Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

sexta-feira, 14 de setembro de 2018

O Génio Céltico e o Mundo Invisível ~


Capítulo X

Considerações Políticas e Sociais. O papel da Mulher. A influência Céltica. As Artes. A Liberdade e o livre-arbítrio ~
(I de II)

   No início desta obra esboçámos, por alto, a organização da Gália. Sublinhámos as usurpações da aristocracia, a divisão dos chefes, a rivalidade das tribos, as diversas causas que a levaram à perda da independência.

   Os druidas, como já descrevemos, viviam distantes das cidades ruidosas, nos santuários da natureza, e tinham, por isso mesmo, mais facilidade em entrar em relação com o mundo oculto e dele receber inspirações. Esse facto é que os fazia dizer que não são as coisas visíveis que nos conduzem, mas, de preferência, as coisas invisíveis. É devido a isso que eles pesquisavam o invisível e se afastavam, às vezes, do mundo real e das contingências humanas. A sua influência nem sempre era suficiente para comprimir a impetuosidade das paixões reinantes nessa raça gaulesa, jovem, ardente, sem experiência, arrebatada pelo excesso de sua vitalidade.

   A liberdade e o direito eleitoral eram, portanto, as próprias bases da ordem social, mas os chefes eleitos estavam cercados por um grupo de homens armados, cavaleiros, escudeiros, que estavam presos à sua sorte, e se os seus chefes fossem mortos, morriam com eles. Graças a essa força, a aristocracia desempenhava uma autoridade que degenerava, às vezes, em opressão sobre as classes populares. Vimos, anteriormente, como a discórdia e a indisciplina provocaram a queda da Gália, e não voltaremos ao assunto. Resta-nos, agora, falar da mulher e do seu papel social, que era grande.

   A mulher era honrada e respeitada entre os gauleses; considerada como igual ao homem, ela podia escolher o seu esposo e gozava da metade dos bens comuns. A educação das crianças lhe era confiada até que atingissem a idade militar. Às vezes, encarregada de funções oficiais, a mulher trabalhava na diplomacia e conseguia resolver problemas árduos, controlar conflitos graves, como a história relata com destaque.

   A sua castidade igualava à sua coragem; sabe-se, também, que as mulheres gaulesas não hesitaram em morrer, depois da derrota dos “kymris” em Pourrières, a fim de não caírem nas mãos dos soldados de Mário e se tornarem vítimas dos seus excessos.

   Mas o que dava a medida real do respeito que cercava a mulher na Gália era a parte que lhe estava reservada no sacerdócio. As druidisas realizavam oráculos e presidiam às cerimónias do culto. Enquanto que outra religião, pelo dogma do pecado original, denegriu a mulher durante séculos, tornando-a responsável pela decadência do género humano, os druidas viam nela os seus dons de adivinhação e a faziam intérprete natural do mundo dos espíritos. (ii)

   As ilhas do oceano (Atlântico) possuíam vários santuários onde se praticava a evocação dos mortos.

   Foram necessários longos séculos para reabilitar a mulher e devolver-lhe o seu papel predestinado; Jeanne d’Arc e muitas outras ilustres inspiradas foram levadas à fogueira por terem recebido os dons do céu. Coube ao espiritualismo moderno reconhecer as faculdades psíquicas da mulher e, apesar de certos abusos inerentes às coisas humanas, a missão que ela pode realizar na parte experimental e nas revelações do mundo invisível.

   Seria pueril restringir a influência céltica aos limites dos territórios habitados pelos homens dessa raça. A questão das fronteiras aqui não interessa, pois que se trata da irradiação de um grande pensamento através do mundo sob formas diversas, de uma colaboração eficiente para a obra geral da civilização e do progresso.

   Antes de tudo, é uma doutrina poderosa, susceptível de regenerar toda a Filosofia, resolvendo os problemas difíceis da vida e da morte e abrindo à alma as perspectivas de um futuro sem limites. Mas o génio céltico se manifesta também nas formas de arte, sobretudo na poesia e na música. Neste último campo, os estrangeiros, principalmente os alemães, lhe tomaram numerosos empréstimos, como estabeleceu o Sr. Le Goffic.

   A música gaulesa exprime um sentimento profundo da natureza. Ela é assinalada por uma melancolia penetrante que lhe dá uma originalidade, um sabor particular. Quanto à poesia, deve consultar-se a obra volumosa do Sr. H.de la Villemarqué, (iii) para se atestar de sua riqueza e de sua variedade. Actualmente, surge além da Mancha um florescimento da arte céltica, que tem as suas repercussões no continente.

   Na poesia, os gauleses parecem ter sido os inventores da rima, tendo por base os testemunhos irlandeses. Os seus cantos de guerra e de amor estão marcados por uma grandeza viril.

   Bosc e Bonnemère, na sua Histoire des Gaulois, enumeram as obras teatrais e líricas que lhes devem ser atribuídas. As suas cerâmicas, as suas armas, as suas bijuterias constituem-lhe uma arte verdadeira. A prova disso foi verificada nos resultados das escavações e pesquisas feitas nos dolmens e túmulos funerários, que revelaram um grande número de objectos de trabalho delicado.

   Quando se quiser verificar da participação do Celtismo em tudo o que ilustrou a Inglaterra, tanto no domínio do pensamento como no da aplicação, ver-se-á, com surpresa, a importância das contribuições vindas dessa parte. Entre os ingleses célebres, muitos foram influenciados. Assegura-se que um dos seus maiores génios, Shakespeare, foi fortemente impregnado pelo Celtismo, tendo nascido e vivido longo período de tempo em Stratford on Avon, isto é, nos confins da Cambria (País de Gales).

   Se, apesar de todas as opressões e perseguições sofridas, o génio céltico pôde expandir-se em tantas obras importantes e graciosas, o que não se deve esperar dele quando, tendo recuperado a sua plena independência, puder dar livre impulso às suas esperanças e aos seus sonhos?

   A maior glória do Celtismo será, após ter guardado silenciosamente, durante séculos, o contacto com o mundo invisível, a de revelar, para as nossas sociedades decadentes, a existência desse imenso reservatório de força e de vida que nos cerca e os meios de nele se abeberar com sabedoria e ponderação. Pois que somente quando se tornarem comuns os recursos e as potências dos dois mundos, a visível e a invisível, é que se abrirá uma nova era, e uma civilização superior e mais bela brilhará para a humanidade!

/…
(ii) Ver sobre este assunto os atestados de Tácito, Diodoro de Sicília, Pomponius Méla, Estrabão, Aristóteles, etc., citados por Jean Reynaud (i) na sua obra L’Esprit de la Gaule(*)
(*) Ver também a obra magistral de J. Markale (i), La Femme Celte. (N.T.)
(iii) Barzaz-Breiz, Chants Populaires de la Bretagne, Editor Perrin.



LÉON DENIS, O Génio Céltico e o Mundo Invisível, Segunda Parte – Capítulo X Considerações Políticas e Sociais. O papel da Mulher. A influência Céltica. As Artes. A Liberdade e o livre-arbítrio (I de II), 32º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: A Apoteose dos heróis franceses que morreram pelo seu pais durante a guerra da liberdade; Ossian, Desaix, Kléber, Marceau, Hoche, Championnet, pintura de Anne-Luis Girodet-Trioson)

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