser que o Espiritismo proporcionou.
Ele foi o primeiro a orientar a atenção dos experimentadores para esse
conhecimento, mostrando-lhe os lados misteriosos, inexplorados da nossa
natureza, ensinando o homem a medir a extensão do seu poder, de toda a
sua grandeza e de todo o seu porvir.
Não existe, portanto, exagero ao dizer que o Espiritismo,
depois de 50 anos de vida, exerce e exercerá, cada vez mais, uma crescente
influência, trazendo transformações consideráveis à Ciência, à
Literatura e até às Igrejas, como o apresentaremos em próximo artigo.
A grande doutrina das vidas sucessivas da
alma, divulgada na França por todos os espíritos nas suas mensagens e
comunicações, constitui uma revelação, um ensinamento filosófico de grande
importância.
Ela também se apoia em testemunhos quase universais, porque,
com excepção do neocristianismo, todas as religiões e quase todas as
filosofias, em princípio, a admitem.
Além disso, se beneficia com a possibilidade, que só ela
possui, de resolver logicamente os antagonismos aparentes e os obscuros
problemas da vida. É verdade que, no campo das provas e dos factos, essa
doutrina, até aqui, não possuía senão as reminiscências de alguns homens
especialmente dotados, recordações infantis e renascimentos ocorridos em
condições anunciadas e bem marcadas.
Graças aos fenómenos de renovação da memória, abre-se,
proveitosamente, um vasto campo de observações e nessas experiências se obterá
a força e a certeza necessárias para enfrentar e desafiar todas as críticas e
ataques.
À medida que as etapas se desenrolam, enquanto o sujet se
encontra em transe, entendemos melhor o encadeamento dos destinos do ser.
A lei do progresso, por exemplo, destaca-se com mais evidência no
conjunto de nossas vidas individuais do que na história das nações que, muitas
vezes, são levadas para abismos, pela cobiça desmedida dos seus soberanos e dos
seus déspotas, como actualmente está a suceder.
Nos fenómenos tratados, é interessante verificar-se a
personalidade humana sair, gradativamente, da vida selvagem e da
barbárie e ir se esclarecendo, aos poucos, com a civilização.
O livre-arbítrio do homem frequentemente se
exerce ao contrário da lei do progresso, prejudicando-a; entretanto
as suas consequências são mais sensíveis para o indivíduo do que para a
colectividade, que se renova de tempos em tempos por elementos inferiores,
provenientes de mundos mais atrasados do que a Terra.
Sucede o mesmo, como já afirmámos, com a ideia de justiça,
encontrada, em inteira aplicação, na sucessão de novas vidas. As recordações
comprovam que todas as nossas vidas são solidárias umas com as
outras e unidas entre si pelo liame de causa e efeito.
Poderíamos comparar cada uma delas a uma corrente que
carrega ora o lodo do fundo, ora as pepitas de ouro e as pedras preciosas que
trazemos das nossas vidas passadas.
Qualquer acto importante, cedo ou tarde, tem inevitável
influência nos nossos destinos. Um devasso sedutor renascerá no outro
sexo, para sofrer, por sua vez, os danos que causou.
Um homem que detinha um segredo de Estado e o divulgando,
traiu o seu país, retornará surdo e mudo noutra existência. Outros,
ainda mais culpados, desde a infância serão feridos pela cegueira, porque cada
falta grave determina uma privação de liberdade que se traduz pela colocação de
nossas almas em corpos disformes, doentes e miseráveis.
Não se conclua daí que todos os doentes são criminosos do
passado! Muitos bons espíritos, sabendo que as provações ajudam o nosso
aperfeiçoamento, escolhem existências difíceis e dolorosas, para alcançar um
grau a mais na hierarquia espiritual.
Compete, sabermos, sofrer para nos juntarmos às almas nobres
que progrediram pela dor; sabermos sofrer para conseguir o direito de
participar da existência delas, do seu trabalho e da sua missão. Além disso, a
vida é um meio de educação e de progresso, sendo a provação um cadinho onde se
aperfeiçoam as criaturas.
