XVI
O Espiritismo e a Ciência ~
(Agosto de 1918)
Allan Kardec, nas suas Obras Póstumas, garantiu que o futuro pertencia ao Espiritismo. Depois de meio século de provações e de trabalho, esta afirmativa, verifica-se hoje e podemos repeti-la com a certeza de que tais palavras de esperança e de fé profunda nunca serão desmentidas. Afirmaremos nós, por nosso turno: o futuro pertence ao Espiritismo, saibamos prepará-lo...
Quais são os progressos obtidos pelo Espiritismo? Primeiramente, verificamos que a própria Ciência oficial é afectada por ele, a tal ponto que terá necessidade de reformar os seus métodos e renovar os seus sistemas.
Há 50 anos que os espíritos nos ensinam,
teoricamente, e nos demonstram, experimentalmente, a existência do que eles
denominam fluidos e
que são estados especiais da matéria, de forças imponderáveis que
os sábios rejeitavam unanimemente.
Quem os comprovou, em primeiro lugar, foi Sir William Crookes que,
com as suas experiências espíritas (como diz no seu livro Recherches
sur les Phénomènes du Spiritualisme) entrou no caminho dessa descoberta.
A partir de então, a Ciência não parou de reconhecer
a diversidade e o poder dessas forças: Roentgen, com os
raios X; Becquerel, Curie, Le Bon, ao descobrirem as
energias intra-atómicas; Blondlot, os
raios N.
É preciso fazer constar que as forças radioactivas
não dimanam apenas dos corpos materiais, mas também dos seres vivos e
pensantes. Trata-se da preparação para se constatar a vida invisível e o perispírito. Allan
Kardec (i) já
afirmava nas suas obras a existência de tais forças.
Dessas descobertas resulta que todas as bases da
Física, da Química e até da Psicologia vêm sendo abaladas seriamente. O
Espiritismo beneficia largamente com as recentes comprovações feitas nessas
áreas.
Hoje a Ciência reconhece a existência de todas
as forças subtis, manipuladas pelos espíritos nas manifestações.
Lembremos o fenómenos dos transportes, a
reconstituição espontânea de diversos objectos em ambientes fechados, os casos
de levitação de móveis e de pessoas vivas, as experiências de penetração da
matéria pela matéria realizadas por Aksakof, Zöllner e
outros, com anéis de metal e tiras de pano lacradas.
De uma maneira geral, a passagem dos espíritos
através das paredes, as aparições e materializações em
todos os graus, todos esses factos comprovaram, desde o princípio, a acção de prodigiosas
forças, ainda desconhecidas, além da possibilidade de uma dissociação
da matéria, até então ignorada e, que a Ciência actual se vê forçada a
admitir, após os trabalhos de Curie, Becquerel, Le Bon, etc.
Um escritor católico, num recente livro onde,
pela rudez da forma, se nota em cada página o verdadeiro interesse do
autor, (*) que nos contesta, afirmando que outros inovadores
haviam notado a existência do fluido humano muito antes de Kardec, por exemplo Mesmer, com a sua
famosa selha.
Ele esqueceu-se, certamente, da aceitação
sarcástica que se deu a essa inovação e da violenta hostilidade das
instituições científicas a seu respeito.
Semelhante hostilidade persistiu a tal ponto
que não seria preciso recuarmos muito para recordar as zombarias de algumas
academias contra o magnetismo.
Foi necessário todo o génio de um Crookes para
derrubar as portas que permaneciam hermeticamente fechadas.
Aquilo que os sábios se obstinaram em condenar
durante tanto tempo, os espíritas já conheciam e aceitavam, há mais de 50 anos.
Estes não deixaram de prosseguir na demonstração e na prova experimental de
tais factos e, neste momento, informam-me da descoberta de dois investigadores
da cidade de Lyon, que encontraram a forma de reproduzir a fotografia dos
desdobramentos fluídicos de membros humanos amputados e até mesmo do duplo
etéreo completo de um médium exteriorizado,
por meio da espectroscopia e dos raios ultravioleta.
Dessas pesquisas e experiências resultou,
obrigatoriamente, uma profunda modificação das teorias clássicas sobre as
energias e a matéria, caindo o dogma da indivisibilidade do átomo e com ele
toda a ciência materialista, que se encontra em completa desordem. Veja-se, por
exemplo, esta declaração do presidente de um Congresso para o Progresso das
ciências, que se realizou pouco antes da guerra, o Sr. Laisant, ex-deputado
pelo Departamento de Sena e, quem conhecemos pessoalmente como positivista,
isto é, fiel discípulo de Auguste Comte:
“Vivemos desde a infância uma vida científica
tranquila, conformados com as nossas teorias, qual velha casa um tanto
avariada, à qual estamos apegados pelo hábito, que amamos e onde habitamos. Mas
apareceu um tufão sob a forma de novos factos, que são incompatíveis com as
teorias admitidas. Caíram as hipóteses, a casa desmoronou-se e ficámos
inteiramente desorientados e tristes, esperando novas tempestades e, sem saber
o que fazer.”