Diante de nós, não temos os notáveis exemplos dos mártires
de todas as grandes causas, os exemplos de Jeanne d’Arc na prisão e o
de Jesus no calvário,
estendendo os braços sobre o mundo, do alto da cruz, perdoando e abençoando?
Eles não eram culpados, porém espíritos heróicos que desejavam subir mais alto
na vida celestial, dando-nos uma grande lição!
A reconstituição das reminiscências está concorde com as
revelações dos espíritos, apresentando-nos no padecimento humano, em
muitos casos, o resgate das faltas cometidas, a reparação do passado,
através do meio por onde se realiza a soberana justiça.
Realizado o resgate, a criatura se prepara para novos
progressos, porém a sua memória não desaparece integralmente e os
nossos actos surgem e revivem, ao comando do espírito, com espantosa
intensidade. Quanta emoção, quando, invocando o passado, desfila perante o
tribunal da consciência o cortejo das desagradáveis recordações! Como fugir de
tal obsessão, das tristezas e remorsos e dos sofridos arrependimentos?
No ocaso da vida, o homem passa em revista os actos que
constituíram o seu curso. Quantos motivos para a amargura e sofrimento moral
vai neles encontrar!
O que não representará para o espírito, na análise da sua
longa série de existências passadas, a recordação de seus pormenores?
Pouquíssimas almas jovens no início, na sua fraqueza e na
sua ignorância, conseguiram evitar as quedas, os desfalecimentos e até os
crimes. Para tais males só existe um remédio: juntar tantas vidas úteis e
proveitosas, tantas obras de dedicação e de sacrifício que, comparadas às
faltas primitivas, estas passem a ter pouco valor.
As reminiscências mais distantes permanecem vivas para o
espírito, da mesma forma que as impressões da infância para o velho. É
que, na sua essência, o espírito escapa ao tempo; volvendo à vida do espaço, o
tempo já não existe para ele; o passado e o futuro se misturam no eterno
presente.
Tal constância das recordações tem valor moral: durante o
seu progresso o espírito adquire faculdades e poderes dos quais se
envaideceria, caso não se lembrasse do pouco que foi e do mal que praticou.
Tais lembranças são uma punição para o orgulho e, ao mesmo
tempo, motivo de indulgência para com os erros e os desfalecimentos do próximo.
Realmente, como poderíamos ser duros e inclementes com os outros, por causa de
suas fraquezas, se nós mesmos as cometemos?
Geralmente as vidas culpadas, pelas reparações que
acarretam, convertem-se, para o ser, noutros tantos estimulantes,
noutras tantas provações, obrigando-o a se adiantar na senda do progresso,
sendo que as vidas apáticas, incolores, vacilantes entre o bem e o mal, são de
pouco proveito para ele.
Graças às vidas de lutas e provações, os caracteres se
fortalecem, a experiência se consegue, as riquezas da alma se desenvolvem. O
mal transforma-se, aos poucos, em força para o bem. Na imensa evolução humana
tudo se transforma, se depura e se eleva. Tão logo chegados às celestes
alturas, os elementos das nossas vidas sucessivas se fundem em uma unidade
harmoniosa e divina.
/…
(*) William Thomas
Stead (1849-1912), foi um editor de um jornal inglês, pioneiro
do jornalismo investigativo (i) e
pacifista. Stead estava a bordo do RMS Titanic (i) e
morreu durante o naufrágio do transatlântico (i). Era
considerado um dos mais famosos ingleses a bordo. Na década de 1890,
Stead, se foi tornando cada vez mais interessado no espiritualismo (i). Fonte: Wikiwand, ver
notícia completa (i). Nota
desta publicação.
LÉON DENIS, O Mundo Invisível e a Guerra, XVII O
Espiritismo e a Renovação das Vidas Anteriores, Setembro de 1918, 32º
fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Willim Stead, foi um editor de um jornal inglês, pioneiro do jornalismo investigativo, pacifista, interessado espiritualista pesquisador e editor, que ia a bordo do Titanic e morreu no naufrágio do transatlântico.
(imagem de contextualização: Willim Stead, foi um editor de um jornal inglês, pioneiro do jornalismo investigativo, pacifista, interessado espiritualista pesquisador e editor, que ia a bordo do Titanic e morreu no naufrágio do transatlântico.