Que confissão de incapacidade e de esterilidade
encontramos nestas palavras!
Quando estudamos a evolução do Espiritismo, somos
levados a constatar que, passo a passo, apesar de suas hesitações e repulsas, a
Ciência se aproxima, gradualmente, das teorias espíritas.
Na Física e na Química, por exemplo, elas
reconhecem a existência da matéria subtil, radiante e, das forças radioactivas,
que fazem a própria base, a essência e o modo de manifestar-se do mundo
invisível.
Agora, a Psicologia, ei-la obrigada a aceitar o hipnotismo e a sugestão, após tê-los negado por muito tempo. Depois veio a telepatia e a transmissão de pensamento. Ora, esses factos não são senão a demonstração do domínio humano e experimental, do princípio afirmado e aplicado, há 50 anos, pelos espíritas: a acção possível da alma sobre a alma, a qualquer distância, sem o auxílio dos órgãos e do cérebro.
A Ciência oficial, que se inspirava nas teorias
materialistas, recusava, em princípio, essa explicação; desde há poucos anos
que ela rejeitava qualquer possibilidade de manifestação da inteligência fora
do cérebro e, portanto, todo e qualquer meio pelo qual um ser pudesse
comunicar-se com outro sem o concurso dos órgãos e dos meios correspondentes.
Actualmente a Ciência é obrigada a reconhecer os
factos telepáticos e de transmissão do pensamento e, reconhecendo-os, dá um
passo notável para a frente inferindo um golpe mortal no materialismo.
A telepatia demonstra que a comunicação é
possível, entre dois seres, sem o auxílio dos sentidos físicos, assim como a
sugestão comprova a possível influência de um espírito sobre outro, sem o
auxílio dos órgãos correspondentes.
Tais influências e funções foram confirmadas
por milhares de experiências e, desde então, a teoria materialista tem falido e
a Ciência já se encontra a meio caminho para aceitar a possibilidade de
comunicação entre os homens e os espíritos. A segunda metade do caminho
vencer-se-á pelo estudo da mediunidade.
Ora, essa renovação poderosa da Psicologia, que
possibilitará ao ser humano conhecer-se melhor, a quem a
Ciência deverá isso?
Aos espíritas e aos magnetizadores, que foram
os pioneiros, chamando a atenção dos sábios para os fenómenos da sugestão, da
telepatia e da transmissão de pensamentos, forçando, de certo modo, a evolução
científica a orientar-se nessa senda, que a conduzirá, seguramente, ao
Espiritismo.
Um facto notável mostra-nos já o caminho por ele
percorrido no meio docente. O Dr. Gustave Geley conseguiu
realizar no Colégio de França, sob os auspícios do Instituto Psicológico e
perante um selecto auditório, em 28 de Janeiro de 1918, uma conferência sobre
fenómenos psíquicos, onde afirmava a realidade das materializações dos
espíritos.
Como se sabe, o Colégio de França é a mais alta
expressão do ensino superior e os seus professores são dos mais ilustres: Renan, Michelet, Claude Bernard e Berthelot ocuparam
ali as suas cátedras. Ainda hoje toda a Paris intelectual segue com interesse
apaixonado os cursos ali ministrados pelos professores Bergson, Izoulet, Réville, Camille Jullian,
etc. O programa e o objectivo do Colégio de França é divulgar, tornar
públicas as novas descobertas e os trabalhos efectuados recentemente em todas
as esferas do saber humano.
Assim, a conferência do Dr. Geley é
um acontecimento importante, a consagração oficial dos nossos estudos e
pesquisas.
Mesmo aplaudindo francamente o movimento que encaminha os homens
instruídos no estudo dos fenómenos psíquicos, não podemos afastar de nós certa
preocupação quando reflectimos nas prevenções e nas repetidas rotinas que
reinam em certos meios académicos, pois muitos sábios ainda querem impor a esse
tipo de factos as mesmas regras dadas às combinações físicas e químicas.
Todavia é um ponto de vista errado e cheio de
consequências desastrosas considerar-se tais experiências como um terreno cujos
elementos e forças se apresentam sempre idênticos e de maneira que possamos
dispor deles à nossa vontade. Dessa forma nos expomos a pesquisas inúteis e
resultados incoerentes.
No campo psíquico as condições de experiência
são absolutamente diferentes, pois ali tudo é incerto e mutável, sendo que os
resultados, conforme a composição dos círculos e as influências reinantes,
podem variar ao infinito. Os esforços dos psiquistas oficiais correriam o
perigo de resultar estéreis se continuassem com pontos de vista tão pouco
conformes à realidade.
Devemos reconhecer que os sábios ingleses deram
um vigoroso impulso ao Espiritismo no mundo. As qualidades de observação, os
métodos prudentes e a perseverança de um Crookes, de um Russel Wallace, um Myers e um Lodge estão acima de
qualquer elogio, porém o que é ainda mais notável é o valor moral que
permitiu a esses homens eminentes enfrentarem durante 20 anos as perseguições
das academias e das igrejas e, finalmente, obrigarem a opinião pública
a inclinar-se diante dos seus trabalhos, aceitando-lhes as conclusões.
Crookes, entre outros,
nunca modificou a sua opinião sobre as aparições de Katie King e,
apesar das insinuações de certos críticos mal-intencionados, escreveu e
publicou, em diversas datas, cartas onde reproduz e até destaca as suas
primeiras afirmativas.
Entre outros sábios de outros países, que se
ocuparam do psiquismo, não encontramos essas qualidades no mesmo grau de
entusiasmo. Charles
Richet, que é um espírito inteligente e franco, após comprovar inúmeras
vezes os fenómenos que se davam nas sessões com Eusápia Paladino e
ter assinado as actas que atestavam a sua realidade, declarava que a sua
convicção, profunda no princípio, se enfraquecia, tornando-se instável algum
tempo depois, sob a influência dos hábitos espirituais contraídos no meio que
frequentava. Desde então, ele se tornou mais categórico a respeito dos
fantasmas.
Também Camille Flammarion teve
as suas horas de vacilação e alguém nos fez notar que na última edição de seu
livro As Forças Naturais Desconhecidas, aparecida em 1917, mostra
uma tendência em explicar todos os fenómenos apenas pela exteriorização dos
médiuns.
Acreditamos que, quando publicar as
investigações que realiza no momento acerca de factos da mesma ordem,
recolhidos no correr da guerra, ele nos dará explicações mais completas e mais
satisfatórias.
Contamos, principalmente, com a nova geração de
estudiosos para firmar o espiritualismo experimental na França. Sem os
preconceitos das escolas e das rotinas seculares, os seus representantes
compreenderão que, para triunfar nessa ordem de estudos é preciso que se esteja
animado de imparcialidade, já não confundindo médiuns com
histéricos, tendo um sentimento mais respeitoso para com os seres
inteligentes que, embora invisíveis, interferem na produção dos fenómenos,
merecendo as nossas considerações, às vezes mais até do que as pessoas humanas.
O Dr. Geley e
os seus colegas sabem que essas questões só devem ser tratadas com reflexão e
respeito, considerando-se que o mundo invisível é um reservatório imenso de
forças e inteligências que, conforme as nossas disposições, estarão connosco ou
contra nós.
O bem e o mal tanto se encontram no plano
invisível como no visível. Eles se buscam e se atraem tanto num como
noutro lado da morte e o único recurso para se conseguir fenómenos elevados,
fazendo do Espiritismo uma ciência útil e um meio de progresso, é aproximarmo-nos
desse domínio somente com um sentimento grave e nobre.
A desenvoltura com que certos experimentadores
fazem alarde diante dos espíritos tem como consequência afastar as entidades
benfazejas e elevadas, capazes de trazerem um poderoso auxílio para as sessões.
Em compensação atrai os vadios do Espaço, sempre dispostos a mistificarem,
provocando até obsessões terríveis, como aquelas de que quase foi vítima o Dr. Paul Gibier, como nos
descreve no seu livro Espiritismo ou Faquirismo Ocidental.
A Ciência tem as suas manias e os velhos espíritas
kardecistas ficam desnorteados com as denominações exóticas com que ela designa
os nossos fenómenos. Nomes gregos como telecinesia, criptomnésia, ectoplasmia e
outros tantos semelhantes não lhes dizem nada que satisfaça.
Porém, temos que nos submeter aos hábitos dos
sábios que, a seu capricho, sempre mudaram os nomes dos factos novos,
procedendo a classificações, às vezes arbitrárias, que a natureza não conhece.
Afirmam que tais processos são necessários para introduzir um pouco de clareza
nos estudos. Portanto devemos aceitá-los, mas não deixando de usar os termos
que nos são familiares e que o tempo consagrou.
Quaisquer que sejam os vocábulos e os processos
adoptados, não se perca de vista que no nosso mundo, onde tudo é relativo, não
se poderia atingir, em matéria alguma, o conhecimento integral e absoluto.
É preciso experimentar com método e rigor, porém,
por muito que se faça, não se poderá encerrar dentro das estreitas regras
humanas a ciência do invisível, que sempre superará as nossas classificações,
tanto como a grandeza do Céu infinito supera a Terra.
No seu conjunto, o conhecimento do além só pertence
aos que nele se encontram. Apesar disso podemos, pelo menos, receber dele as
luzes necessárias para iluminar a nossa caminhada na Terra.
/…
(*) Le
Merveilleux Spirite, de Lucien Roure.
LÉON DENIS, O Mundo Invisível e a Guerra, XVI O
Espiritismo e a Ciência, Agosto de 1918, 31º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Tanque de guerra britânico capturado pelos Alemães, durante a Primeira Guerra Mundial)
(imagem de contextualização: Tanque de guerra britânico capturado pelos Alemães, durante a Primeira Guerra Mundial)
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